Na COP, Lula cobra países ricos, prega união por clima e critica Bolsonaro
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), usou seu discurso hoje na COP27, a conferência climática da ONU (Organização das Nações Unidas), para pregar uma união global em torno das questões climáticas, cobrar os "países ricos" por suas promessas de contribuição na causa e criticar a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre o tema, marcando uma contraposição com seu futuro governo.
A uma plateia repleta de aliados, Lula afirmou que o mundo tem "pressa" para que o Brasil volte a participar de negociações sobre o futuro do planeta e referendou algumas promessas de campanha, como desmatamento zero na Amazônia e estímulo ao desenvolvimento sustentável no Brasil, em comunhão com o agronegócio.
Este é o primeiro discurso internacional de Lula desde que foi eleito, no final de outubro, e durou cerca de 30 minutos. Na manhã de hoje, ele já havia falado após um encontro com governadores da Amazônia, mas o posicionamento atual era esperado por lideranças do mundo todo dado o papel central que o país ocupa na proteção à maior floresta tropical do mundo.
Eleito, o petista foi convidado do presidente do Egito, Abdel Fattah El Sisi, que organiza a conferência. Bolsonaro decidiu não participar.
De volta ao debate. Lula focou grande parte do seu discurso a marcar um posicionamento divergente de Bolsonaro em relação às questões climáticas e prometer que o Brasil voltará a participar ativamente dos debates sobre o tema.
Este convite, feito a um presidente recém-eleito antes mesmo de sua posse, é o reconhecimento de que o mundo tem pressa de ver o Brasil participando novamente das discussões sobre o futuro do planeta e de todos os seres que nele habitam."
Lula, na COP27
Durante seu discurso, Lula também afirmou que o mundo vive "crises múltiplas", como a crise energética, o aumento da desigualdade e, em sua avaliação, o risco de uma guerra nuclear iminente. "Mas foi nos momentos de crise que a sociedade encontrou força", afirmou.
"Estou hoje aqui para dizer que o Brasil está pronto para se juntar novamente aos esforços para a construção de um planeta mais saudável. De um mundo mais justo, capaz de acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes - e não apenas uma minoria privilegiada", acrescentou o presidente eleito.
União e cobrança. A fala foi voltada, em especial, a uma união global em torno do clima. Se, na eleição, o petista pregava que não havia "dois Brasis", na conferência disse também que não há dois planetas e que era preciso reunir as lideranças para trabalharem em conjunto.
Quero dizer agora que não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie, chamada humanidade, e não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desigualdades entre ricos e pobres. [...] É preciso tornar disponíveis recursos para que os países em desenvolvimento, em especial os mais pobres, possam enfrentar as consequências de um problema criado em grande medida pelos países mais ricos, mas que atinge de maneira desproporcional os mais vulneráveis."
O recado, no entanto, não foi totalmente passivo. Lula afirmou que retornou à Presidência para cobrar e cumprir o que governos anteriores prometeram em edições da COP dos últimos anos — um recado direto e nominal aos "países ricos".
"Eu preciso discutir com os países ricos algumas decisões que já foram tomadas em várias outras COPs, que não saem do papel e não são executadas. Nós precisamos ter clareza de que nós não podemos ficar prometendo e não cumprir. Porque, senão, seremos vítimas de nós mesmos", disse Lula.
Eu não sei quantos representantes de países ricos tem aqui, mas eu quero dizer que a minha volta foi para cobrar aqui que foi prometido na COP15. Em 2009, os países presentes à COP15, em Copenhague, comprometeram-se em mobilizar US$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, para ajudar os países menos desenvolvidos a enfrentarem a mudança climática."
Críticas a Bolsonaro. Em sua fala, Lula retomou o tom que usou durante toda a eleição. Sem poupar Bolsonaro, mas também sem citá-lo nominalmente, o presidente eleito destacou os recordes de desmatamento da atual gestão e prometeu novo rumo.
Infelizmente, desde 2019, o Brasil enfrenta um governo desastroso em todos os sentidos - no combate ao desemprego e às desigualdades, na luta contra a pobreza e a fome, no descaso com uma pandemia que matou 700 mil brasileiros, no desrespeito aos direitos humanos, na sua política externa que isolou o país do resto do mundo, e também na devastação do meio ambiente."
