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Funcionários sem concurso dominam secretarias e estatais do governo de São Paulo

Órgãos chegam a contar com 100% de funcionários sem vínculo com o governo - Arte/UOL
Órgãos chegam a contar com 100% de funcionários sem vínculo com o governo Imagem: Arte/UOL

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

25/03/2017 04h00

Funcionários em cargos de confiança são maioria em 8 de 24 secretarias e em 13 de 63 órgãos do governo de São Paulo, comandado por Geraldo Alckmin (PSDB). A proporção é considerada exagerada por especialistas, que criticam a situação, mas o governo alega que, no geral, emprega um percentual reduzido de comissionados.

Os ocupantes de cargos de confiança são conhecidos como funcionários comissionados e indicados politicamente. Eles podem ser servidores concursados para outros cargos ou podem vir de fora da máquina pública e não ter vínculo empregatício com o Estado. Quando são servidores, eles passam a receber um acréscimo em relação ao salário original.

A legislação só permite o emprego de funcionários em comissão para preencher cargos de diretoria, chefia e de assessoramento superior.

Energia tem 97% de funcionários em cargos de confiança

Nas secretarias, a de Energia e Mineração é a que possui a maior proporção de comissionados. Estão nessa situação 34 dos 35 funcionários, o que representa 97% do quadro. Trinta deles vieram de fora da máquina pública.

Na Secretaria de Turismo, 52 dos 71 funcionários são comissionados, o equivalente a 73% do pessoal. Na Secretaria de Direitos da Pessoa com Deficiência, os ocupantes de cargos de confiança representam 72%: são 43 do total de 60.

Os comissionados também são maioria nas secretarias de Saneamento e Recursos Hídricos, da Cultura, de Desenvolvimento Social, da Habitação e de Emprego e Relações de Trabalho.

Até mesmo na Unidade Central de Recursos Humanos, vinculada à Secretaria de Planejamento e Gestão e responsável pela gestão de recursos humanos do governo, os comissionados dominam o quadro. Dos 43 funcionários da unidade, 34 ocupam cargos de confiança, o que representa 79%.

Oito órgãos têm 100% de comissionados

Nas empresas de capital misto, autarquias e fundações vinculadas ao governo estadual, há nove órgãos em que todos os funcionários são comissionados. Isso acontece na Agem (Agência Metropolitana da Baixada Santista), na Agemcamp (Agência Metropolitana de Campinas), na Artesp (Agência Reguladora de Transportes), na Companhia Paulista de Securitização, na CPP (Companhia Paulista de Parcerias), no Ipesp (Instituto de Pagamentos Especiais), na Junta Comercial e na SP-Prevcom (Fundação de Previdência Complementar do Estado de São Paulo).
 
A Companhia Paulista de Eventos e Turismo, apesar de extinta, aparece na mesma situação. Estes órgãos empregam 407 funcionários. O maior deles é a Junta Comercial, que possui 179 funcionários.
 

Os funcionários de confiança também são maioria na Fundação Parque Zoológico, no DER (Departamento de Estradas e Rodagem); no Daesp (Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo) e até na extinta Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades.

 
As estatísticas fazem parte de um levantamento feito pela AEPPSP (Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo). O estudo compilou dados de dezembro de 2016 e de março de 2017 publicados no “Portal da Transparência” do governo estadual e na página “Prestando Contas”, da Secretaria da Fazenda, além de informações do "Diário Oficial".
 

Alto número de comissionados pode indicar algo errado, diz estudioso

Segundo o professor Antonio Isidro, coordenador do mestrado profissional em administração pública da Universidade de Brasília (UnB), “os cargos comissionados são utilizados como medida extrema de composição da força de trabalho quando os cargos efetivos e suas respectivas carreiras não se encontram devidamente regulamentados no setor público”.

Se as carreiras estão regulamentadas, o problema pode ser a falta de concursos públicos. No caso da Artesp, por exemplo, o primeiro concurso será realizado somente agora, depois de 15 anos de fundação da agência reguladora. São, de acordo com o governo, 161 vagas com salários que variam de R$ 2.777 a R$ 10.285.

Isidro diz que funcionários indicados politicamente e sem vínculo empregatício com a administração pública têm uma tendência maior a se omitir mais diante de irregularidades. “O ocupante de cargo em comissão que não tenha vínculo com a administração pública pode se deparar com situações de conflito moral, ético e técnico e não se perceber empoderado pelo princípio do dever público em dizer 'não' para atos de desvios, seja por medo de perder o emprego ou sofrer represálias de seus superiores e colegas de trabalho.”

Além disso, o professor afirma que o “padrão aceitável de cargos de assessoria e gestão [aqueles que podem ser destinados a funcionários comissionados] não ultrapassaria 30% da força de trabalho de uma organização pública”. Ele frisa que propostas que tramitam no Congresso estabelecem um teto ainda mais baixo, de 20%, para os cargos comissionados.

