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OPINIÃO

Afinal, as mulheres precisam de cotas?

A ex-presidente do STF Rosa Weber, que se aposentou da Corte compulsoriamente nesta semana Imagem: Ueslei Marcelino - 28.set.23/Reuters

Amanda Guimarães da Cunha

Escpecial para o UOL*

04/10/2023 12h31Atualizada em 04/10/2023 12h31

Recentemente o atual presidente da República disse, ao tratar de sua escolha para a vaga aberta pela ministra Rosa Weber no STF, que não se pautará por critérios de genêro e raça. Tramita no Congresso Nacional um projeto de minirreforma eleitoral que pretende acabar com as cotas para candidaturas, criando reserva de cadeiras legislativas por gênero em 15%.

O assunto de cotas sempre é polêmico e está sempre em pauta na sociedade brasileira, em todos os Poderes. Mas, será que mulheres precisam delas?

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Elas são a maioria da população e do eleitorado brasileiro. Compõem 46% dos partidos políticos. São a maioria também nos cursos de ensino superior e de pós-graduação, inclusive de mestrado e doutorado. Elas são responsáveis pela maior parte da produção acadêmica do país, assinando, hoje, 72% dos artigos científicos aqui produzidos.

A partir dos dados expostos, creio que a resposta intuitiva seja de que elas não precisam. Entretanto, deixem-me apresentar alguns outros dados.

Mulheres ocupam apenas, em média, 15% das cadeiras do Legislativo brasileiro. Se olharmos para o Executivo, temos hoje apenas duas governadoras eleitas nos 27 estados e 673 prefeitas num universo de 5.568 municípios.

Isso tudo nos coloca numa posição de representatividade feminina na América Latina melhor apenas do que o Haiti. Somente em 2016 as senadoras brasileiras ganharam seu primeiro banheiro feminino.

No mercado de trabalho, ainda que mais escolarizadas, as mulheres ocupam apenas 29% dos cargos de liderança na indústria. Em posições gerenciais, a média é de 37%. Como CEOs, mulheres são apenas 17%. Das 408 empresas com capital aberto na Bolsa de Valores, 61% não tem uma única mulher entre seus diretores estatutários e 45% nem sequer nos conselhos de administração.

No Poder Judiciário, mulheres são apenas 21% dos desembargadores de tribunais. No Supremo Tribunal Federal, em 132 anos de história, tivemos 168 ministros e apenas 3 ministras.

Bem, a que conclusões poderíamos chegar com isso? Será que as mulheres não querem ocupar tais espaços? Ou será que querem, ocupando as mesmas funções e com mais instrução, ganhar apenas 77% do que ganham os homens? Ninguém pode pensar que isso faça algum sentido.

É óbvio, e o óbvio precisa ser dito, que mulheres enfrentam violências estruturais e assédios aos quais os homens não estão sujeitos.

São responsáveis, ainda e em grande parte, pelos trabalhos domésticos e de cuidado. Para tanto, basta mencionar apenas três indicadores: 50% delas perdem os empregos ou precisam deixá-los após a maternidade.

Elas gastam, semanalmente, 21 horas em tarefas domésticas, em oposição às 11 horas que os homens gastam. A cada minuto no Brasil, 36 delas são vítimas de violência de gênero.

Falar em cotas não é falar em favoritismo ou, menos ainda, em falta de capacidade. Sabemos que a mulher é capaz, até de sobra. Cotas são necessárias porque há um sistema secular que cria barreiras, visíveis e invisíveis, para que elas ocupem espaços de poder e, naturalmente, precisem dos homens para dividir as demais tarefas.

Falar em cotas não deveria ser um tabu, afinal, países hoje mais desenvolvidos precisaram delas, como a Alemanha, a Inglaterra, a Bélgica, a Austrália, o Canadá, os próprios Estados Unidos, dentre outros.

Ter mais mulheres em cargos de poder não é só uma questão de justiça e de direito, é bom para qualquer país democrático.

O Insper, a pedido da Fundação Lemann, demonstrou em estudo recente, baseado em 95 pesquisas nacionais e internacionais dos últimos 20 anos, que mulheres têm 35% menos chances de se envolver em corrupção e buscam investir mais em saúde e educação.

É lógico que esse universo de dados tem as suas peculiaridades e complexidades próprias, mas os números ajudam a retratar a realidade e, especialmente, a interpretá-la de forma objetiva quando se faz necessário. Se fizermos o recorte por raça, o cenário fica ainda mais drástico.

Dado esse cenário, refaço a pergunta: mulheres, então, precisam de cotas?

Se eu fosse arriscar uma resposta, diria que não. Mulheres não precisam de cotas, nunca precisaram e nunca vão precisar. O verbo é outro: merecem.

Mulheres merecem as cotas. Cotas, num sistema construído e mantido para que elas não alcancem o topo, é outra palavra para igualdade.

Observe, em qualquer setor da sociedade, público ou privado: quanto mais alto você olha, menos mulheres você encontrará. E isso sim, é um critério de escolha.

*Amanda Guimarães da Cunha é professora e especialista em direito eleitoral, ciências penais e violência de gênero, coordenadora de comunicação da Abradep e comunicadora digital em @amandacunhacomunica

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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