Sem força política, governo usa STF como escudo ante Congresso conservador

Última instância da Justiça, o STF (Supremo Tribunal Federal) tem se tornado também o último recurso do governo Lula (PT) diante das derrotas sucessivas em pautas de costume contra a maioria conservadora do Congresso Nacional.

O que aconteceu

Projetos de repercussão que apresentam divergência entre os dois campos, geralmente com derrota do Planalto, têm acabado em "terceiro turno" no Judiciário. Foi o caso do Marco Temporal no ano passado, da saidinha, neste mês, e é para onde deve seguir a PEC das Drogas, caso seja aprovada no Congresso.

Em alguns casos, a gestão já conta com uma judicialização para barrar decisões conservadoras do Legislativo. Sem maioria, o Planalto entendeu que, embora tente articulações e vetos, suas chances de vitória no Congresso em pautas ideológicas têm minguado.

A estratégia infla discursos bolsonaristas. Líder da oposição na Câmara, o deputado Filipe Barros (PL-PR) classifica a situação como "judicialismo de coalizão". Parlamentares da direita consideram, sem provas, que há uma aliança entre Planalto e Supremo contra Jair Bolsonaro e seus aliados.

3º turno

No marco temporal, Lula vetou todas as menções à restrição das demarcações de terras indígenas até 1988. Um mês e meio depois, o Congresso derrubou os vetos e manteve a "alma" do projeto, ao qual o governo era contrário.

Derrota já era esperada. Com documento orientado pela AGU (Advocacia-Geral da União), todos os argumentos foram fundados na inconstitucionalidade, acompanhando o entendimento anterior do STF. Partidos da base entraram com o pedido na Suprema Corte ainda em dezembro. O STF ainda não deliberou.

Neste ano, o veto ao projeto das saidinhas dos presos teve caminho semelhante. No anúncio, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ex-STF, deixou claro que a proibição de presos no regime semiaberto "atenta contra valores fundamentais da Constituição".

Mais uma vez, não adiantou: o Congresso derrubou o veto no fim de maio. Novamente, o resultado já era esperado pelo Planalto, apoiando-se no plano B de que, inconstitucional, a proibição cairá após avaliação de Suprema Corte. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já entrou com pedido, que está nas mãos do ministro Edson Fachin.

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A PEC das Drogas deve seguir esta trilha. Nesta semana, a base governista conseguiu atrasar a votação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, mas já espera que vá a plenário e seja aprovada, mesmo com oposição da esquerda.

O Planalto indicou que é contrário, mas não pretende entrar na briga. A avaliação do governo é que este é mais um desentendimento entre Congresso e Judiciário e, como em outros casos, a proposta, que criminaliza a posse e o porte de drogas ilícitas em qualquer quantidade, deve acabar —e cair— na Justiça.

Como lidar com Congresso conservador

Com minoria, o governo, que também é criticado por falhas na articulação, reconhece que não deve ter vitórias frente a um Congresso tão conservador. Articuladores têm argumentado que, diferentemente de pautas econômicas, estes casos não são resolvidos com conversa ou no toma lá dá cá. Especialmente em ano eleitoral, como 2024.

Preocupados, governistas lembram que a maioria dos parlamentares é de oposição e conservadora. Ministros palacianos dizem entender que casos assim são "perdidos" porque este parlamentar aliado responde a uma base eleitoral que tem resistência a algumas pautas do governo.

Eles argumentam que, no limite, recorrer ao STF "não é estratégia, mas justiça". O ponto do governo é: a Suprema Corte existe como poder exatamente para balizar a Constituição. Se o parlamento ou o Executivo tentam achar uma brecha nela, nada mais justo que esta tentativa seja interrompida, com base legal.

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A escolha também tenta evitar mais atrito com o parlamento. Para agentes da articulação governista, que tentam panos quentes com as Casas, os vetos e posicionamentos de Lula, baseados na Constituição, não seriam "ideológicos" e sim "técnicos".

Judicialismo de coalização

Líder da oposição na Câmara, Filipe Barros diz considerar antidemocrático o Judiciário se intrometer na relação dos poderes Legislativo e Executivo. O deputado, que é investigado no STF no inquérito das fake news, avalia que a tática do governo em usar o Supremo como terceiro turno só aumenta o descontentamento dos deputados e senadores.

Para o parlamentar, a estratégia não interrompe o avanço da pauta da direita. Ele lembra que, na próxima semana, a Câmara dos Deputados deve votar a urgência de um projeto que limita a 22 semanas o prazo para aborto, mesmo em casos permitidos por lei, e equipara a interrupção da gravidez ao crime de homicídio.

O projeto é mais uma queda de braço com o STF. Em maio, o ministro Alexandre de Moraes derrubou norma do CFM (Conselho Federal de Medicina) que proibia o aborto após a 22ª semana em gestações derivadas de estupro.

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