Subcomissão do Senado quer explicações da Abin sobre ossadas achadas em Belém
A Subcomissão Permanente de Memória, Verdade e Justiça deve enviar à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) um pedido de informações sobre a localização de ossadas que podem pertencer a desaparecidos políticos. A decisão foi tomada nesta terça-feira (17) pelo senador João Capiberibe (PSB-PA), que preside a subcomissão, vinculada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
Capiberibe reclamou da ausência injustificada da Abin, que havia sido convidada para a audiência pública. Segundo Paulo Fontelles Filho, do Comitê Paraense pela Memória, Verdade e Justiça, a agência comandou o recolhimento das ossadas encontradas em 2001, no Forte do Castelo, uma região histórica de Belém do Pará, e não divulgou nenhuma informação a respeito.
Conforme Fontelles, os operários das obras de requalificação da região confirmaram que as ossadas foram encontradas. Eles contam que os restos mortais foram recolhidos por um homem, chamado Leo, que trabalharia na Secretaria de Cultura do Estado.
"Depois nós soubemos que esse suposto Leo era um policial militar aqui do DF recrutado pela Abin do Pará. E os organizadores dessa ação foram Magno José Borges e Armando Souza Dias", disse Fontelles.
Fontelles acrescentou que Magno e Armando pertenceram ao Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) durante o período de ditadura militar, estiveram no Araguaia, foram agentes do Serviço Nacional de Informações, e trabalham atualmente na Abin do Pará. O DOI-Codi era um órgão de inteligência e repressão subordinado ao Exército.
Para Fontelles, existe um Estado de repressão clandestino, composto de agentes que atuaram na época da ditadura e ocupam cargos no serviço público até hoje. O senador Capiberibe se mostrou preocupado com as informações e disse que é o momento de desmontar esse Estado clandestino, que teve, no seu entender, sua existência provada pelo recente desaparecimento do pedreiro Amarildo no Rio de Janeiro (o operário foi detido e assassinado por integrantes da PM daquele Estado).
"Nós temos que nos preocupar e temos de buscar desmontar esse Estado clandestino para que não se repita o que nós vimos estarrecidos: o desaparecimento, na frente das câmeras, do pedreiro Amarildo. Essa é uma prova concreta da existência de um Estado clandestino que não tem nenhuma obediência à lei", disse o senador.
Para o senador, a Lei da Anistia (Lei 6.683/1979), que anistiou as vítimas de tortura e também os torturadores, permite que essa situação de repressão se perpetue. Paulo Fontelles, que teve o pai assassinado por pistoleiros da União Democrática Ruralista, disse que tem sido vigiado por parte de agentes da Abin.
A senadora Ana Rita (PT-ES), presidente da CDH, sugeriu que a subcomissão encaminhe as informações prestadas por Fontelles ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para que ele peça uma investigação à Polícia Federal sobre o assunto. Capiberibe acolheu a sugestão de Ana Rita, e disse que também irá enviar um ofício à Abin, responsabilizando-a pelas pressões contra Paulo Fontelles Filho e Marco Antonio Moreira Antas, que estariam sendo seguidos e assediados.
"Vamos responsabilizar a Abin caso ocorra qualquer constrangimento físico, qualquer novo assédio. Peço que você nos comunique para podermos tomar a iniciativa", afirmou o senador, dirigindo-se a Fontelles.
Guerrilha do Araguaia
Ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia um movimento guerrilheiro criado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) na região amazônica, ao longo do rio Araguaia, entre os fins da década de 1960 e a primeira metade da década de 1970. O movimento, que tinha o objetivo de fomentar uma revolução socialista, foi combatido pelas Forças Armadas a partir de 1972 e teve cerca de 60 militantes assassinados. Mais de 50 deles são considerados ainda hoje como desaparecidos políticos.
Segundo Maria Rita Kehl, membro da Comissão Nacional da Verdade, não houve de fato uma guerrilha, pois os militantes não morreram em combate. Na época, o Exército teria conseguido pistas para localizar os guerrilheiros com camponeses e indígenas que viviam na região. Os camponeses e indígenas teriam sido torturados para delatarem o paradeiro dos militantes.
"Eles ainda estavam se organizando e na terceira expedição o Exército conseguiu encontrá-los, e conseguiu encontrá-los porque torturou índios e camponeses", afirmou.
Kehl conversou com índios e camponeses da região. Segundo ela, o Exército, erradamente, dizia que os guerrilheiros eram terroristas. E os camponeses, mesmo sob tortura, quando os soldados lhes perguntavam onde estariam os terroristas, diziam que os terroristas eram os soldados.
"Eles diziam:” a gente não conhece aqui nenhum terrorista, conhece umas pessoas que eram legais com a gente, que faziam coisas boas. Quem está fazendo terror aqui são vocês”. E com aquela bravura característica do camponês, eles apanhavam ainda mais", relatou.
Segundo Kehl, os índios Suruí naquela época viviam muito isolados e não entendiam o que estava acontecendo na região. Ouvindo relatos dos próprios índios, Kehl contou que eles foram obrigados a cortar e a carregar cabeças dos guerrilheiros, o que foi muito traumatizante.
"Alguns índios disseram que, durante muito tempo, sonhavam e tinham a sensação horrível do sangue quente escorrendo nas costas deles", disse.
Resquícios da ditadura
Maria Rita Kehl apresentou as atuais dificuldades enfrentadas pelos índios Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, como resquícios da ditadura militar. De acordo com o seu relato, após a ditadura, foi criada no Maranhão, no Pará e em outros estados, a União Democrática Ruralista (UDR), uma milícia armada formada por grandes proprietários de terra para matar camponeses ou pessoas que resistam à tomada de suas terras.
Ela contou que, há 15 dias, proprietários de terra fizeram um leilão de gado para arrecadar dinheiro a fim de pagar milícias armadas que estão cercando os índios Guarani-Kaiowá.
"E o Estado brasileiro, aparentemente, não intervém", afirmou ela.
Presente na audiência, o juiz José Barroso Filho disse que é urgente que o Estado promova espaços de convivência entre os donos de terras e os Kaiowá, o que tiraria a tensão do conflito. Barroso afirmou que os índios estão isolados, sem nenhum atendimento por parte do Estado e que precisam de serviços básicos de educação e saúde. A falta da assistência necessária, completou ela, tem estimulado a prática de suicídio, já comum entre eles.
Maria Rita Kehl também citou o caso dos desaparecidos mortos pela Polícia Militar em São Paulo durante conflitos com o Primeiro Comando da Capital (PCC), em 2006. Na ocasião, disse ela, foram mortos mais de 500 jovens, o que é mais do que todos os militantes de esquerda que morreram na ditadura.
"Não só há um número enorme de jovens assassinado pela polícia, como de desaparecidos. Os pais e mães desses jovens não conseguem encontrar os corpos de seus filhos, porque eles também são ameaçados", ressaltou.
As mães desses jovens ficaram conhecidas como Mães de Maio. Capiberibe também vai encaminhar esses casos para o ministro da Justiça e agendar audiências públicas para o início de 2014 sobre o caso dos Kaiowá e para ouvir as Mães de Maio.
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