Nunes gasta 295% mais em obras sem licitação que últimos 4 prefeitos juntos
Pré-candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB) é o prefeito de São Paulo que mais gastou com obras sem licitação em 14 anos, aponta levantamento do TCM (Tribunal de Contas do Município) a pedido do UOL. A maioria dos contratos feitos por ele é para tentar resolver problemas antigos da cidade.
O que aconteceu
O atual prefeito gastou R$ 3,7 bilhões entre janeiro de 2022 e outubro de 2023 nos contratos emergenciais, segundo os dados do TCM. O valor representa 294,5% a mais do total pago de 2009 até 2021 na capital paulista para obras desse tipo — quase R$ 950 milhões. A comparação dos gastos foi feita a partir da gestão de Gilberto Kassab (PSD).
A equipe de Nunes alegou que as obras ocorrem "pelo agravamento das situações de risco" e após os procedimentos legais (leia mais abaixo). O prefeito vem sendo criticado pela falta de planejamento de obras contra eventos climáticos — como a tempestade que ocorreu na última sexta-feira (3) e que deixou vários bairros de São Paulo sem energia elétrica.
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Os gastos começaram a aumentar em 2021 — Nunes assumiu a administração municipal em maio daquele ano, após a morte de Bruno Covas (PSDB). Obras emergenciais são aquelas em que não é feito o processo de licitação. A legislação permite essa modalidade em casos urgentes ou de calamidade pública.
Do ano passado até aqui, foram 298 obras — a maioria relacionada a córregos. Auditoria do Tribunal de Contas assinada por três técnicos, à qual o UOL teve acesso, aponta que a prefeitura "agiu com insuficiente planejamento para o enfrentamento de problemas históricos da cidade" em "cerca de 90%" das obras analisadas.
Esse tipo de contratação distingue-se da emergência real, denominando-se 'emergência fabricada'.
Trecho de relatório da auditoria do Tribunal de Contas
O TCM apontou superfaturamento de R$ 80 milhões nas 18 obras vistoriadas pessoalmente. A maioria dos contratos foi feita com apenas dez empresas e, segundo a auditoria, mais da metade das obras descumpre o prazo de 180 dias para conclusão — período estabelecido pela legislação para obras de emergência.
A auditoria apontou que quase R$ 40 milhões foram usados para serviços injustificados.
Constata-se a prática da Siurb em fracionar obras de contenção de margem de córrego, executando diversas obras emergenciais de pequena extensão em vez de licitar obras de grande extensão nos cursos d'água. Tal prática promove um ciclo vicioso, uma vez que mais obras emergenciais serão necessárias para o atendimento de situações idênticas ao longo do curso d'água, acarretando em perda do efeito escala nas contratações.
Trecho de documento do TCM
A prefeitura disse "refutar a ideia", porque os equipamentos e materiais têm como parâmetro a tabela de custos da Secretaria de Obras.
Não havendo a possibilidades de prática de outros preços que possam tornar superfaturado os contratos analisados.
Prefeitura de São Paulo
"Não há o que se falar em questão de superfaturamento. É uma irresponsabilidade fazer isso. Vai chegando perto da eleição e, evidentemente, todo mundo vai ficando exaltadinho", disse o prefeito, em setembro.
O que diz a prefeitura
A gestão Ricardo Nunes disse que já se manifestou ao TCM e que "presta todos os esclarecimentos solicitados pela Corte". A administração municipal afirmou que as obras ocorrem "pelo agravamento das situações de risco em encostas e margens de córregos".
As contratações ocorrem somente após vistorias da Defesa Civil, de engenheiros da Siurb (Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras), além de parecer jurídico assinado por um procurador do município.
Nota da Prefeitura de São Paulo
Nas redes sociais, o atual prefeito escreveu que mais de mil obras estão em andamento "para que a cidade siga no futuro mais moderna, urbanizada e acolhedora".
Muros com rachaduras e contenção baixa
Das 155 obras analisadas na auditoria, os técnicos do Tribunal de Contas vistoriaram presencialmente 18 — a maioria foi para contenção das margens de córregos na zona leste.
O UOL visitou três córregos da região que receberam obras emergenciais recentemente — o do Lajeado, do Itaim e Três Pontes. A administração municipal informou que os três córregos estão contemplados no Programa Municipal de Redução de Riscos — que está em andamento e visa reduzir as contratações emergenciais.
A reportagem observou muros com rachaduras em áreas dos córregos que não receberam as obras. Há também pontos em que as contenções não são altas o suficiente para os dias de cheias.
"Há partes da obra em que foram conectados canos para captação da água da chuva. Quando o rio enche, a água volta por eles alagando alguns trechos da comunidade", afirma a arquiteta e urbanista Bruna Almeida, que tem acompanhado algumas das obras na região. Ela defende menos interferência de concreto e reaproveitamento da natureza.
No córrego Itaim, a obra não chegou até a rua em que o autônomo Ederivaldo Isaías dos Santos, 64, mora. A cerca de 500 metros, a prefeitura colocou contenções em um trecho do riacho — mas que não têm impacto em outras vias.
"Caiu uma chuva forte em fevereiro [deste ano, após as obras], alagou tudo aqui e meu Monza ficou debaixo d'água", relembra Ederivaldo. Ele não estava em casa no dia da enchente.
"Não me parece que é um projeto que segue uma lógica. Para não gerar problemas, era preciso fazer obras em até 70% da extensão do córrego", diz Ciro Pirondi, arquiteto e diretor da Escola da Cidade que analisou a obra a pedido do UOL.
O que dizem especialistas
O crescimento de obras emergenciais é ruim, porque como o próprio nome já diz não são obras feitas a partir de um planejamento adequado, em que você consegue abarcar os efeitos de uma obra para além do local de intervenção.
Igor Pantoja, coordenador de relações institucionais da Rede Nossa São Paulo
Esse é um ciclo vicioso, que temos dificuldade de vencer. Avalio que precisamos seguir três pontos para resolver o problema: vontade política sincera, competência técnica e real, e envolvimento da população para que se entenda o que tem sido feito.
Ciro Pirondi, arquiteto e diretor da Escola da Cidade