A mitologia é prodiga em resgatar metáforas do passado para explicar o presente. Procusto é uma figura interessante da mitologia grega, tratava-se de um bandido que habitava uma floresta e costumava prender aqueles que passassem por lá. Os prisioneiros eram levados a deitar-se em uma cama que tinha o tamanho do dono. Procusto buscava quem coubesse perfeitamente no catre.
Se a pessoa fosse maior que a cama, o ajuste era feito cortando os pés da vítima, se fosse menor, ela seria esticada até atingir o tamanho buscado. Ao fim, ninguém que se deitasse no leito de Procusto escaparia vivo, não se encontrava quem tivesse a medida perfeita.
O mito é uma crítica a quem rejeita os posicionamentos diversos dos seus e busca a concordância completa com suas opiniões. Ao mesmo tempo, demonstra que é quase impossível que duas pessoas pensem de forma similar sobre todo e qualquer tema. Na lógica de Procusto, nesses casos, a solução é adaptar, à força, o pensamento alheio ao seu, ainda que isso resulte no perecimento da pessoa.
A Justiça Eleitoral se acha, agora, em um verdadeiro leito de Procusto, julgando a AIJE (Ação de Investigação Judicial Eleitoral) que trata da reunião do ex-presidente Jair Bolsonaro com os embaixadores, episódio em que foram feitas críticas ao sistema eletrônico de votação brasileiro sem fundamento na realidade.
O TSE tem recebido críticas de lado a lado. Diferentes pessoas pretendem ajustar a análise jurídica que a Corte realizou aos seus próprios modos de pensar e interpretar o cenário político-eleitoral brasileiro, na maioria das vezes sem considerar a importância de qualquer fundamento no Direito.
Os detratores do ex-presidente afirmam que se o Tribunal não reconhecesse a inelegibilidade seria um sinal de corrupção grave. Do mesmo modo, seus defensores afirmam que a condenação seria uma decisão injusta e eminentemente política da Corte. Em suma não haverá decisão que possa satisfazer a todos, qualquer caminho adotado resultará em pesadas críticas.
Em outra via, os comentaristas independentes, que não possuem ligações com qualquer dos lados envolvidos na ação, majoritariamente avaliam que a decisão da corte eleitoral tem um inegável caráter político.
As decisões da Justiça Eleitoral, principalmente nas ações cassatórias, sempre vão se balizar em fatos ocorridos em campanhas e eleições, desse modo, invariavelmente, possuirão repercussões políticas. Exigir que tais julgamentos se afastem do ambiente político equivale a obrigar um padeiro a fazer um pão sem carboidratos.
A atuação da Justiça Eleitoral está baseada fundamentalmente na disciplina jurídica, o que não possui força para excluir os efeitos que vão para além do Direito, principalmente políticos e sociais. Precisamos compreender a convivência e equilíbrio de todos esses fatos e que isso faz parte do regular jogo democrático.
Nesses dias, os debates acerca da correção, pertinência e probidade do comportamento do TSE e seus ministros foi reduzida à satisfação ou insatisfação com o resultado dos seus julgamentos. Esse comportamento apequena a história quase centenária da Justiça Eleitoral brasileira, que, certamente, não é uma casa de aventureiros.
Após vivenciar períodos democráticos e ditatoriais ao longo do seu percurso histórico, não há dúvidas de que a Justiça Eleitoral alcançou e estabilizou-se em um status de maturidade institucional que torna a discussão acerca da imparcialidade de seus julgamentos, no mínimo, leviana.
Do mesmo modo que o TSE evoluiu e consolidou-se, é necessário que o debate público também avance. As coisas não podem ser desqualificadas pelo simples fato de que não concordo com elas, afinal, é fato que já evoluímos muito em consciência e formação para não sermos comparados com Procusto. Nossos mitos de estimação hoje devem ser outros.
*Servidor da Justiça Eleitoral e coordenador acadêmico da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político). Mestre em Direito pela PUC-RS.
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