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A proibição da advocacia pro bono nas eleições

A advocacia pro bono é uma prática jurídica em que advogadas e advogados oferecem seus serviços de forma gratuita para pessoas carentes ou organizações sem fins lucrativos. O termo pro bono vem do latim e significa "para o bem público". Essa atuação visa garantir o acesso à justiça para aqueles que não têm condições financeiras de contratar um advogado(a), e com isso, importante contributo para a promoção de sociedade da igualdade de direitos.

Com a proximidade das eleições municipais 2024, a crescente judicialização dos atos de pré-campanhas, o necessário suporte jurídico das campanhas eleitorais e a crescente qualificação da advocacia no campo eleitoral, entendo por bem apresentar uma breve análise ético-jurídica.

A atuação profissional da advocacia no cenário eleitoral, especialmente quando se configura como advocacia pro bono, encontra-se cercada por restrições éticas e legais. Compreender tais nuances é fundamental para garantir a lisura do processo eleitoral e a ética profissional da advocacia.

O Código de Ética e Disciplina da OAB (CEDOAB), em seu art. 30, § 3º, estabelece a vedação ética à advocacia pro bono para fins político-partidários ou eleitorais. Essa vedação visa impedir que a advocacia gratuita seja utilizada como ferramenta de captação de votos ou promoção de candidaturas.

Assim, a violação desta regra configura infração ético-disciplinar, passível de punições ao advogado, conforme previsto no art. 35 do CEDOAB, podendo variar de advertência até a suspensão ou exclusão da OAB.

Essa proibição da advocacia pro bono no campo eleitoral encontra respaldo legal no próprio Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994). O art. 35, II, veda a captação de clientes por meio de "serviços gratuitos ou de preços vilmente irrisórios". Essa restrição é crucial para garantir a imparcialidade e a integridade do processo eleitoral.

E mais, quando o Conselho Federal da OAB, por meio do Provimento nº 166/2015, regulamentou a prestação de serviços pro bono, reforçou a vedação de sua utilização para fins eleitorais. O provimento estabelece que o contrato pro bono não pode ser firmado com entidades que tenham "finalidade político-partidária ou eleitoral", nem pode ser utilizado como "instrumento de publicidade para captação de clientela".

A advocacia pro bono, apesar de ser prática reconhecida e valorizada dentro do campo jurídico, possui essa necessária limitação no campo político-eleitoral, até para coibir a prática de promessas de oportunidades no campo das futuras gestões públicas.

Há de ser ressaltado que a advogada ou advogado que estabelece um contrato pro bono com uma pessoa física ou jurídica fica impedido de exercer advocacia remunerada para a mesma pessoa. A lei determina que o impedimento cessa quando se passarem três anos do fim do contrato pro bono.

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Outra limitação importante é que a lei proíbe que a prestação de serviços pro bono seja vinculada ou condicionada à contratação de quaisquer serviços remunerados.

Essas restrições são fundamentais para preservar a integridade da advocacia pro bono e garantir que ela seja usada para o propósito pretendido — fornecer representação legal para aqueles que de outra forma não teriam acesso a ela.

A prática da advocacia pro bono para fins eleitorais, além de configurar infração ético-disciplinar, pode acarretar outras consequências negativas, como danos à imagem da advocacia, desequilíbrio na disputa eleitoral e prejuízo ao direito de escolha do eleitor.

Diante da constatação de qualquer prática de advocacia pro bono em desacordo com as normas éticas e legais, é fundamental que a mesma seja denunciada à OAB, o que pode ser feito por qualquer pessoa.

Importante citar Ezikelly Barros, que escreveu em comentário às normas da advocacia da: "os candidatos e candidatas que se lançam à arena política, por intermédio dos seus respectivos partidos políticos, recebem recursos públicos — oriundos do fundo partidário (FP) ou do fundo especial de financiamento de campanhas (FEFC) — para custear os gastos, entre outros, com os profissionais da advocacia. Além disso, a legislação eleitoral permite que esses players possam, por meio de doações de pessoas físicas ou com recursos próprios, arrecadar recursos financeiros privados para custear a contratação de advogados e advogadas eleitoralistas". (BARROS, Ezikelly. A vedação de Advocacia Pro Bono no Eleitoral. Comentários às Normas da Advocacia, Ed. Thoth, vol. III, p. 765 e 771, 2023)

Além disso, é de bom alvitre sempre enaltecer a atuação da Defensoria Pública na Justiça Eleitoral, que possui um papel de suma importância na prestação de assistência jurídica, judicial e extrajudicial aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da CF. Assim, estarão amparados todos e todas que comprovarem insuficiência de recursos para pagar honorários advocatícios, tanto na pré-campanha como na campanha, onde poderão receber, além de orientações jurídicas, defesa em todos os graus de jurisdição, restando mais do que preservado o amplo acesso à justiça.

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Portanto, é crucial que a advocacia esteja ciente dessas limitações e as respeitem ao oferecer seus serviços pro bono. Isso não apenas garante a conformidade com as normas éticas e legais, mas também ajuda a manter a integridade e a reputação da profissão jurídica.

*Delmiro Campos é advogado e um dos coordenadores institucionais da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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