Investigado do kit robótica também vendeu remédios a prefeituras do centrão
Investigado pela PF (Polícia Federal) no esquema de superfaturamento de kits de robótica, Denilson de Araújo Silva, 51, também aparece como dono de outra empresa, a Star Medicamentos e Material Hospitalar Eireli, ou Star Med. A companhia faturou R$ 8,5 milhões em contratos emergenciais da pandemia com prefeituras de Pernambuco entre 2020 e 2022, segundo as investigações.
A Star Med consta do cadastro da Receita Federal como ativa e com capital de R$ 150 mil. Denilson Silva está registrado como único sócio. Só que o patrimônio dele não combina com o que seria o de um empresário com milhões de reais em contratos com entes públicos. Ele mora numa casa humilde na periferia de Maceió e dirige um Focus 2007, que nem no seu nome está. O que tem no nome dele é um Gol 1.0 2010.
Denilson também foi sócio de Roberta Lins da Costa Melo na Megalic. A empresa é suspeita de vender os kits de robótica superfaturados com dinheiro de emendas de políticos do centrão. Denilson ficou na sociedade até julho de 2017, quando saiu do quadro de sócios e foi substituído pelo marido de Roberta, Edmilson Leite Catunda Junior.
Segundo o relatório da PF sobre as investigações, ao qual o UOL teve acesso, o fato de Denilson "residir num endereço modesto" indica que, em vez de empresário, ele seria laranja do esquema. Policiais foram ao endereço dele no ano passado e confirmaram que ele mora lá com a esposa. E ela disse que, na verdade, ele trabalha como mecânico, reforçando os indícios de que ele seria o testa de ferro dos operadores das compras públicas superfaturadas.
De acordo com as investigações, a relação de Denilson com os demais acusados no esquema começou quando ele foi auxiliar de escritório em outra empresa de Edmilson Catunda, a 3JC Serviços - que está registrada no mesmo endereço que a Megalic.
Por sua relação com a Megalic e os demais suspeitos, Denilson foi alvo de busca e apreensão e também de um bloqueio de bens determinado pela Justiça Federal de Alagoas na Operação Hefesto, no valor total de R$ 8 milhões, contra todos os alvos. De acordo com a decisão, deverão ser bloqueados todos os bens de mais de R$ 100 mil de valor em poder dos acusados até que sejam atingidos os R$ 8 milhões.
Fundada em julho de 2020, no início da pandemia, a Star Med já começou suas atividades como fornecedora de diversas prefeituras de Pernambuco sem passar por licitação. Em 24 contratos fechados até 2022, a empresa vendeu medicamentos e equipamentos hospitalares para os municípios.
Entre os itens vendidos, estão máscaras de proteção, luvas, agulhas descartáveis, algodão, atadura e remédios, como antibióticos, antigripais, antialérgicos e até ivermectina e azitromicina - medicamentos que chegaram a ser usados contra a covid, mas que são ineficazes contra a doença.
Os maiores contratos foram com as prefeituras de Palmares, Xexéu, Ribeirão e Carpina. Juntos, esses municípios pagaram R$ 6,3 milhões à Star Med. "Alguns" desses contratos, segundo as investigações, foram assinados pelo procurador da empresa, Rodrigo Lins Costa Melo, que é irmão de uma sócia da Megalic, Roberta Lins Costa Melo. Para a PF, isso reforça o indício de que Denilson atuaria somente como laranja.
A sede da Star Med funciona em uma pequena casa com fachada "singela", na definição da Polícia Federal, em um município do interior de Pernambuco. A investigação identificou apenas dois funcionários ativos em seu quadro.
"Apesar de sua criação recente, fachada 'singela', capital social relativamente baixo, e o seu proprietário e procurador residirem em outro estado (AL), a STAR MEDICAMENTOS E MATERIAL HOSPITALAR EIRELI celebrou diversos contratos com prefeituras de PE, com valores expressivos", diz o relatório da investigação.
Centrão
A PF não avançou nas investigações sobre as atividades da Star Med. Mas a tabela anexada ao relatório das investigações dá algumas pistas.
Palmares, a cidade que mais fez repasses à Star Med, de R$ 2,6 milhões, tem um prefeito do PP, Júnior de Beto. Ele apoiou em 2022 a candidatura a deputado federal de Lula da Fonte (PP), eleito para seu primeiro mandato, e que é filho do veterano do centrão Dudu da Fonte (PP).
O prefeito afirmou, por meio de sua assessoria, que os serviços previstos nos contratos foram prestados e os materiais foram entregues.
Ribeirão, que pagou R$ 1,3 milhão para a Star Med, também tem ligações com o centrão. O padrinho político do município é um deputado federal do PP próximo a Arthur Lira, Fernando Monteiro. Ele solicitou repasses de R$ 750 mil por meio do orçamento secreto à cidade em 2021 destinados a despesas com saúde. O prefeito do município, Marcello Maranhão, é do PSB, mas fez campanha para Monteiro.
Procurado, o deputado disse ao UOL que não conhece a empresa e que enviou recursos para o "custeio" da saúde do município, sem destinar a um gasto específico.
"O prefeito, que é um bom prefeito, faz o que ele quiser. Ele me dá a demanda dele e eu coloco (a emenda). Eu não coloco emenda para a empresa, emenda eu coloco para o município", disse.
O outro município com contratos mais vultosos, Xexéu, é administrado pelo prefeito Thiago de Miel, do PSC, partido que também integra o centrão. Ele apoiou para deputado federal a candidatura de André Ferreira (PL), que foi o mais votado de Pernambuco em 2022. Evangélico e bolsonarista, Ferreira já foi líder do PSC na Câmara no mandato anterior, quando apoiou a candidatura de Lira à Presidência da Casa. Depois, deixou a legenda para ingressar no mesmo partido do então presidente Jair Bolsonaro.
No caso dos kits de robótica, com prejuízo estimado inicialmente em R$ 8,1 milhões aos cofres públicos, a PF apura o envolvimento da Megalic em fraudes em licitações de municípios alagoanos, desvios de recursos públicos e repasses de propina.
Ligado politicamente ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o ex-assessor da liderança do PP na Câmara Luciano Ferreira Cavalcante foi alvo de busca e apreensão na Operação Hefesto após a PF ter identificado suspeitas de que dinheiro desviado das prefeituras tinha sido destinado a ele. Os investigadores obtiveram registros em vídeo de uma das entregas de recursos, feitas ao motorista de Luciano no estacionamento do hotel onde ele mora em Brasília. Lira não foi alvo da investigação deflagrada no último dia 1º.
Outro lado
As demais prefeituras e prefeitos citados foram procurados, mas não responderam aos contatos. Denilson Silva também não retornou aos telefonemas da reportagem. A defesa da Megalic foi procurada, mas não se manifestou.
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