Massacre da Sé completa 18 anos em meio a mortes invisíveis do povo de rua
A madrugada dos dias 19 e 22 de agosto de 2004 foi marcada pela série de ataques violentos às pessoas em situação de rua que dormiam na Praça da Sé. Espancadas na cabeça com pedaços de madeira e barras de ferro, sete morreram e outras seis ficaram gravemente feridas. Apesar dos fortes indícios de participação de policiais militares, não houve a devida apuração e responsabilização dos autores destes crimes.
O caso ficou internacionalmente conhecido como "Massacre da Sé" e sua proporção e gravidade deram ensejo à mobilização que resultou na criação do Movimento Nacional da População em Situação de rua e na instituição do dia 19 de agosto como o "Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua". Desde então, um dos principais gritos do Movimento é "A rua não é lugar para viver, muito menos para morrer".
Passados 18 anos, embora tenham ocorridos avanços nas políticas públicas, como o Decreto nº 7.053/2009, que institui a Política Nacional sobre o tema, o grito segue sendo necessário, principalmente quando olhamos para os óbitos dessa população, sobre os quais não há dados e estatísticas.
Como está a situação hoje? Questionados pela Defensoria Pública, as Secretarias de Segurança Pública (Estadual), Saúde e Assistência Social (Municipais) não souberam informar quantos, quem são e do que morreram as pessoas em situação de rua entre abril de 2021 e abril de 2022 em São Paulo.
Informaram que não há campos específicos para registros desses óbitos. Ainda, relataram que quando não se tem nenhuma qualificação a respeito da pessoa morta, o reconhecimento fica a cargo do Instituto de Identificação. No período mencionado, o órgão recebeu 2.435 solicitações de casos assim. Não há, nesse total, informações sobre quantos se tratavam de pessoas em situação de rua.
Sem identificação, elas são enterradas em vala comum, sem nome, sem idade, sem rastro, completando o espiral de desumanização que marca suas trajetórias.
Casos no exterior. Esse drama mudo não é exclusividade brasileira. Prova disso é a existência do coletivo francês "Les Morts de la Rue" que desde 2003 se dedica a ações relacionadas ao tema que envolvem não apenas a contagem das ocorrências, mas também a denúncia das suas causas e a garantia de um funeral digno. Essa atuação parte da ideia de que ao homenagear esses mortos, também se está agindo pelos vivos.
Falar de morte é também falar de vida. Na célebre frase de Guimarães Rosa, a gente morre é para provar que viveu. Se a vida das pessoas em situação de rua é historicamente marcada pela indiferença e pela invisibilidade, o silêncio em torno das mortes prova como essas existências seguem sendo ignoradas.
A rua mata e entender as causas das mortes, sejam aquelas que se dão por violência direta (assassinato, suicídio) sejam aquelas que são tidas como "naturais" dos que estão lentamente definhando no espaço público por exaustão, frio, problemas respiratórios, uso abusivo de substâncias lícitas ou ilícitas etc., é fundamental para que se pense políticas públicas efetivas para população que ainda batalha para ser reconhecida como sujeito.
A luta pela garantia de moradia, trabalho, transferência de renda celebrada neste dia 19 de agosto é, em última análise, a luta pela vida.
*Fernanda Penteado Balera é Defensora Pública do Estado de São Paulo, coordenadora do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos
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