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Presidente da Comissão de Ética admite demora em investigações e sugere diferenciar penas

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Comissão de Ética pode investigar Yunes, amigo de Temer preso na Operação Skala
Imagem: Zanone Fraissat/FOLHAPRESS

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

08/04/2018 04h00

Recém-empossado como presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Luiz Navarro, defendeu uma nova escala de penas para investigados e questionou a demora em investigar autoridades que já até deixaram o cargo.

Segundo Navarro disse em entrevista ao UOL, não se pode julgar nem punir com o mesmo peso uma autoridade que infringiu conduta ética de menor relevância e outra que cometeu atos de corrupção e uso indevido do cargo, por exemplo. Para tanto, defende a criação de maior gradação entre as penas existentes.

Atualmente, são três as punições previstas pela comissão: advertência simples e advertência com recomendação de demissão para quem está no cargo federal, além de censura ética para quem já se afastou da função. Outra ação que tem sido tomada pela comissão é a da recomendação para casos de menor gravidade. Quaisquer mudanças teriam de ser aprovadas pelo Congresso Nacional.

Na entrevista, concedida ao UOL na última segunda-feira (2), Navarro também debateu sobre a eficácia de processos abertos contra ex-autoridades afastadas há anos do cargo. Para ele, não há muita razão em se punir alguém que saiu da função e já responde por irregularidades também na Justiça. Ainda segundo Navarro, a repercussão do resultado desses casos depende da importância da autoridade. Ou seja, em geral, os efeitos práticos na carreira dos investigados são quase nulos, ao seu ver.

Criada em 1999, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a Comissão de Ética Pública analisa a conduta ética de membros da alta administração federal – com exceção do presidente e vice-presidente da República – a partir de denúncias anônimas, representações parlamentares e notícias veiculadas pela imprensa. Nenhum dos membros da comissão recebe remuneração pela atividade.

O colegiado é responsável por orientar autoridades sobre situações de conflito de interesses, atuar como instância consultiva de ética pública por parte do presidente da República e de ministros de Estado, impor quarentena em exonerações com informação privilegiada e punir condutas éticas irregulares.
Eleito por unanimidade, Luiz Navarro tomou posse como presidente da comissão em 12 de março deste ano, sucedendo o advogado Mauro Menezes, que assumiu em março de 2016. O atual presidente foi indicado à comissão em maio de 2016 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), pouco antes desta sofrer o impeachment.

Antes de compor o colegiado, por três meses, foi ministro da Controladoria-Geral da União – atual Ministério da Transparência. Navarro já tinha trabalhado por cerca de 10 anos na pasta e chegou a ser secretário-executivo entre 2006 e 2013. Natural de Salvador, na Bahia, é formado em direito e pós-graduado em direito e Estado pela UnB (Universidade de Brasília). É também consultor legislativo do Senado Federal.

Leia os principais trechos da entrevista de Luiz Navarro ao UOL:

UOL – Como o senhor espera contribuir para a Comissão de Ética Pública da Presidência? Quais as suas metas?

Luiz Navarro - Acho que a maior contribuição que não só eu como a Comissão de Ética como um todo pode dar é no aspecto preventivo, porque hoje em dia, quando nos chega uma denúncia grave, já foi encaminhada para o Ministério Público, Ministério da Transparência, Tribunal de Contas da União, Polícia Federal. Ou seja, nesse caso seríamos só mais um ator. Já na nossa fase preventiva e que se dirige às altas autoridades temos condições de fazer trabalho mais importante do ponto de vista de que se antecipa e, segundo, que não é cuidado muitas vezes por esses órgãos. No que se refere a conflito de interesses, quando uma alta autoridade assume um cargo, é importante que ela consiga descrever toda sua situação patrimonial, familiar para que a gente possa verificar se ali não pode haver alguma situação de conflito de interesse e evitá-la. Se comprometer, por exemplo, a não administrar seus bens enquanto no cargo, a não atuar em processo de familiares ou de consultorias e escritórios em que participava antes.

Atualmente, a punição mais severa para algum investigado da comissão é a advertência com recomendação de demissão ao presidente da República. No entanto, no passado recente, não se teve tal recomendação. Por quê?

