Imagens de uma Porto Alegre submersa chocam os negacionistas do clima?
Mais de 80 pessoas já morreram após tempestades caírem em um Rio Grande do Sul que não foi preparado para o clima extremo pelos governantes. Contudo, em um país anestesiado por 711 mil óbitos devido à covid-19 e outros dezenas de milhares todos os anos pela violência, parece que "só" a perda de vidas não é capaz de fomentar uma resposta de longo prazo da sociedade. Ou seja, a mobilização seca junto com o chão.
Por isso, as imagens que estão chegando ao restante do Brasil tanto do interior do estado quanto da capital Porto Alegre precisam ser viralizadas à exaustão — e não as bizarras fake news que passam pano para a responsabilidade do aquecimento global no episódio. Elas têm potencial de forçar o poder público a, finalmente, abraçar políticas para mitigar o impacto do clima extremo e adaptar cidades e campo para essa nova realidade.
As cenas da população mais pobre, que perdeu tudo com a catástrofe, sendo resgatada do telhado de suas casas de barco após dias isolada e com fome são desesperadoras. Infelizmente, elas não chocam parte da população que perdeu (ou nunca teve) a capacidade de sentir empatia pelo semelhante.
Para essas pessoas, talvez, só talvez, faça mais efeito a percepção de que as mudanças climáticas afetarão a vida de todos, ricos e pobres, a nossa, mas a deles também.
Era inimaginável que o principal aeroporto do sexto estado mais populoso do país pudesse ser fechado por tempo indeterminado, mas aconteceu. As imagens do saguão de passageiros e das pistas de pousos e decolagens inundados só não são mais desoladoras do que perceber que isso significa o isolamento aéreo de uma das principais capitais do país em termos políticos e econômicos.
Isso é tão inimaginável quanto as imagens dos estádios do Grêmio e do Internacional, dois dos principais clubes de futebol do Brasil, transformados em piscinas de lama. De longe, a Arena do Grêmio, próximo à foz do rio Gravataí no rio Jacuí, parece o saibro terroso de uma quadra de tênis como Roland Garros, como pode ser visto no vídeo que abre este texto.
Muitos representantes de governos, bem como parlamentares, magistrados e procuradores ainda não entenderam que o clima do mundo mudou e que, por conta disso, eventos extremos já estão acontecendo anualmente com uma frequência que deveria ser de décadas. O Rio Grande do Sul é uma prova disso, com secas absurdas seguidas de dois ciclos destruidores de tempestades, em 2023 e 2024.
Neste momento, a prioridade é resgatar as pessoas que estão ilhadas, atender feridos e doentes, hospedar os refugiados ambientais da melhor maneira possível, enterrar os mortos.
Porém, quando a reconstrução começar, ela não pode ir pelo mesmo caminho do erro trilhado até aqui. O Estado precisa estar preparado para tragédias, porque elas vão acontecer com a mesma intensidade e frequência com o qual lançamos toneladas de gás carbônico na atmosfera. Infelizmente, o Rio Grande do Sul será um dos locais mais afetados por esse terrível clima novo.
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Quero receberSe a morte não choca, a imagem de uma cidade embaixo d'água, que precede a de um país inundado ou seco, talvez gere constrangimento a quem acha que mudança climática é invenção de comunista.