Deputados derrubam premiê da França em união de esquerda e extrema direita
A Assembleia Nacional da França aprovou a moção de censura contra o primeiro-ministro, Michel Barnier, nesta quarta-feira (4). Agora, o premiê deve apresentar renúncia ao presidente, Emmanuel Macron.
O que aconteceu
Questão uniu deputados da esquerda e da extrema direita e teve 331 votos a favor da moção de censura contra Barnier. Para a moção ser aprovada, era necessário o apoio de pelo menos 288 deputados.
Barnier deve deixar o cargo após menos de 100 dias no poder. Como resultado, o governo é derrubado e a lei de financiamento da Segurança Social para 2025 é rejeitada.
Decisão mergulha o país em um período de grande incerteza política e financeira. Cenário se monta seis meses após a dissolução do Parlamento e de uma eleição legislativa antecipada.
"Tive e tenho orgulho de agir para construir e não para destruir", disse Barnier em discurso. O primeiro-ministro ainda acrescentou: "não posso resignar-me à ideia de que a desestabilização institucional possa ser o objetivo que reuniria aqui uma maioria de deputados."
Chegamos a um momento de verdade, de responsabilidade (...) há urgência em responder à nossa dívida orçamental (...) enfrentando a realidade das nossas contas públicas. (...) Não é por prazer que apresentei quase apenas medidas difíceis. Teria preferido distribuir dinheiro (...) esta realidade não desaparecerá pela magia de uma moção de censura
Michel Barnier, primeiro-ministro da França
A moção foi apresentada após o primeiro-ministro aprovar parte do orçamento sem o submeter a votação. O fato desagradou tanto a esquerda quanto a extrema-direita, que se aliaram para a votação.
O governo de Barnier, nomeado em 5 setembro, é o mais curto da Quinta República francesa, que começou em 1958. Além disso, é a primeira queda de um governo na França desde 1962.
A queda de Barnier aprofunda a crise política que a França enfrenta desde junho. Naquele mês, o presidente Emmanuel Macron dissolveu a Assembleia Nacional e antecipou as eleições legislativas, antes previstas para 2027.
Nos últimos dias, o governo afirmou que poderia ocorrer uma "tempestade" econômica caso a moção de censura acontecesse. "Não é só o meu cargo que está em risco", afirmou Burnier em uma entrevista para as emissoras TF1 e France 2 na noite de terça-feira (03).
Próximos passos
Emmanuel Macron precisa nomear um novo primeiro-ministro. Ele não pode convocar novas eleições legislativas até julho.
Macron poderia nomear Barnier novamente. Foi o que aconteceu em 1962, quando o então presidente Charles de Gaulle nomeou George Pompidou após ele cair em uma moção de censura. Porém, na ocasião houve novas eleições entre a queda e a nomeação.
Barnier descartou essa possibilidade durante a entrevista de terça-feira (3). "Quero servir. Disse a vocês que é uma grande honra. Mas que sentido tem [uma nova nomeação como primeiro-ministro]?"
O atual ministro da Defesa, Sébastien Lecornu, e o aliado centrista de Macron, François Bayrou, são possíveis nomes para substituir Barnier. Porém, alguns parlamentares acreditam que a única saída para a crise inclui a renúncia de Macron e a antecipação da eleição presidencial.
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Quero receberQuem é Michel Barnier
Barnier foi nomeado pelo presidente Emmanuel Macron como primeiro-ministro em nome da "estabilidade". Com 73 anos, ele foi o premiê mais velho da história da Quinta República, iniciada em 1958. Barnier substituiu o mais jovem, Gabriel Attal, de 35 anos, que chegou a pedir demissão após as eleições legislativas de julho.
Filiado ao Les Républicains (LR), foi ministro em diversas ocasiões. A longa carreira política de Michel Barnier começou em 1973. Além de deputado e senador, foi ministro do Meio Ambiente entre 1993 e 1995, das Relações Europeias (1995-1997), das Relações Exteriores (2004-2005) e da Agricultura (2007-2009), participando de três presidências: François Mitterrand, Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy. Além disso, atuou como comissário de Políticas Regionais (1999-2004) e Mercado Interno (2010-2014) da União Europeia.
Liderou a delegação da União Europeia nas negociações do Brexit. Em 2017, em entrevista a veículos europeus, Barnier disse lamentar "profundamente" a decisão do Reino Unido de deixar a UE, reforçando que o Brexit teria consequências humanas, sociais, financeiras, técnicas e judiciais. "Sempre defendi que ninguém subestimasse essas consequências", afirmou. O processo, que demorou três anos para sair do papel, hoje é apontado como um dos principais responsáveis pela crise econômica no Reino Unido.
Deu guinada à direita em 2021, quando disputou as primárias do LR. Ele queria concorrer à presidência nas eleições de 2022 — posteriormente vencidas por Macron —, mas não conseguiu apoio suficiente de seu partido. Na época, Barnier causou espanto ao prometer um referendo para recuperar a "liberdade de manobra" na política migratória, argumento comparado aos usados pelos apoiadores do Brexit.
Admirador de Charles de Gaulle, se define como "patriota e europeu". A visão de Barnier sobre o projeto europeu passa pela defesa da soberania nacional, e não pela união maior entre os países.
Foi apelidado pela extrema-direita de "Joe Biden francês". O Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen definiu Barnier como um "fóssil da vida política". Já o líder do partido de esquerda La France Insoumise (LFI), Jean-Luc Mélenchon, disse que as eleições legislativas foram "roubadas".
* (Com informações de AFP, ANSA, Reuters e RFI)
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