O que acontece também que a gente não presta atenção às vezes é que algumas autoridades são exoneradas ou demitidas antes de serem julgadas na Comissão de Ética. Então, na hora que chega, não tem como recomendar mais a demissão porque ela já foi efetivada. Talvez por isso não haja a incidência de tantos casos. Porque, quando o caso é grave, dificilmente a autoridade consegue se manter no cargo. O fato de a imprensa dar bastante destaque ao caso dificulta muito a pessoa se manter no cargo. Aí quando vamos julgar, o que demora de um a três meses, realmente não há mais como aplicar essa penalidade.

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Comissão de Ética Pública aplicou censura ética ao ex-ministro Geddel Vieira Lima quando ele já estava fora do cargo
Imagem: Ueslei Marcelino - 22.nov.2016/Reuters

A punição mais severa aplicada tem sido uma sanção ética, o que equivale a uma mancha no currículo. Quando um ex-ministro investigado recebe essa sanção, não tem efeito prático. O que pode ser feito para mudar essa situação?

Acho que nunca deverá ser o caso de a Comissão de Ética demitir quem quer que seja nem aplicar multa ou muito menos pena privativa de liberdade. Mas acho que algumas coisas deveriam ser feitas. Primeiro, acho que deveria ter uma gradação das penalidades. Nem todos os fatos que nos chegam, seja por denúncia, seja por notícia de imprensa, têm a mesma gravidade, evidentemente. Às vezes, eu me descuidei, postei [nas redes sociais] uma coisa que não é tão ofensiva assim ou tive uma discussão no trabalho, me referi de uma forma deselegante aos servidores.
É muito diferente dos fatos que têm ocorrido aí de corrupção, uso [indevido] do cargo. Creio que não deveriam ter a mesma proporcionalidade. Não têm a mesma proporcionalidade. Portanto, não deveriam ter a mesma punição. Agora, outro aspecto que temos de levar em consideração é de que essa censura para quem já saiu do cargo não é muito eficaz. Dependendo da autoridade, se foi importante e ficou muitos anos no cargo, a imprensa vai dar algum destaque. Mas, se não for, apesar de a gente publicar todas as decisões, acaba não interessando muito a imprensa então não tem grande repercussão e publicidade. Acho que há alguns casos – e não tenho a solução para isso, a solução tinha que ser legislativa – de pessoas que já passaram pelo cargo há muito tempo, de fato que remete há anos e anos atrás, de fato sendo processado criminalmente, de pessoa até condenada, não sei se tem muito sentido a comissão de ética [analisar] 10, 20 anos depois....creio que essas mudanças nas penalidades e na forma de aplicá-las só poderiam ser feitas por lei, teriam de passar pelo Congresso. Por exemplo, se fosse criar uma prescrição.

Navarro: penas mais graves têm que ser diferenciadas

UOL Notícias

Como se diferenciaria na comissão esses casos mais brandos com casos que envolvem a operação Lava Jato?

Acho que a gente usaria critérios muito semelhantes ao da própria legislação penal e criminal. Não pune de forma igual quem furta uma carteira e quem assalta a mão armada nem de quem mata para roubar. Teríamos de ter essa ponderação de fazer essa distinção. É um instrumento que não temos hoje.

Há autoridades que não têm publicado as agendas diárias conforme estipulado pela comissão, com detalhamento de pessoas recebidas e os assuntos tratados. Como cobrar na prática essa divulgação? O que falta para que essa ação se torne uma prática corriqueira?

Nós vamos cobrar. A forma como pretendemos trabalhar é de fato lembrando a autoridade de que não está cumprindo a resolução e o instrumento que nós temos, se a prática for reiterada, é a instauração de processo ético. 

O senhor acha que a comissão deveria ter a prerrogativa de instaurar processo contra o presidente da República?

Acho muito difícil porque se a própria Constituição não permite processo contra o presidente quando no cargo, a não ser por crimes de responsabilidade praticados no cargo, pensar que a comissão [possa] é uma situação extremamente constrangedora um presidente receber um processo ético. Inclusive, porque ele não pode nem ser demitido. Não temos essa pretensão e acho difícil que isso ocorra. Não significa que não tenha de prevenir conflitos éticos e seguir a orientação ética, mas acho difícil o processo [de se analisar a conduta de um presidente].

O senhor defende que nomes de indicados a ministérios e outros cargos do primeiro escalão sejam submetidos à aprovação prévia da Comissão de Ética?

