Áudio confirma que Bolsonaro ofereceu interferência na Receita por Flávio
Em reunião com advogadas do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) em 2020, o então presidente da República, Jair Bolsonaro, sugeriu a elas conversar com o chefe da Receita e depois disse que iria conversar com o então chefe do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) para "resolver o assunto".
O que aconteceu
STF derrubou hoje o sigilo de áudio de reunião. Estavam presentes na ocasião o ex-presidente, o então diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, o então ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno, e duas advogadas de Flávio.
Ramagem orienta defesa de Flávio. No diálogo, de uma hora e oito minutos, Ramagem discute os caminhos possíveis para a defesa das advogadas questionarem o trabalho da Receita Federal. Próximo ao final da conversa, o então presidente da República sugere às advogadas que ele converse com o chefe da Receita.
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Na conversa, Ramagem propõe abrir procedimentos administrativos contra os auditores fiscais que investigaram Flávio para anular as investigações, e Bolsonaro concorda. A estratégia foi posta em prática, e o processo contra Flávio foi arquivado em 2022. Ele era suspeito de desviar recursos dos funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual.
Bolsonaro pergunta quem mais resolveria o caso. Na prática a conversa indica que Bolsonaro teria utilizado de seu cargo para buscar ajudar a defesa do filho. Ele questiona com quem elas gostariam de falar para resolver o assunto. Em resposta, elas indicam que o melhor caminho seria o então chefe do Serpro, Gustavo Canuto. Na época, a defesa discutia uma estratégia para derrubar um relatório financeiro que apontava movimentações atípicas de Flávio Bolsonaro.
Na época, as advogadas buscavam caminhos para tentar provar uma suposta perseguição da Receita Federal contra Flávio Bolsonaro. Uma das estratégias seria checar junto ao Serpro se servidores da Receita teriam acessado indevidamente dados fiscais sigilosos de Flávio Bolsonaro e outras pessoas próximas a ele para embasar o relatório que originou a investigação sobre as rachadinhas. Na reunião, Ramagem explicou a elas que o melhor caminho seria um procedimento interno na corregedoria da Receita Federal.
Áudio consta no relatório da investigação sobre a "Abin paralela". Ele foi divulgado na última quinta-feira (11).
Após a revelação da gravação, Flávio Bolsonaro negou ter relação com a Abin. Segundo ele, a defesa focava em questões processuais, portanto, a Abin não teria nenhuma utilidade. Hoje, ele criticou novamente a investigação. "Mais uma vez, a montanha pariu um rato. O áudio mostra apenas minhas advogadas comunicando as suspeitas de que um grupo agia com interesses políticos dentro da Receita Federal e com objetivo de prejudicar a mim e a minha família. A partir dessas suspeitas, tomamos as medidas legais cabíveis. O próprio presidente Bolsonaro fala na gravação que não 'tem jeitinho' e diz que tudo deve ser apurado dentro da lei. E assim foi feito. É importante destacar que até hoje não obtive resposta da justiça quanto ao grupo que acessou meus dados sigilosos ilegalmente."
Advogada se defende. A advogada Luciana Pires disse que sua "atuação no episódio se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo jurídico". "Protocolamos a petição mencionada nos diálogos formalmente, nos órgãos competentes, com vista a obter informações acerca do acesso ilícito aos dados pessoais do senador Flávio Bolsonaro e, diante do seu indeferimento, impetramos um habeas data, que era o remédio processual adequado àquela ocasião, o qual hoje se encontra sob recurso. Foi, portanto, uma reunião de cunho profissional na qual agi de acordo com as normas que regem a minha profissão."O advogado de Heleno, Matheus Milanez, disse que não iria se manifestar.
Confira o trecho da conversa
"Jair Bolsonaro: Vinte horas agora. Vamos pegar amanhã aí?
Luciana Pires: Vamos. Oito horas da noite.
Bolsonaro: É o caso de conversar com o chefe da Receita. Ele tá pedindo é um favor.
Luciana: Não é favor, não, presidente.
Bolsonaro: Ninguém tá pedindo favor aqui. é o caso conversar com o chefe da Receita. O Tostes.
Luciana: E não, não tem chance dele, sai disso aqui não, né?
Juliana Bierrenbach: Não. O Tostes não.
Alexandre Ramagem: É o secretário da Receita, é o zero dois não é isso?
Augusto Heleno: Não. O zero um
Bolsonaro: É o zero um dos caras. Era ministro meu e foi pra lá. Sem problema nenhum. Sem problema nenhum conversar com ele. Vai ter problema nenhum conversar com o Canuto (então presidente do Serpro).
Luciana: Serpro? Então ótimo.
Bolsonaro: É o caso conversar com o Canuto?
Luciana: Sim, sim. Com um clique. Olha, em tese, com um clique você consegue saber se um funcionário da Receita (inaudível) esses acessos lá.
Augusto Heleno: Tentar alertar ele que, ele tem que manter esse troço fechadíssimo. Pegar de gente de confiança dele. Se vazar (inaudível).
Bolsonaro: Tá certo. E, deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa. Que não estamos procurando favorecimento de ninguém.
Luciana: Não, mas não. Que não cometa o crime e que investigue.
(...)
Bolsonaro: Fazer uma coisa. Vocês querem falam com quem amanhã? Canuto?
Luciana: Presidente? O senhor que determina.
Bolsonaro: Não, não, não. A quem interessa pra gente resolver esse assunto?
Juliana: Eu acho, o Serpro. O que a gente puder mesclar a opinião.
Bolsonaro: Eu falo com o Canuto. Agora isso aí eu falo com o Flávio então. Qualquer hora do dia amanhã.
Ramagem: Fala com o Canuto pra saber do Serpro. Fala com o Canuto pra saber do Serpro tá? (inaudível) é secretário da Receita.
Luciana: Qualquer horário. O nosso voo é oito e quarenta da noite só. Eu já deixei a agenda libre pra conversar com (inaudível).
Bolsonaro: O que acontece, o que acontece? Ninguém gosta de tráfico de influência. A gente quer fazer (inaudível)".