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O Feliz Natal dos especuladores da Amazônia

23/12/2016 14h12

Imbuídos do espírito natalino, o ministro José Sarney Filho e o presidente Temer resolveram dar um presentão para os especuladores imobiliários que há anos insistem em desrespeitar a legislação ambiental na Amazônia.

Trata-se de duas medidas provisórias (756 e 758), publicadas no Diário Oficial da União de 19 de dezembro, que mudam limites de várias reservas naturais no Estado do Pará. Uma iniciativa que, a um só tempo, significou uma rasteira na Constituição, na proteção do meio ambiente e no combate ao desmatamento crescente na Amazônia.

As unidades de conservação alteradas de forma unilateral são a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, Parque Nacional do Rio Novo, Parque Nacional do Jamanxim e a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós. Todas estão situadas na região do entorno da rodovia BR-163, que liga Cuiabá, no Mato Grosso, a Santarém, no Pará.

A criação dessas reservas ocorreu em fevereiro de 2006. Junto com algumas outras, formaram uma barreira verde com mais de 6,4 milhões de hectares com os objetivos de conter o maior surto de desmatamento já verificado na Amazônia e dar uma resposta à sociedade pela passagem de um ano do brutal assassinato da freira Dorothy Stang, em meio aos conflitos por terras no Pará.

A estratégia deu certo. Foi interrompido o crescimento avassalador de mais de 650% do desmatamento registrado ao longo da BR-163 entre os anos de 2001 e 2004, provocado pela aceleração da especulação imobiliária de terras públicas estimulada pela expectativa de asfaltamento da rodovia, anunciada no final do governo FHC.

Com as mudanças, repito, feitas de forma unilateral, o Ministério do Meio Ambiente preferiu ignorar sua responsabilidade de fiscalizar as unidades de conservação (UCs) e agradar especuladores que ocuparam, também repito, terras públicas e se recusaram a se retirar ou decidiram invadir, mesmo depois de elas serem destinadas para a proteção da natureza e a produção sustentável. Essa atitude, que põe em risco os ganhos obtidos no controle do desmatamento, só confirmam o lavar de mãos do governo que permitiu que a Floresta Nacional do Jamanxim liderasse o ranking das UCs mais desmatadas nos anos de 2012 a 2015, conforme estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia - Imazon.

Para agravar o quadro de irresponsabilidade com o patrimônio público, já que após criadas essas áreas são gravadas em perpetuidade para toda a sociedade e devem ser protegidas, o ICMBio, órgão federal responsável pela gestão das UCs, reconheceu em relatório próprio que a ocupação na Flona do Jamanxim é recente, ao afirmar que 67,70% dos que lá estão entraram pouco antes ou logo após sua criação. Para o Ministério Público Federal, esse dado confirmou que são ocupações especulatórias, o que o levou a solicitar formalmente, em agosto deste ano, a imediata suspensão do trâmite de qualquer processo administrativo ou requerimento que tenha por objeto a recategorização e/ou desafetação da reserva.

Ao invés de ajustar seus procedimentos e investir na conservação, o Ministério do Meio Ambiente procurou a saída mais fácil: acabar com o problema através da eliminação de parte da UC que estava obrigado a proteger. E ainda fez isso de forma inconstitucional, pois uma MP só pode ser editada em caráter excepcional quando dois requisitos fundamentais são atendidos: relevância e urgência.

Para tentar minimizar o impacto negativo de sua atitude, o Ministério do Meio Ambiente usa de uma tática reprovável de contrainformação. Em seu site na Internet, “comemora” o aumento de área de dois parques nacionais da região e a criação de uma nova APA como medidas compensatórias para tentar justificar sua atitude. Só se esqueceu de explicar que essas áreas já estavam protegidas na forma de outras categorias, resultando em aumento zero na conservação. Além desse aspecto, a legislação federal que trata das unidades de conservação, que teve no então deputado federal Sarney Filho um dos mais ferrenhos defensores, exige que a criação de novas reservas tenha seus estudos e justificativas precedidas de audiências públicas, o que foi ignorado ao optar pela via da medida provisória.

A pergunta que fica é: qual a relevância e urgência de reduzir uma área protegida na Amazônia, principalmente em um cenário de recrudescimento do desmatamento, com aumento de 60% nos últimos dois anos? Sinceramente, está difícil compreender essa iniciativa do governo, adotada nos últimos dias do ano e usando o mecanismo de medida provisória, buscando respostas em justificativas aceitáveis do ponto de vista do interesse público.