Bolsonaro vê fim do foro como uma porta de saída do inferno
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Após demonizar o Supremo Tribunal Federal durante os quatro anos de sua Presidência, Bolsonaro enxerga a primeira instância do Judiciário como uma porta de saída do inferno. Convertido em réu, roga aos céus para virar um sem-foro.
Além da anistia, Bolsonaro quer aprovar no Congresso projeto que retire do alcance do Supremo um ex-presidente da República processado por atentar contra a democracia. Sonha com a primeira instância por uma razão singela. Ali, servindo-se do cipoal de recursos previstos na legislação, réus com bolso para pagar bons advogados podem recorrem em liberdade até o infinito. Ou até prescrição dos crimes. Vale o que chegar primeiro.
Em desespero terminal —ou criminal—, Bolsonaro fez sua falange legislativa ressuscitar um debate que nasceu no Congresso sob um ambiente de "suruba". Corria o ano de 2016. Executivos da antiga Odebrecht haviam celebrado um acordo de colaboração judicial. Seria a "delação do fim do mundo".
De repente, a corrupção foi jogada no ventilador como uma farofa feita com farinhas de um mesmo saco suprapartidário. Políticos encrencados incomodaram-se com acenos que vinham do Supremo. Cogitava-se restringir o privilégio do foro.
Em abril de 2017, num movimento cenográfico, o Senado aprovou em votação simbólica projeto que acabou com o foro privilegiado para 35 mil autoridades. Excetuando-se os presidentes de Poderes, todos perderiam o privilégio de ser investigados e processados na Suprema Corte.
O então senador Romero Jucá, líder de todos os governos desde a chegada das caravelas portuguesas, definira a iniciativa meses antes da aprovação: "Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada."
Nessa época, políticos pendurados nas manchetes de ponta-cabeça tinham horror à primeira instância. A voz de Jucá havia soado em conversa vadia captada pelo grampo de um delator. Defendia um grande acordo nacional para abafar investigações. Um acordo "com o Supremo, com tudo."
O passar do tempo e as perversões da Lava Jato fizeram do Apocalipse uma antiapoteose. Hoje, corruptos de todas as ideologias enxergam o Supremo como um armazém de secos & molhados. Fornece material para o conserto de rachadonas e rachadinhas. Anula provas, cancela sentenças, restaura biografias, reduz multas...
Simultaneamente, o Supremo serve à gangue do golpe o pão que o Tinhoso amassou. Na contramão de Jucá, Bolsonaro e os golpistas do alto-comando ambicionam um novo grande acordo. Com a anistia, com primeira instância, com tudo.
Na sua versão cenográfica, o fim do foro privilegiado para 35 mil autoridades passou no Senado, há oito anos, em votação simbólica. Não houve contestações. Estava entendido que a proposta seria retida na Câmara. Ressurge agora, reformatada com o propósito de beneficiar Bolsonaro.
Em 2018, impulsionado por um lavajatismo que transformou o antipetismo na maior força política do país, Bolsonaro retirou a direita do armário. Desmoralizou-a durante os quatro anos de sua Presidência. Hoje, reduzido à condição de réu inelegível, o capitão rala para reorganizar a suruba.
17 comentários
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Mauro César de Pádua
Dá engulhos ainda ter pessoas que defendem bolsonaro , homenzinho!
Genevaldo Ferreira
A desordem institucional no Judiciário — ou o Judiciário na desordem institucional, escolha o leitor — começou com Moro, Deltan e cia. na Lava Jato, quando se trocou o devido processo legal por um espetáculo judicial seletivo e politizado. A erosão do sistema começou ali, disfarçada de cruzada anticorrupção. Hoje, Bolsonaro colhe os frutos desse ambiente distorcido, mas não pode escapar ileso. Sua tentativa de golpe de Estado e o sequestro emocional de milhões de brasileiros mergulhados em delírios autoritários exigem uma resposta firme e exemplar. A democracia não sobrevive sem responsabilização, e a Justiça não pode mais hesitar. Que a força da lei recaia sobre ele com o peso que a gravidade dos crimes exige.
Jose Carlos Caldas da Silva
Acho no mínimo tedioso todo esse ritual rocambulesco do STF que tenta impor a impressão de que começaremos a experimentar a moralização do PRIMEIRO ESCALÃO da política brasileira. Depois do espetáculo tragicômico que culminou com a descondenação de Lula e outros réus confesso tudo soa como engodo.