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Ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva morre aos 66 anos em SP

Roberto Oliveira

Do UOL, em São Paulo

03/02/2017 19h31Atualizada em 03/02/2017 21h47

A ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, 66, teve morte confirmada na noite desta sexta-feira (03). Após realizarem exames protocolares pela manhã, os médicos submeteram a mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma bateria derradeira que comprovou a morte, conforme boletim médico divulgado e assinado pelos médicos Antonio Antonietto e Miguel Srougi.

"O óbito da Sra. Marisa Letícia Lula da Silva foi constatado às 18h57 desta sexta-feira (03/02)", diz o breve texto divulgado pelo hospital.

No início da noite, o padre Julio Lancelotti reuniu alguns amigos e familiares e deu a "unção dos enfermos" para dona Marisa.

Na quinta-feira, um doppler transcraniano já havia mostrado que dona Marisa não tinha mais fluxo cerebral. A partir de então, a família Lula da Silva autorizou o início dos procedimentos para a doação de órgãos. Os exames finais, porém, eram necessários para seguir o protocolo internacional.

Às 15h30 de ontem, equipes da OPO (Organização de Procura de Órgãos) e do Sírio Libanês já tinham avaliado quais órgãos estariam em condições de serem transplantados. Na noite desta sexta, a Secretaria Estadual de Saúde confirmou que serão doados rins, fígado e as córneas. O procedimento de extração deve ter início à meia-noite. Depois, os órgãos serão encaminhados aos hospitais onde estão os receptores, não divulgados.

O corpo da ex-primeira-dama será velado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo, onde ela e Lula se conheceram. O funeral será aberto ao público e realizado entre as 9h e as 15h deste sábado (4). Em seguida, o corpo será cremado no Jardim da Colina, também na cidade do ABC paulista, em cerimônia privada.

Marisa Letícia foi internada em estado grave no hospital Sírio-Libanês no dia 24 de janeiro, após sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral) hemorrágico. Ela chegou a apresentar uma ligeira melhora na terça-feira (31), e a sedação começou a ser reduzida. Como ela não reagiu bem, voltou a ser sedada, mas piorou na quarta-feira.

O ex-presidente Lula ficou ao lado da mulher durante quase todo o período de internação, deixando o hospital apenas por algumas horas diárias. Segundo relatos de políticos e amigos que o visitaram, o petista tem oscilado momentos de profunda tristeza e de serenidade e passou frequentemente pela UTI onde a mulher estava.

Entre os políticos que estiveram no Sírio Libanês para prestar condolências à família, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e José Sarney (PMDB), além do atual presidente Michel Temer (PMDB). Lula ainda recebeu visitas de deputados, vereadores, senadores, governadores, artistas e outros diversos amigos da família. Militantes petistas também acompanharam o período de internação e fizeram novenas em frente ao hospital pela vida de dona Marisa.

Origem humilde

Filha de agricultores de ascendência italiana, Marisa nasceu em uma casa de pau-a-pique, no bairro dos Casa, sobrenome de seu avô, que tinha um sítio no interior de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

Lula e Marisa, nos anos 1970 - Reprodução/Fundação Perseu Abramo - Reprodução/Fundação Perseu Abramo
Lula e Marisa, nos anos 1970
Imagem: Reprodução/Fundação Perseu Abramo

Ainda criança, mudou com a família para o centro da cidade e aos 13 anos passou a trabalhar embalando bombons Alpino na fábrica de chocolates Dulcora. Aos nove, havia sido babá das sobrinhas do pintor Candido Portinari.

Deixou o emprego para casar, aos 19 anos. Seis meses depois, o marido, taxista, foi assassinado a tiros em uma tentativa de assalto, deixando a jovem viúva grávida de quatro meses do seu primeiro filho, Marcos.

Ela conheceu Lula, também viúvo, em 1973, no Sindicato dos Metalúrgicos da cidade. Ele trabalhava no Serviço de Assistência Social do sindicato quando Marisa foi buscar um carimbo para recolher a sua pensão como viúva. Os dois começaram a namorar e casaram-se menos de um ano depois.

