Processo de impeachment é um golpe parlamentar em andamento
Tenho dito que faltar com a verdade não ajuda a resolver as questões do Brasil. Especialmente quando está em jogo a nossa jovem democracia. Hoje, a presidenta da República, Dilma Rousseff, eleita por 54,5 milhões de pessoas, encontra-se afastada do cargo, por um processo de impeachment em andamento no Senado Federal. Na minha opinião, é um golpe contra a democracia.
É preciso lembrar que a história do Brasil contém raros períodos democráticos. Vivemos o mais longevo deles, a partir da Constituição de 1988. No entanto, se concretizado o impeachment, sem que haja crime de responsabilidade praticado pela presidenta, terá ocorrido um golpe parlamentar, cujas consequências são imprevisíveis para as atuais e futuras gerações.
É verdade que o impeachment está previsto na Constituição, mas somente pode ser aplicado se comprovado crime de responsabilidade. Portanto, é um julgamento político que exige um embasamento jurídico.
O que temos visto na comissão especial são provas e testemunhos que atestam a correção dos atos presidenciais. A acusação considera crime de responsabilidade a emissão de quatro decretos –que teriam ferido a lei orçamentária–, além do atraso nos pagamentos de subvenções do Plano Safra. Mas está claro que não houve crime nem dolo da presidenta. A certeza sobre isso leva os adversários a defenderem a tese do “conjunto da obra”, a desqualificar testemunhas e a defender um rápido julgamento.
Não há uma assinatura sequer da presidenta da República em relação à liberação de recursos do Plano Safra. Os empréstimos são contratados diretamente junto ao banco pelos agricultores, a juros subsidiados pelo governo federal. O Banco do Brasil realiza toda a operação, com base na legislação de 1992 e em portarias do Ministério da Fazenda e do Conselho Monetário Nacional. O papel do governo é pagar a diferença entre a taxa subsidiada ao agricultor e a taxa de mercado. Procedimento absolutamente legal e aceito pelo TCU até 2015.
Quanto aos quatro decretos, acusam a presidenta de editá-los em desacordo com a meta fiscal aprovada pelo Congresso Nacional. O leitor sabe porque os decretos foram editados? Para destinar recursos para as universidades, pesquisa científica, policiamento rodoviário, ações da Polícia Federal, combate ao tráfico de drogas, promoção dos direitos da criança, do adolescente e do idoso, dentre outros objetivos. Os recursos saíram da arrecadação, acima do previsto, com doações, processos judiciais e receitas com serviços prestados que precisavam ser alocados em suas respectivas finalidades, conforme manda a lei. Caso contrário, nunca poderiam ser utilizados.
A edição dos decretos com essa finalidade era uma prática corrente da administração pública, realizada por todos os presidentes anteriores e aceita pelo próprio Tribunal de Contas da União. O entendimento mudou apenas em outubro de 2015 e, desde então, não foram mais usados pelo governo federal. Um técnico em Orçamento chegou a dizer na comissão que, em seus 25 anos de carreira no serviço público, abriu créditos em todos os anos com a mesma fundamentação legal e que a equipe técnica recebeu com surpresa “a mudança de um procedimento clássico”.
Outro aspecto importante é o princípio da anualidade da meta fiscal, demonstrando que não houve qualquer violação. Em 2015, ocorreu o maior contingenciamento financeiro da história (R$ 70 bi) e a meta alterada pelo Congresso foi atingida.
Em nenhuma democracia uma lei pode retroagir para prejudicar alguém. Mas querem agora punir uma presidenta honesta, que não desviou recursos públicos e cumpriu suas obrigações, conforme entendimento consagrado. Ao não reconhecer essas verdades, transparentes e cristalinas, os adversários comprovam que existe um golpe parlamentar em curso. Pois uma presidenta eleita democraticamente não pode ser afastada do cargo apenas porque se formou uma maioria parlamentar contrária ao seu governo. Isso gera grave insegurança jurídica que afetará os futuros presidentes, governadores e prefeitos. É preciso, antes de tudo, respeitar as urnas.
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