A vida após a eleição: a realidade dos mandatos ativistas no Brasil

Foi uma ligação entre nós, Áurea e Germana, que fez cair a ficha e conectar os pontos. Havia acabado de se encerrar o mandato de Áurea Carolina na Câmara Federal. Foram muitos anos na política institucional, com a Gabinetona passando pela Câmara Municipal de Belo Horizonte e a campanha em 2020 para prefeitura.

Juntas, tínhamos mais de 20 anos de atuação na política, em projetos federais, estaduais e municipais, com experiência de chefia de gabinete, coordenação de campanha e de comunicação. Depois de todo esse tempo, precisávamos parar, respeitar nosso corpo e cuidar da nossa saúde mental. Algo havia acontecido. Na verdade, com essa ligação, entendemos que algo estava acontecendo. E não era só com a gente.

Os últimos anos foram de inúmeras conversas e trocas com mandatos e mandatas ativistas, em que estavam sempre presentes os desafios internos e externos, desde gestão, fluxos e autocuidado, até situações de violência e dificuldade de pautar temas e novas práticas políticas. Estes eram problemas frequentes e comuns, sofríamos e passávamos pelas mesmas questões.

Fazendo um exercício simples, fica fácil entender o porquê. Lance seu olhar sobre qualquer casa legislativa no Brasil e o cenário, independente de onde você esteja, são cadeiras ocupadas por homens, brancos, cis, héteros e na sua maioria "herdeiros" da política. Mulheres, pessoas negras e LGBTQIAPN+ são as exceções. A representatividade da democracia brasileira tem voz baixa e dissonante.

Desde 2016, novos projetos políticos passam a questionar o modelo "uma cadeira, um gabinete, um voto para cada eleito no plenário". Os mandatos ativistas chegam nas casas legislativas na perspectiva de "hackear o sistema", invertendo a lógica da política institucional. Investindo na criatividade e na inclusão, os mandatos ativistas experimentam estruturas e propõem uma "reforma política na prática" a partir do uso de tecnologias sociais e de inovações no cotidiano dos gabinetes.

São mandatos coletivos, mãedatas, mandatos compartilhados, participativos, codeputadas, covereadoras, mandatas, quilombos, mandatos-movimentos.

Até pouco tempo existia uma linha divisória entre ativistas e parlamentares. Era como se ativistas só tivessem a "permissão" de existir e atuar da porta para fora das casas legislativas. Os temas que ocupavam as tribunas eram filtrados pelos parlamentares, que representavam a população. A chegada de pessoas ativistas eleitas modificou o desenho e a realidade no parlamento, ampliando debates e apresentando novos pontos de vista sobre questões sociais e identitárias.

Nós havíamos vivenciado tudo isso, nós fizemos parte dessa geração. Então compreendemos a necessidade de avançar, aprender com o que passou e, assim, contribuir com o desenvolvimento desse movimento político e a construção de novos cenários.

Foi compreendendo a importância de uma pesquisa sobre esse cenário que a conversa inicial amadureceu e se tornou uma proposta de investigação. Com o apoio do Nossas e recursos da Luminate, realizamos o relatório "Mandatos Ativistas no Brasil, um Diagnóstico", que busca ser uma ferramenta fundamental para quem quer entender esta nova dinâmica que atravessa a democracia brasileira, mapeando suas conquistas e seus desafios para expandir a representatividade na política nacional.

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Nós nos debruçamos sobre o processo de entrada de lideranças ativistas na política institucional, a ocupação desse espaço com foco na inovação e a permanência de novas vozes e práticas nas casas legislativas. O objetivo era demonstrar como esses mandatos modificam e radicalizam a face da democracia no país, mas também sofrem resistência de um sistema engessado.

A pesquisa ouviu 30 mandatos em torno do país nas três instâncias do Poder Legislativo - municipal, estadual e federal. Também abordamos o papel da sociedade civil como rede de apoio para estes mandatos e entrevistamos 14 organizações que realizam variados tipos de suporte, como auxílio na elaboração de projetos de lei, ações de visibilidade e atividades de formação para a equipe.

Foram mais de 40 horas de entrevistas. Os resultados mostram que mexer na estrutura política brasileira, nessa secular constelação, é tarefa árdua. Os relatos de violência política, atos de racismo e silenciamento culminam em situações de risco, fragilidade, esgotamento e um alerta para a necessidade de cuidar da saúde mental de parlamentares e suas equipes.

A expressão violência política apareceu em quase todas as entrevistas, materializada em histórias de assédios nas ruas, agressões nas casas legislativas e embate dentro dos gabinetes.

Realizar um diagnóstico de mandatos ativistas é criar ferramentas para que a sociedade esteja, cada vez mais, ampla e equitativamente representada nos espaços de tomada de decisão. Neste ano de eleições municipais, se torna ainda mais urgente jogar luz sobre os desafios que esses mandatos enfrentam. Não basta eleger, é preciso que toda a sociedade — partidos, instituições, organizações e pessoas — apoie e dê suporte para esses mandatos.

Convidamos a todas e todos que leiam a pesquisa e se juntem em uma rede de apoio daquelas e daqueles ativistas que ousam disputar e se manter nos espaços institucionais da política.

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*Áurea Carolina é diretora executiva do Nossas, organização nacional de ativismo popular. Germana Accioly é jornalista com especialização em comunicação e política pelo CEFOR. Gustavo Ribeiro é representante da fundação Luminate na América Latina.

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