O professor Carlos Ari Sundfeld, da Escola de Direito de São Paulo da FGV (Fundação Getúlio Vargas), afirma que os altos índices de cargos de confiança em secretarias podem ser sinal de que nem todos eles estão exercendo funções de diretoria, chefia e de assessoramento superior, como prevê a legislação. “O percentual muito elevado de cargos comissionados em relação ao total pode indicar algum desvio, isto é, haver cargos comissionados que não são de fato para essas funções.”

“Acontece uma banalização na criação desses cargos"

O professor Mamede Said Maia Filho, professor da Faculdade de Direito da UnB, reprova o emprego de comissionados em proporções elevadas. “São medidas matreiras para alcançar de forma mascarada propósitos indevidos como remunerar acima da média e não se submeter à exigência de concurso público.”

Sundfeld lembra que o quadro de cargos e a proporção de comissionados nas secretarias e autarquias são definidos em lei. No caso das empresas estatais, diz o professor da FGV, cabe a cada diretoria definir a composição, embora a orientação constitucional seja a realização de concursos públicos.

“Acontece uma banalização na criação desses cargos, gerados de forma indiscriminada. É inconcebível haver um órgão só com cargos comissionados. Não se justifica. É uma deturpação de política de pessoal, uma completa distorção”, critica Said Maia Filho.

Associação vê "afronta à Constituição e ao interesse público"

Para a AEPPSP, o emprego de comissionados é “indispensável à boa gestão pública porque possibilita orientar as ações governamentais a partir das metas e prioridades democraticamente eleitas pelos cidadãos”. “O que é perniciosa é a má utilização deste dispositivo. Uma grande quantidade de cargos em comissão pode representar aparelhamento político e velhas práticas como o patrimonialismo.”

De acordo com a associação, há riscos mesmo com quando o comissionado foi deslocado de um cargo concursado. “O servidor que em seu cargo efetivo recebe remuneração baixíssima e passa a depender financeiramente da remuneração do cargo comissionado, na prática, fica muito mais fragilizado e suscetível a receber pressões políticas”, afirma a entidade em nota.

“Essa situação de alguns órgãos ou áreas, compostos exclusiva ou preponderantemente por funcionários comissionados, representa uma afronta à Constituição e ao interesse público. Além de prejudicar a continuidade das políticas públicas por diferentes gestões, implicam decisões cujo caráter técnico acaba subjugado pela orientação política”, diz a entidade.

A associação defende a realização de concursos públicos para o preenchimento de vagas e a reposição inflacionária dos salários dos servidores. Além disso, propõe a criação de mecanismos de seleção para o preenchimento de cargos comissionados.

Segundo o professor Sundfeld, cabe ao Ministério Público investigar suspeitas de irregularidades na contratação de funcionários de confiança. Além disso, diz ele, o Tribunal de Contas do Estado tem o dever de apreciar os atos de admissão de pessoal. Em caso de decisão desfavorável ao governo, a administração é obrigada a fazer as correções exigidas. De acordo com Said Maia Filho, os gestores também ficam sujeitos a punições por improbidade administrativa.

Governo diz que comissionados representam parcela pequena

Procurada pelo UOL, a Secretaria de Planejamento e Gestão afirma que “os cargos sem vínculo permanente [com o governo] representam 1% do total do funcionalismo (645 mil servidores ativos)”. Isso equivaleria a 6.500 funcionários. A referência, segundo a pasta, é o mês de janeiro.

O levantamento da AEPPSP mostra um resultado diferente, que é de 10.777 sem vínculo com o governo, excluídas do cálculo as universidades e as polícias. Somados aos comissionados com vínculo, os funcionários de confiança chegariam a pelo menos 27.204 na administração tucana, de acordo com o estudo.

Atendo-se novamente aos funcionários sem vínculo empregatício com o governo, a Secretaria de Planejamento diz que a remuneração fixa deles em janeiro foi de R$ 31 milhões. “Se compararmos ao total da folha de pagamento do Executivo (R$ 5,2 bilhões), significa 0,6%”, acrescenta a pasta por meio de nota.

A secretaria também afirma que “neste momento de crise, o surgimento de novas vagas é criteriosamente avaliado para que o governo continue garantindo a saúde fiscal do Estado”. “Desde janeiro, já foram autorizadas 9.888 vagas para concursos no Estado de São Paulo. As áreas mais estratégicas para autorização de vagas são Educação, Segurança e Saúde.”

Além disso, a gestão Alckmin diz manter as contas públicas em equilíbrio. “O governo do Estado de São Paulo tem feito a lição de casa, equilibrou gastos e receitas, cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal, teve superavit primário em 2016 e mantém o pagamento de funcionários e fornecedores em dia, diferentemente do que ocorre em outros Estados”, diz a nota da Secretaria de Planejamento.

“Nos últimos anos, o governo tem adotado medidas para aprimorar a gestão, com a otimização das verbas de custeio, a revisão de contratos e a extinção de 3.723 cargos vagos, medidas que resultaram numa economia de R$ 1,9 bilhão aos cofres públicos. A eventual adoção de novas medidas será avaliada de acordo com as necessidades da gestão e a realidade econômica nacional.”