Advogado diz que réu no caso Celso Daniel confessou sob tortura
O advogado de Marcos Roberto Bispo dos Santos, primeiro dos acusados no caso Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André (SP), a enfrentar o júri popular, afirmou nesta quinta-feira (18) que o cliente apenas confessou participação no crime sob tortura de policiais.
Acusado pelo assassinato ocorrido em 2002, Bispo está foragido, mas o julgamento, que teve início por volta das 10h, acontece mesmo sem sua presença no Fórum de Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. Ele é julgado por cinco mulheres e dois homens. O veredicto deve sair ainda nesta tarde.
Adriano Marreiro dos Santos afirmou que o interesse do cliente não é protelar o processo, apesar de não ter comparecido. “Eu preferia que ele estivesse aqui”, afirmou. Bispo é o único dos sete réus no processo que não apresentou recurso contra a decisão que o levou a júri popular. “Trata-se de um caso emblemático, um crime bárbaro. Os culpados devem ser julgados e condenados. Não é esse o caso”, argumentou.
Divergências
O advogado defendeu a primeira versão apresentada pela Polícia Civil, de que Celso Daniel teria sido morto por engano, após uma ordem mal interpretada por um dos comparsas da quadrilha que o sequestrou. “A polícia até hoje descredita as investigações do Ministério Público”, atacou.
Trata-se de um caso emblemático, um crime bárbaro. Os culpados devem ser julgados e condenados. Não é esse o caso
Adriano Marreiro, advogado de defesaO advogado baseou a defesa nas divergências entre policiais e promotores. Durante a fase de investigações, duas hipóteses foram aventadas para explicar a morte de Daniel, cujo corpo foi encontrado em uma estrada de Juquitiba, no interior paulista, alvejado por tiros e com sinais de tortura.
As falas de Marreiro, que citou reportagem da Folha de S.Paulo na qual o então deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) afirmava que promotores foram “parciais” nas investigações, irritaram o promotor Francisco Cembranelli. Greenhalgh foi indicado por seu partido para acompanhar o inquérito e concluiu que foi um crime comum de extorsão mediante sequestro.
Ainda segundo o defensor, não há provas concretas contra Bispo. “Ele não estava no local do crime. Contra os outros réus, há [provas], contra o Marcos, não. Contra ele pesa uma confissão, onde alegou em juízo que foi barbaramente torturado”, disse. Marreiro disse também que o cliente alegou que estava na casa de uma tia no momento do crime. “Essa [confissão] é a única prova”, ironizou. “Não tem nenhum depoimento de testemunha que afirme que o réu Marcos participou desse crime.”
Depois, o advogado negou que Celso Daniel tenha sido torturado, afirmando que a tortura é um crime difícil de se comprovar. “É um crime invisível.”
Para aqueles que almejavam o enriquecimento ilícito, Celso Daniel passou a ser um estorvo
Francisco Cembranelli, promotor do casoAntes, foi a vez da acusação usar o tempo do júri. O promotor Francisco Cembranelli afirmou que Celso Daniel morreu porque pretendia deter o enriquecimento pessoal, fruto de corrupção, dos envolvidos em um escândalo de fraude e propina na Prefeitura de Santo André (SP). Segundo o promotor, o prefeito era conivente com os desvios até o momento em que os envolvidos passaram a enriquecer às custas das propinas, e não só a abastecer os caixas do Partido dos Trabalhadores. O promotor negou se tratar de um crime comum. “Para aqueles que almejavam o enriquecimento ilícito, Celso Daniel passou a ser um estorvo”, disse.
O júri
Os debates tiveram início às 10h30, depois que a defesa abriu mão da única testemunha cuja audição estava prevista. Defesa e acusação têm uma hora e meia para apresentar seus argumentos. Em caso de réplica, as duas partes ganham mais uma hora, e o mesmo período para a tréplica.
Após essa fase, os jurados se reúnem na sala secreta para decidir o futuro do réu. Eles devem responder “sim” e “não” a questões formuladas pelo juiz, relacionadas à materialidade, autoria e qualificadoras do crime. Eles também devem dizer se acreditam haver atenuantes. Com base no veredicto, a pena será dosada pelo juiz Antonio Augusto Galvão de França Hristov, da 1ª Vara de Itapecerica.
O réu é acusado por homicídio duplamente qualificado: por motivo torpe, almejando recompensa, e com emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. A pena para homicídio doloso vai de 12 a 30 anos.
Histórico
O ex-prefeito foi encontrado morto em 20 de janeiro de 2002, em uma estrada de terra em Juquitiba (SP), com marcas de tortura e alvejado por oito tiros. Ele havia sido sequestrado dois dias antes. Celso Daniel e o assessor Sérgio Gomes da Silva, conhecido como Sombra, haviam jantado em um restaurante em São Paulo e voltavam para Santo André em uma Pajero blindada.
No caminho, o carro foi interceptado, e o prefeito foi levado por sete homens armados. Para o Ministério Público, o sequestro foi simulado pelo empresário, que encomendou a morte do amigo. Gomes da Silva, que responde em liberdade, nega a acusação e afirma também ter sido vítima.
Envolvidos no caso foram mortos ao longo da investigação. Por medo de represálias, familiares de Celso Daniel se mudaram para a França. Em abril, o irmão do ex-prefeito, Bruno José Daniel Filho, reclamou, em carta, da demora no julgamento, que só foi determinado em março deste ano.
Também são acusados pelo crime, sem previsão de julgamento porque aguardam recurso, José Edson da Silva, Elcyd Brito, Ivan Rodrigues (o Monstro, apontado como chefe da quadrilha), Itamar dos Santos e Rodolfo Rodrigo Oliveira. A ação contra Sombra corre separada, por homicídio triplamente qualificado.
Todos estavam presos desde 2002. Em março, o STF (Supremo Tribunal Federal) concedeu habeas corpus a três réus em razão da demora no processo. Apenas Marcos Roberto Bispo dos Santos foi solto, já que os outros tinham prisões decretadas por outros crimes. Elcyd fugiu do CPP (Centro de Progressão Penitenciária) de Pacaembu (603 km de São Paulo) em agosto.
Envolvidos que morreram ao longo das investigações
Dionísio Aquino Severo - Suposto sequestrador de Celso Daniel e uma das principais testemunhas no caso, foi morto por uma facção rival antes de ser ouvido sobre o crime |
Sergio 'Orelha' - Teria escondido Dionísio após o sequestro. Foi fuzilado em novembro de 2002 |
Otávio Mercier - Investigador da Polícia Civil que telefonou para Severo na véspera da morte de Daniel, foi morto a tiros em sua casa |
Antonio Palácio de Oliveira - O garçom que serviu Celso Daniel na noite do crime morreu em fevereiro de 2003 após ser perseguido em sua moto |
Paulo Henrique Brito - Testemunhou a morte do garçom e foi morto com um tiro nas costas, 20 dias depois |
Iran Moraes Redua - O agente funerário foi o primeiro a identificar o corpo de Daniel e chamou a polícia. Morreu com dois tiros em novembro de 2004 |
Carlos Alberto Delmonte Printes - Médico-legista que constatou indícios de tortura ao examinar o corpo de Daniel |
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