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OPINIÃO

O tenentismo de 1922 e o general-coronelismo de 2021

25.ago.2021 - O presidente Jair Bolsonaro em evento em comemoração do Dia do Soldado, em Brasília  - MATEUS BONOMI/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA//ESTADÃO CONTEÚDO
25.ago.2021 - O presidente Jair Bolsonaro em evento em comemoração do Dia do Soldado, em Brasília Imagem: MATEUS BONOMI/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA//ESTADÃO CONTEÚDO

Especial para o UOL

09/09/2021 04h00Atualizada em 09/09/2021 09h28

O tenentismo foi um movimento de oficiais de baixa patente que visava à modernização do país, ao fim das oligarquias rurais (o coronelismo), ao voto secreto, com o fim do voto de cabresto, à reforma do sistema educacional.

Os tenentes tinham um ideal modernizador para o Brasil.

Além deles, havia também, um desejo mais obnubilado de recuperação do poder pelos militares, que haviam pontificado na proclamação da República com os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, a República da Espada. Pouco a pouco os proprietários rurais, sobretudo a turma do café, e o acordo café com leite entre políticos de São Paulo e Minas Gerais, foram os afastando do poder.

O tenentismo também representou os ideais da população que se incorporou ao processo de urbanização, sobretudo a classe média, que se afirmava economicamente, e se opunha aos desmandos conservadores da cultura política das oligarquias rurais.

Na verdade, começou em 1921 com a articulação de um candidato de oposição, Nilo Peçanha, que foi derrotado pelo representante dos ruralistas Artur Bernardes pela diferença de cerca de 150 mil votos.

A vitória de Bernardes induziu a Revolta dos 18 do Forte, em Copacabana, no Rio de Janeiro, e as revoluções de 1923, no Rio Grande do Sul, e 1924, em São Paulo, resultando na Coluna Prestes que percorreu cerca de 24 mil quilômetros pelo país, pregando uma nova forma de condução do governo.

Embora derrotados, incutiram um novo ideal no país, que se consolidou com a Revolução de 1930 com Getúlio Vargas, aproveitando a quebra da política café com leite, quando Washington Luís quis impor Júlio Prestes, com a desculpa de que São Paulo precisava mais de um presidente, por conta da crise do café ocasionada pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929.

Os tenentistas apoiaram a Aliança Liberal de Getúlio Vargas em 1930, e foram aquinhoados por ele com as interventorias de vários estados brasileiros.

Em 1945 atuaram pela deposição de Vargas. Foram envolvidos pelos ideais dos militares americanos com o pós-guerra e a aproximação do presidente da República, general Eurico Gaspar Dutra com os EUA. Voltaram em 1964 com o estabelecimento do regime militar.

Entre eles estavam os tenentistas Cordeiro de Farias, Ernesto Geisel, Eduardo Gomes, Castelo Branco, Juraci Magalhães, Juarez Távora e Emílio Garrastazu Médici — quando chegaram ao poder pessoalmente. Ou seja, o tenentismo foi movimento que durou até 1964, no seu cerne, mantendo o conservadorismo social e político, mas não abandonou o projeto desenvolvimentista de industrialização expressos nos Planos Desenvolvimento Nacional -PNDs.

De acordo com levantamento do TCU (2020) são 6.157 os militares que fazem parte do governo Bolsonaro em cargos civis cedidos. Desse total, 2643 estão em cargos comissionados em vários órgãos, mais 1969 destacados para atuar no INSS, 642 na área da saúde, 197 na área da educação.

Os generais e coronéis sobressaem em termos de força e poder.

Não é o Exército, não são as Forças Armadas no seu todo, são militares com cunho governista e apoiadores do presidente da República, em sua grande maioria.

A maioria na Forças Armadas não defende ações que contrariem à Constituição, ao contrário.

O que ocorre é que o grupo acima citado está colaborando, parte inconscientemente, com um projeto exatamente na direção contrária à modernização do Estado e da sociedade brasileiros, defendendo pautas que vão na direção contrária do tenentismo, no sentido de propiciar ao Brasil um país mais coletivo.

Os tenentistas buscavam uma reforma educacional para ampliar o conhecimento e habilidades dos brasileiros, o inverso do que o atual ministro da Educação procede. Os generais e coronéis do governo, em cargos civis, buscam a predominância do indivíduo sobre as instituições, do individual sobre o comunitário.

É um equívoco grave, que pode levar a um estado pré-hobbesiano de todos contra todos, cada um por si, conforme o respectivo interesse. Um general afirmou que podia participar por ser um indivíduo. Não é assim. Quando se está na ativa, armado, com a prerrogativa do monopólio da violência legal, não se é um indivíduo comum da sociedade — se é um agente público do Estado. De uma carreira que, ao ser escolhida, já tem as regras de conduta determinadas. A segue quem quer, dentro das condições.

Em parte, os militares em cargos civis dentro do governo apreciaram o retorno ao poder, depois de 1964-1985. Importante notar que 73% da população, hoje, defende com ardor a democracia e o império da Constituição.

As instituições estão acima do indivíduo que, ao aceitar viver em uma Nação, se propõe a respeitar o pacto social contemplado pela mesma Constituição, que lhe serve, inclusive, de segurança pessoal e familiar contra qualquer risco alheio.

O general-coronelismo dos militares que estão em cargos civis do governo pode remeter a uma involução da sociedade brasileira, onde a civilização foi uma forma anuída de se conviver pacificamente em sociedade. Incluindo divergências políticas, ideológicas e religiosas.

O ponto comum entre tenentes de 1922 e generais e coronéis de 2021 é o autoritarismo, vício profundo da cultura brasileira. Da esquerda à direita.

Uma herança do coronelismo rural de 1922, ainda não superada.

Uma forma de impor normas e procedimentos sob os auspícios de um Leviatã onisciente, que olha a população de cima para baixo. Um erro fatal, que não deu certo.

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