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No Rio, Ramagem leva para TV o carisma de quem vai espionar até o eleitor

"Meu pai disse que você espiona pessoas", diz o menino a Mark Zuckerberg em uma montagem que virou meme nas redes sociais.

O fundador e dono do Facebook não nega nem confirma. Apenas responde: "Ele não é seu pai".

Guardadas as devidas proporções, o candidato a prefeito do Rio Alexandre Ramagem (PL) corre sério risco de ouvir (e ter respostas a) perguntas similares de garotinhos da cidade em suas andanças durante a campanha.

Ele é pivô do escândalo da Abin paralela, suposto esquema de espionagem ilegal montado durante a gestão de Jair Bolsonaro.

Ramagem era o diretor-geral e cinegrafista extra-oficial da agência quando ela espionava jornalistas, adversários e até aliados do então presidente.

É dele a gravação que mostra Bolsonaro combinando com duas advogadas e com o então chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, uma forma de livrar Flávio Bolsonaro (PL) das acusações de rachadinha. Cinema absoluto.

Pois foi essa folha extensa de serviços prestados à família que levou Ramagem a ser escolhido como representante oficial do bolsonarismo na segunda maior cidade do país.

Resultado: faltam pouco mais de 30 dias para a eleição, e o atual prefeito, Eduardo Paes (PSD), já botou para gelar o espumante.

Se tudo correr como as pesquisas indicam, o alcaide vascaíno caminha para uma reeleição mais tranquila do que a campanha do Flamengo no Campeonato Brasileiro de 2019. Só que com uma distância maior em relação ao segundo colocado.

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Paes não precisou sequer mudar de lugar a estante que serviu como cenário na campanha de 2020. O móvel só ganhou novos itens nesses quatro anos. Todos fazem alguma menção à cidade que ele governa e pretende seguir governando: um chapéu panamá, um cavaquinho, uma foto da Beth Carvalho, referências ao Cristo Redentor e imagens de santos dividem o espaço com fotos da família e placas onde se lê "O amanhã é hoje".

Eduardo Paes (PSD) nas propagandas eleitorais gratuitas de 2024 (à esq.) e de 2020
Eduardo Paes (PSD) nas propagandas eleitorais gratuitas de 2024 (à esq.) e de 2020 Imagem: Reprodução

Os demais ainda penam para mostrar que são candidatos a prefeito do Rio, e não a apresentadores de programa policial.

Na última pesquisa Real Time Big Data, divulgada nesta segunda-feira (2), Paes aparecia com 58% das intenções de voto, o que garantiria uma vitória com folga já no primeiro turno —o que desmoralizaria o bolsonarismo pela segunda eleição seguida em seu reduto.

No último pleito, o clã fechou com Marcelo Crivella (Republicanos), que teve ao menos a dignidade de perder no segundo turno.

Entre as razões para o favoritismo de Paes, algumas são óbvias e outras nem tanto.

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Ele tem apoio do governo federal e a máquina da gestão municipal em mãos. Tem também a administração aprovada por 64% dos cariocas, segundo a mesma pesquisa.

Na atual disputa, juntou no mesmo barco o presidente Lula e o bolsonarista Otoni de Paula (MDB). Fechou uma coligação que envolve, além de PT e PSD, seu partido, o PV, o PCdoB, o PDT, o Solidariedade e o Podemos.

Espelha, assim, a base que já tem na Câmara.

Ramagem tem apenas 14% das intenções de voto na pesquisa, e quem assistiu à propaganda eleitoral gratuita não demorou a entender por quê.

O candidato oficial do bolsonarismo tem até mais tempo de TV do que o adversário.

Mas, já na largada, mal disfarçou o carisma de quem vai espionar o eleitor a qualquer momento. Ele gastou a parte que lhe cabe no latifúndio da propaganda falando sozinho à frente de um paredão cinza escuro ao som de uma guitarra de filme sinistro.

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Parecia pescar votos entre eleitores de Gotham City.

Não por acaso, ele já acionou o canhão de luz em direção ao céu clamando ajuda do Coringa —no caso, o candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal (PRTB).

O diagnóstico de Marçal é que Ramagem "está levando um pau" na eleição do Rio e precisa de ajuda. Era um recado ao antípoda Carlos Bolsonaro (PL), um dos articuladores da campanha do ex-delegado (ambos conversaram depois de provocações e, segundo a versão oficial, selaram as pazes).

Ramagem, de toda forma, não dispensou a oferta. "Todo apoio será ótimo", disse ele, antes de rasgar elogios ao empresário goiano, em cujas mãos o "espião" Mark Zuckerberg já teria sido ressignificado com o rosto de Ramagem. Vale tudo, lembra?

Um dos desafios de Ramagem é se tornar conhecido dos eleitores —sem assombrá-los, claro, o que é ainda mais difícil.

Ramagem perambula pelas ruas com a mesma malemolência de Eugene Tackleberry, o cadete cintura presa da franquia "Loucademia de Polícia". Se arriscar passos de samba, periga quebrar a bacia.

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Para piorar, ele divide votos com um candidato ainda mais extremista, o deputado estadual Rodrigo Amorim (União Brasil) —aquele que gosta de rasgar placas com o nome de Marielle Franco em evento político.

Amorim fez da campanha uma versão pedestre da gangue Hells Angels. A propaganda dele na TV é quase uma ameaça para pegar o eleitor lá fora.

Rodrigo Amorim (União), candidato à Prefeitura do Rio, em propaganda eleitoral gratuita
Rodrigo Amorim (União), candidato à Prefeitura do Rio, em propaganda eleitoral gratuita Imagem: Reprodução

E, na campanha de rua, que deveria render imagens para a TV, os apoiadores parecem mesmo incorporar o espírito incendiário do candidato: no domingo, ele provocou uma confusão que terminou em pancadaria e levou um candidato a vereador do PT ao Hospital Glória D'or, na zona sul, com fraturas de nariz e na boca.

Com adversários do tipo, Paes não precisa mesmo se preocupar em trocar o cenário preguiçoso da última eleição.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Versão anterior do texto dizia que o PSOL faz parte da coligação de Paes na disputa. O partido tem candidato próprio, Tarcísio Motta. A informação foi corrigida.

Opinião

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