Leia as propostas de Silvio Santos como candidato a presidente
Do UOL, em São Paulo*
17/08/2024 17h25Atualizada em 18/08/2024 14h53
"Um garoto que era camelô e começou vendendo carteirinhas para guardar o título de eleitor, com 14 anos de idade, hoje se lança candidato à Presidência da República do Brasil". Há 35 anos, em 31 de outubro de 1989, o empresário e comunicador Silvio Santos, que morreu neste sábado (17), aos 93 anos, anunciava a sua candidatura a presidente.
À época, o já famoso comunicador e dono do SBT chegou a ter 14% das intenções de voto no primeiro turno e ficou empatado com Lula, de acordo com o Datafolha. Sua candidatura, porém, durou apenas dez dias, após ser impugnada pelo TSE menos de uma semana antes do início do pleito.
Já em 31 de julho de 2020, aos 90 anos, o comunicador escreveu: "Considero que estava qualificado para exercer a presidência da República e tenho certeza de que a equipe que eu escolheria, no mínimo, melhoraria as condições das pessoas mais necessitadas deste país".
A declaração consta em uma carta publicada na abertura do livro "Sonho Sequestrado", de Marcondes Gadelha, ex-senador e vice na chapa de Silvio Santos à presidência. Na obra, o autor relata, em primeira pessoa, as memórias e histórias dos bastidores da campanha que abalou a primeira eleição presidencial direta após a ditadura militar (1964 - 1985) no país.
'Não quero discutir plano de governo'
Segundo transcrito na obra de Gadelha, Silvio afirmou enquanto candidato à presidência: "Não quero discutir plano de governo, muito menos com a imprensa".
Não vou apresentar um projeto acadêmico, pronto e acabado. (...) Pretendo me cercar de homens de bem, capazes de operar dentro de três conceitos básicos: honestidade, sensatez e justiça, porque gosto de delegar, e isso impõe confiabilidade, sem necessidade de subordinação ideológica.
Silvio Santos, em 1989, conforme descrito pelo então candidato a vice, Marcondes Gadelha
Saúde, educação e habitação como prioridades
Na sequência, Silvio teria falado sobre as prioridades de seu projeto político: "Três temas serão centrais em minha administração: saúde, educação e habitação, porque estão ligados à formação de um capital humano eficiente, indispensável para o desenvolvimento do país. Eu entendo que é as pessoas que fazem o desenvolvimento, e não o governo".
"Saúde e educação, por razões óbvias, e habitação para promover a autoestima, que é a terceira perna do tripé da eficiência. Este vai ser um dos meus maiores desafios: garantir uma casa para cada família. Tenho isso como uma compulsão, também, pelos dramas humanos que acompanhei como homem de televisão", seguiu o empresário.
'Vou conversar com o Suplicy'
Sobre o seu plano econômico para a época, Silvio declarou, ainda segundo o seu vice: "A prioridade absoluta será liquidar a inflação, acabar com os ganhos especulativos e fazer com o que o capital se oriente para a especulação física de bens e de serviços".
Vou aumentar o salário mínimo e estimular o crescimento de toda a massa salarial, vou conversar com o Suplicy [Eduardo Suplicy, do PT-SP, então vereador] sobre o seu programa de renda mínima, porque acho que um país é do tamanho do seu mercado interno.
Silvio Santos, conforme descrito no livro "Sonho Sequestrado"
'Minha memória se apagando'
Décadas mais tarde, em 2020, ano de lançamento do livro que o homenageia, Silvio Santos escreveu na carta que introduz a obra sobre seu estado de saúde e suas memórias.
Como vários de meus órgãos, incluindo o óbvio, que não está funcionando há muito tempo, minha memória também, a cada dia que passa, vai se apagando vagarosamente. Este seu livro me lembra de acontecimentos que eu já tinha esquecido e me deixa emocionado a cada página que leio.
Silvio Santos
Na mesma carta, o apresentador registrou ainda a sua percepção sobre o Brasil atual, onde, segundo ele, "parte do povo mais humilde infelizmente ainda vive debaixo de pontes, em casebres de papelão ou de madeira".
Na ocasião, o empresário relembrou novamente sua intenção como candidato à presidência: "Minha atuação seria toda voltada para esses temas que tanto afligem a nossa pobre população. Os demais problemas do nosso país seriam enfrentados também pelo presidente Silvio Santos, mas preservada sempre a prioridade dada à habitação e à saúde".
Hoje, com 90 anos, me pergunto se teria sido bom para mim, para a minha família, para a minha televisão e para as pessoas que gostam de mim ter colocado a faixa verde e amarela (...) Sei, porém, que teria sido bom para a causa. E isso me basta. O desafio, então, estava aceito em qualquer circunstância.
Silvio Santos, na conclusão da carta publicada no livro "Sonho Sequestrado"
Candidatura impugnada
Silvio Santos resistiu de 31 de outubro a 9 de novembro de 1989 como presidenciável pelo pequeno PMB. A articulação envolvia o então presidente José Sarney (PMDB) e parte do PFL (hoje DEM).
Nos dias em que Silvio manteve a candidatura, 17 ações de impugnação contra ele foram apresentadas à Corte Eleitoral. Mesmo assim, o dono do SBT foi a estrela, por cinco dias, dos programas do PMB — cujo jingle era uma adaptação de "Silvio Santos vem aí", sua marca registrada.
Coube ao advogado da coligação do candidato líder nas pesquisas, Fernando Collor de Mello (PRN), Celio Silva, apresentar a denúncia mais contundente. O pedido foi apresentado em 6 de novembro e demorou três dias para ser julgado.
O advogado pedia a exclusão do PMB por não cumprir as exigências legais de funcionamento — a legenda, articulada em 1985, funcionava com registro provisório, que perdera a validade em 15 de outubro. O partido pedira o registro definitivo, que seria concedido mediante a confirmação de diretórios estaduais em ao menos dez estados. Havia, no entanto, irregularidade em seis deles (Distrito Federal, Paraíba, Rio de Janeiro, Bahia, Amapá e Roraima).
Em decisão unânime, em 9 de novembro, seis dias antes do primeiro turno, o TSE considerou que o PMB não havia realizado o número mínimo de convenções regionais exigidas por lei, e a candidatura foi impugnada — a tese era a de que não existem candidatos sem partidos, e o PMB não existia.
Quatro juízes entenderam ainda que o apresentador não poderia postular à Presidência por ser dono de rede de TV. O anúncio do indeferimento foi feito em cadeia de rádio e TV pelo então presidente do TSE e ministro do STF, Francisco Rezek, no dia seguinte. "A inelegibilidade não desabona ninguém", disse, ao fim do julgamento.
Com a eleição de Fernando Collor, Rezek seria nomeado ministro das Relações Exteriores. Ficaria no cargo até abril de 1992, quando seria reconduzido ao STF (Supremo Tribunal Federal) pelo próprio Collor.
*Com reportagem publicada em 06/06/2017.