Marisa acompanhou Lula desde o início de sua vida política, durante as greves de operários no ABC paulista no fim dos anos 1970 – ele tornou-se presidente do sindicato um ano depois do casamento, em 1975.

Ela foi a responsável por costurar a primeira bandeira do Partido dos Trabalhadores. "Eu tinha um tecido vermelho, italiano, um recorte guardado há muito tempo. Costurei a estrela branca no fundo vermelho. Ficou lindo." Na época, estampava camisetas com a estrela símbolo da sigla para arrecadar fundos para o partido e chegou a cadastrar as pessoas na rua, buscando convencê-las da importância de montar um partido dos trabalhadores.

Em 1980, em plena ditadura, quando Lula e diversos sindicalistas foram detidos no Dops (Departamento de Ordem Política e Social) devido às greves, liderou uma marcha só com mulheres em protesto pelas prisões políticas. “Hoje parece loucura. Fizemos uma passeata das mulheres em 1980, quando os dirigentes sindicais estavam presos. Encheu de polícia.

Os homens queriam dar apoio, mas dissemos não. Fizemos só com as mulheres, eu de mãos dadas com meus filhos à frente”, lembra em entrevista à Fundação Perseu Abramo, em 2002.

Em 1º de janeiro de 2003, tornou-se primeira-dama após o marido concorrer à Presidência quatro vezes, em 1989, 1994 e 1998.  Passou a aparecer mais em palanques ao lado de Lula durante a campanha de 2002.

A trajetória de uma ex-primeira-dama

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Junto com o crescimento do PT, Marisa passou por um processo de mudança, sob a orientação do publicitário Duda Mendonça. Ganhou um guarda-roupa novo, em que terninhos ganharam espaço, e um corte de cabelo mais curto.

Enquanto ocupou o Palácio da Alvorada, adotou um comportamento discreto. Uma vez ao ano, organizava festas juninas na Granja do Torto, de propriedade da Presidência, quando participava das danças de quadrilha ao lado do ex-presidente.

Causou polêmica ao ordenar que fossem plantados canteiros de flores vermelhas, em formato de estrela, nos jardins do Palácio da Alvorada e da Granja do Torto.

Nascida Marisa Letícia Casa, assumiu o sobrenome Silva ao se casar com Lula. Quando o ex-presidente incorporou o apelido a sua assinatura, passou também a assinar Marisa Letícia Lula da Silva. Para o ex-presidente, no entanto, a mulher era apenas “galega”, apelido pelo qual a chamava desde que começaram a namorar, nos anos 1970.

Costumava dizer que foi pai e mãe dos filhos, a quem se dedicou enquanto o marido avançava na vida pública. Cuidava sozinha do apartamento em que a família vivia em São Bernardo.

“É ela quem manda. E ele obedece. Dona Marisa se dedica a Lula e à família inteira. É o alicerce de Lula”, definiu o cardiologista e amigo da família, Roberto Kalil, médico de Lula há 30 anos, em entrevista ao jornal O Globo em 2011, quando o ex-presidente teve a cabeça raspada pela mulher durante o tratamento de câncer contra a laringe a que se submeteu.

Lava Jato

Dona Marisa era ré em uma ação penal, junto com o marido, na Operação Lava Jato. Eles respondem pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em contratos firmados entre a Petrobras e a Odebrecht.

Segundo o Ministério Público, Lula recebeu propina da empreiteira Odebrecht por intermédio do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que também virou réu na ação, ao lado do empreiteiro Marcelo Odebrecht, e outras cinco pessoas.

De acordo com a investigação, o dinheiro foi usado para comprar um terreno, que seria usado para a construção de uma sede do Instituto Lula (R$ 12,4 milhões), e um apartamento em frente ao que mora em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo (R$ 504 mil).

A defesa de Lula informou que o ex-presidente aluga o apartamento vizinho ao seu. Além disso, acrescentou que o Instituto Lula funciona no mesmo local há anos e que o petista nunca foi proprietário do terreno em questão.

Segundo os advogados do ex-presidente, a transação seria um "delírio acusatório".