O que nós fazemos é uma análise à luz do conflito de interesse. Não é prévia, esse é que o problema. É a posteriori. Não é propriamente uma questão de você aprovar o nome do ministro. Para mim, é uma prerrogativa do presidente da República. É uma questão de a gente dizer o seguinte: “Não assuma o cargo antes de resolver todos os seus eventuais conflitos de interesse. Até que tenha afastado qualquer possibilidade, aguarda para tomar posse”. Se a pessoa tem má reputação ou tem boa reputação...acho que aí a gente já cai num subjetivismo muito complicado.

Por exemplo, no caso da deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) ao Ministério do Trabalho. Se houvesse uma avaliação prévia e fossem constatados os processos trabalhistas contra ela, não se poderia ter evitado um constrangimento ao próprio governo?

No caso dela, não é de conflito de interesse. A questão é se pega bem ter alguém no Ministério do Trabalho que teve alguma ação trabalhista. Às vezes depende também da ação trabalhista, né? Umas são mais graves que outras. Nosso papel maior não é moralmente julgar as pessoas. Esse papel é da sociedade e da imprensa. Nosso papel é evitar que no cargo a pessoa possa beneficiar alguém ou revelar informação privilegiada.

cristiane brasil - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
"Nosso papel não é moralmente julgar as pessoas", diz Navarro sobre Cristiane Brasil
Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Por vezes, a comissão depende de áudios e documentos fornecidos pelo Supremo para avançar nas investigações. Aconteceu com o ex-ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira (PRB) em que tiveram de pedir o acesso ao Supremo, por exemplo. Como contornar essa situação?

Nós não temos poder investigativo nem meios. Não interceptamos ninguém, é muito difícil para nós produzir a prova. Se não contarmos com a colaboração do STF, como contou nesse caso, e de outras instituições, é muito difícil para a gente. Nossa decisão não se pauta só juridicamente. A gente olha o aspecto ético. Não tem tanta necessidade de esgotar a prova. Mas há casos em que não conseguimos resolver sem as investigações e aos autos em si. É ruim para a comissão porque se formos esperar o resultado final da Justiça para poder ter acesso aos autos, cai na aplicação tardia da penalidade que não faz mais tanto sentido.

Quais os desafios da comissão em um ano eleitoral? Como monitorar constantemente o uso de aviões da FAB e atos oficiais para que não se tornem palanques?

Espero que os ânimos se arrefeçam um pouco né? Veja que a gente não vai cuidar de quem é candidato, pois quem é candidato terá de ter saído do cargo pela questão da descompatibilização. Nosso maior cuidado é orientar as autoridades no cargo sobre o que podem ou não fazer. Não podem fazer campanha em horário de trabalho, utilizar meios públicos para fazer campanha. Infelizmente, se ocorrer algum caso que configure falta ética, vamos ter de aplicá-la [penalidade] independentemente do que a Justiça eleitoral vai fazer. É sempre um período em que surgem situações recorrentes desse tipo de denúncia de que usou isso ou aquilo, o carro oficial, passagens aéreas, avião da Força Aérea Brasileira. A gente espera que as pessoas estejam mais informadas. Gostaríamos de não ter tantas denúncias. O próprio clima de disputa faz com que o número de representações cresça.

Em um ano tão dividido politicamente, como evitar uma politização da comissão nas eleições?

É muito difícil evitar que as pessoas façam isso, porque o simples fato de a pessoa anunciar que vai até a comissão tratar daquele assunto às vezes já pode representar algum ganho eleitoral. O que nós podemos fazer é nós termos total imparcialidade. Isso cabe a nós. A gente não ficar provocando, a gente decidir o mais rápido possível.

Na semana passada, houve a operação Skala, que chegou a prender amigos do presidente Temer, incluindo um ex-assessor especial dele, o José Yunes. Este pediu demissão em dezembro de 2016 após ser citado em delação da Odebrecht. A Comissão de Ética poderá abrir processo para apurar a conduta dele enquanto assessor especial?

Pode. Toda vez que este tipo de operação acontece, a nossa secretaria-executiva faz uma análise para ver se no caso existem pessoas que se submetem ao Código de Ética da Alta Administração. A comissão então decide se instaura o processo ou não. Havendo elementos, normalmente a comissão tem aberto o processo.