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Abuso de poder: políticos devem estar conectados, não com dinheiro público

As redes sociais foram inundadas por polêmicas envolvendo a comunicação de políticos e governos nos últimos dias. Do presidente da República a diversos deputados, muito se falou sobre a necessidade de uma boa interação com os seguidores e seguidoras, com a sociedade em geral e sobre marketing político.

Quero aproveitar esse momento para falar de algo que vem me inquietando bastante: afinal, quem é que coordena a comunicação oficial e a pessoal desses políticos?

É ótimo e necessário que agentes públicos consigam se aproximar das pessoas e comunicar seus atos de gestão de forma eficiente e transparente, ainda mais numa era em que vivemos mais conectados virtualmente do que no "mundo físico". Para isso, possuem verbas que podem e devem ser destinadas justamente para essa finalidade.

Entretanto, essa finalidade deve ser absolutamente de interesse público e vinculada ao exercício do mandato e jamais, bem, em tese, ser utilizada para promoção pessoal!

Durante as eleições de 2024, não só por acompanhar candidatos, partidos e o processo em si, mas porque sou comunicadora digital e manuseio com frequência as redes sociais, comecei a prestar atenção em como estes agentes têm se comportado.

Basta um pouco de atenção para constatar que são os mesmos conteúdos e as mesmas artes visuais, com a assinatura do profissional de marketing e design tanto na conta oficial do órgão público, como uma Prefeitura, por exemplo, e a do agente político a sua frente.

Alguns, mais ousados e sem qualquer desfaçatez, inclusive publicam o conteúdo institucional primeiro em sua página pessoal, depois na do órgão que pagou por ela.

Além disso, marqueteiros de campanha sendo nomeados para a comunicação institucional do cliente eleito, sem necessariamente ter sido apresentada a devida e transparente delimitação sobre quais são suas atuações, horários e remunerações quanto à conta oficial e o perfil pessoal do agente público.

Mesmo aqueles e aquelas que movimentam somente a própria conta nas redes, sem estarem vinculados a um perfil institucional, como no caso de vereadores, deputados e senadores, se esse conteúdo é feito com verba pública ou parlamentar, deve estar adstrita única e exclusivamente à finalidade do mandato.

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Meme sem dinheiro público

Fazer memes aleatórios na internet, platinar o cabelo, fazer trocadilhos e usar expressões locais são formas criativas de se aproximar das pessoas e uma forma autêntica de imprimir uma marca pessoal do político. Até aí tudo bem, desde que, nestes casos, não sejam pagos com dinheiro público. Tampouco, por meio de quem é pago para fazer a comunicação oficial.

Hoje, com as ferramentas disponíveis na internet e algum conhecimento digital, especialmente com os dados públicos da biblioteca de anúncios, é possível uma direta identificação dos computadores e pessoas por detrás das publicações, com registro de localização e hora.

Com um cuidadoso cruzamento de dados, pode-se traçar um verdadeiro rastro de uma velha prática muito conhecida da política patrimonialista brasileira: o uso da máquina pública em favor de campanhas eleitorais. Agora, também no universo digital.

A pessoalização do uso da comunicação pública e institucional tem sido tão expressiva que se chegou ao ponto de políticos que não foram reeleitos alterarem ou se recusarem a dar as senhas das redes sociais oficiais institucionais que até então controlavam.

Veja que para perceber a gravidade do que está ocorrendo, basta que façamos um rápido paralelo com as seguintes perguntas exemplificativas:

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Pode um gestor público usar o secretário de obras do órgão público para fazer uma reforma na sua residência pessoal? Pode um administrador público ser designado a administrar durante seu expediente contas e bens pessoais deste gestor?

A resposta para ambas é direta e óbvia: não! Então por que estamos normalizando que as verbas e o pessoal da comunicação institucional estejam movimentando as contas privadas de redes sociais destes agentes?

As consequências

Bem, as consequências dessa prática imoral e ilegal podem se dar em diversas esferas: eleitoral, pelo abuso de poder político; cível, por improbidade administrativa; e, ainda, criminal, por crime contra a administração pública.

E estas não se limitam aos políticos: alcançam também os profissionais responsáveis pela comunicação, enquanto também agentes públicos no exercício de uma função pública.

As conclusões a que cheguei é que estamos vivendo não só uma era de eleições 4.0, mas também de um abuso de poder político 4.0, com o flagrante aparelhamento das pastas e das verbas de comunicação institucional.

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Um abuso de poder imperceptível somente para quem não está atento e que desafia e desafiará cada vez mais a disputa eleitoral e a probidade na administração. É hora de todos nos atentarmos a essa realidade.

Políticos precisam e devem estar conectados, mas não com dinheiro público!

Amanda G. da Cunha é mestranda em direito, especialista em direito eleitoral e integrante da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), comunicadora digital em @amandacunhacomunica e host do podcast "A Eleitoralista".

Opinião

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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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