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Buracos de Fortaleza causam crise política entre Cid Gomes e Luizianne Lins

Kamila Fernandes

Especial para o UOL Notícias<br>Em Fortaleza

17/02/2011 07h01

Os milhares de turistas que visitam Fortaleza durante o verão encontrarão algo mais do que calor, sol e belas praias. Um passeio de carro ou de ônibus pela cidade revela um sem número de buracos espalhados por algumas das principais ruas e avenidas do município.

A crise dos buracos é tamanha que seus danos extrapolaram os limites das molas e dos amortecedores e chegaram aos gabinetes políticos. A prefeita Luizianne Lins (PT) e o governador Cid Gomes (PSB), antigos aliados, hoje passam por momentos de atrito que podem culminar no rompimento do contrato da Prefeitura com a Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Ceará), órgão do governo do Estado. O acordo está em vigor há 40 anos.

A prefeita responsabiliza a Cagece pela maioria dos buracos de Fortaleza (“de 60 a 70%”, como Luizianne Lins declarou recentemente em uma entrevista coletiva) e passou até a multar a companhia pela demora em solucionar alguns casos em que houve rompimento da tubulação de água e esgoto. Com a intensificação da crise política, Luizianne montou uma comissão, formada por secretários, para avaliar o contrato com a estatal, que seria válido até 2033, abrindo a possibilidade de suspendê-lo. O serviço de água e esgoto em Fortaleza passaria a ser fornecido, então, por uma empresa municipal que seria criada. A comissão começou a trabalhar na última segunda-feira (14).

Apesar da estatística da prefeita, nenhum órgão da Prefeitura sabe informar ao certo a quantidade de buracos nas ruas de Fortaleza. Na Seinf (Secretaria de Infraestrutura do município), é informado apenas que 23 equipes trabalham todos os dias na operação Tapa-Buracos, montada com o objetivo de reparar a malha viária em diferentes pontos da cidade.

Contra a Cagece, a fiscalização é feita pela ACFor, autarquia municipal que regula os serviços públicos prestados na cidade. No ano passado, a estatal chegou a ser notificada e multada em R$ 124 mil por cinco buracos, o que não chegou a ser divulgado. Este ano, após a prefeita culpar publicamente a Cagece pelas crateras, foram anunciadas 12 notificações e duas multas, num total de R$ 76 mil.

A estatal, por sua vez, culpa a grande quantidade de sujeira nas ruas pelo entupimento das galerias pluviais e tubulações subterrâneas, o que levaria à sua sobrecarga no período de chuvas e, consequentemente, às crateras. Ontem mesmo, mais um grande buraco foi aberto, na avenida Leste Oeste, uma das vias que dão acesso às praias do litoral Oeste do Ceará. O trânsito foi completamente interrompido no local, gerando muitos transtornos aos motoristas. As obras devem continuar pelo menos até o dia 21, segundo a Cagece.

No local, já estava sendo feita parte de uma grande obra de substituição do sistema de esgoto da cidade, que prevê a troca de quase 17 quilômetros de tubulações em 20 bairros, num investimento total de R$ 64,3 milhões (sendo que R$ 54 milhões são de empréstimo do BID, o Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Nesse jogo de empurra-empurra, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), secção Ceará, também montou um grupo para acompanhar as possíveis soluções dadas aos buracos. Este será liderado pelas comissões de Direito Imobiliário, Urbanístico e Ambiental, e terá como missão assessorar a Câmara Municipal de Fortaleza para cobrar intervenções mais firmes do município para resolver o problema.

Bate-boca

Este é só mais um capítulo da tumultuada aliança entre Luizianne e Cid, que tem, como pano de fundo, a aproximação das eleições municipais de 2012, quando a petista não poderá mais ser candidata à reeleição – ela está no segundo mandato -, e o grupo de Cid, que até agora a apoiou, pode pleitear uma candidatura própria.

O problema de buracos em Fortaleza não é recente. Tanto que, desde 2009, a Prefeitura realiza a operação Tapa Buracos, além do recapeamentos de ruas e avenidas inteiras. Só em 2010, foram gastos R$ 45 milhões para tapar buracos, segundo a Seinf, produzindo-se 230 mil toneladas de asfalto, o equivalente à recuperação de 360 quilômetros de ruas. As crateras, porém, quase sempre reaparecem, o que tem gerado grande desgaste à imagem da prefeita.

O próprio governador Cid Gomes evita falar do assunto. Pelo contrário, há uma semana, quando estava em viagem pela Europa, enviou uma mensagem aos subordinados orientando exatamente que evitassem qualquer divergência com a prefeita.

Seus interlocutores, porém, não mantêm a mesma discrição. Pouco depois de Luizianne fazer as críticas à Cagece, o braço direito do governador, Arialdo Pinho, seu secretário-chefe da Casa Civil, foi irônico no Twitter. “Lulu Discurso Maravilha, culpa Cagece pelos buracos de Fortaleza. Engraçado, pela falta de capacidade de fazer algo, transfere responsabilidade.” E continuou: “Existem obras da Cagece pela cidade com prazo para acabar. Prefeitura: ruas esburacadas, avenidas com asfalto lastimável, obras que nunca acabam.”

Luizianne também respondeu por escrito, desta vez num artigo publicado no jornal "O Povo". “Chamei a atenção da concessionária para os buracos feitos por ela e para a demora em fechá-los. Recebi em resposta do chefe da Casa Civil do Estado o que chamaria de 'arenga de menino' não fosse o tom desrespeitoso e a ofensa pessoal. Lamento e encerro citando Raul Seixas: quando acabar a maluca sou eu.”

Desde que a tensão começou, Cid e Luizianne não se encontraram. Os dois declararam que pretendem se reunir para discutir o assunto.