Ao falar sobre a disputa contra o atual presidente, disse que essa foi "uma das eleições mais decisivas da história" do Brasil. "Uma eleição observada com atenção inédita pelos demais países", declarou.
"Primeiro, porque ela poderia ajudar a conter o avanço da extrema-direita autoritária e antidemocrática e do negacionismo climático no mundo. E também porque do resultado da eleição no Brasil dependia não apenas a paz e o bem-estar do povo brasileiro, mas também a sobrevivência da Amazônia e, portanto, do nosso planeta", argumentou.
Combate a crimes "sem trégua". Ao comentar sobre sua equipe de governo que ficará responsável pela área do meio ambiente e mudanças climáticas, Lula disse ainda que seus indicados terão "o mais alto perfil na história" de suas gestões à frente da Presidência.
"Não há segurança climática sem Amazônia protegida", afirmou o petista, ao destacar que crimes como garimpo ilegal, extração irregular de madeira e grilagem de terras serão combatidos "sem trégua". "A devastação ficará no passado", emendou.
A postura de desmatamento zero é um contraponto direto à gestão Bolsonaro. Só em outubro, segundo dados preliminares de satélite do governo coletados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foram desmatados 903,86 km² na região amazônica, o maior nível para o mês desde que o rastreamento começou em 2015.
Lula também tem prometido aumentar o rigor contra madeireiros, garimpeiros, grileiros e agricultores que invadem terras preservadas ou desmatam ilegalmente. Um dos planos do novo governo é extinguir a câmara de conciliação ambiental, criada por Bolsonaro, responsável pela queda de mais de 46% nas multas aplicadas entre 2019 e 2020.
Os crimes ambientais, que cresceram de forma assustadora durante o governo que está chegando ao fim, serão agora combatidos sem trégua. Vamos fortalecer os órgãos de fiscalização e os sistemas de monitoramento, que foram desmantelados nos últimos quatro anos. Vamos punir com todo o rigor os responsáveis por qualquer atividade ilegal, seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida."
Aceno ao agronegócio. O presidente eleito também aproveitou seu discurso na COP27 para voltar a fazer acenos ao agronegócio. Segundo o petista, sua gestão terá como objetivo tornar esse setor da economia um "aliado estratégico".
Estou certo de que o agronegócio brasileiro será um aliado estratégico do nosso governo na busca por uma agricultura regenerativa e sustentável, com investimento em ciência, tecnologia e educação no campo, valorizando os conhecimentos dos povos originários e comunidades locais. No Brasil, há vários exemplos exitosos de agroflorestas."
COP na Amazônia em 2025. Horas mais cedo, Lula afirmou em seu primeiro evento público na COP27 que "o Brasil está de volta ao mundo" e que vai pedir para que a próxima edição da conferência climática da ONU, em 2025, seja na Amazônia.
A agenda foi um encontro do ex-presidente na cidade de Sharm El-Sheikh, no Egito, com o consórcio de governadores da Amazônia Legal, que entregou um documento ao petista com uma lista de propostas comuns para a transição climática na região, além da busca de cooperação e apoios financeiros internacionais.
O documento foi lido e entregue pelo governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). "O senhor tem autoridade para pedir que o Brasil seja a sede da COP", disse Barbalho.
"Pode ficar certo que nós vamos falar com o secretário-geral da ONU e vamos pedir para que a COP de 2025 seja feita no Brasil, e que seja na Amazônia", afirmou Lula ao acolher o pedido.
"Nós temos dois estados aptos para receber qualquer conferência internacional, que são o Amazonas e o Pará. E aí vocês vão discutir entre vocês quem tem mais a oferecer, do ponto de vista da infraestrutura para receber as milhares de pessoas que vão se dirigir ao estado", acrescentou o presidente eleito.
"O Brasil voltou." Com uma plateia repleta de aliados da comitiva brasileira, Lula jogou em casa. Sua entrada foi aplaudida de pé, ritual repetido por mais de uma vez durante a fala, em especial nos momentos em que pregou um movimento de rompimento em relação a Bolsonaro.
No meio do discurso, foi interrompido por gritos de "O Brasil voltou", puxado pelos aliados. Entre os maiores entusiastas estavam os governadores Fátima Bezerra (PT-RN) e Helder Barbalho (MDB-PA) e pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Jean Paul-Prates (PT-RN). Ao descer do palco, no final, foi disputado por selfies.
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