Diretor demitido em escândalo do arroz é autorizado a negociar com governo
Demitido da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) após um escândalo envolvendo um leilão de importação de arroz do governo federal, o ex-diretor Thiago José dos Santos foi autorizado pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República, nesta segunda-feira (21), a atuar justamente com leilões de cereais e compras governamentais.
O que aconteceu
Decisão da Comissão de Ética foi por unanimidade. O colegiado analisou a oferta de emprego feita para Santos, ex-chefe de Operações e Abastecimento da estatal, e entendeu que ele pode atuar na Rovaris Armazéns Gerais Ltda., desde que cumpra as seguintes condicionantes:
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- Se abster de atuar como intermediário de interesses privados junto à Conab até o prazo de seis meses de sua saída da estatal, o que aconteceu em junho deste ano;
- Não atuar no âmbito de contratos, processos e licitações dos quais tenha participado enquanto diretor da Conab;
- Não divulgar nem repassar para terceiros, direta ou indiretamente, informações sigilosas a que teve acesso enquanto foi diretor da Conab.
Vaga oferecida a ex-diretor prevê atuar com compras governamentais. Não foi detalhada como será a fiscalização para garantir que o ex-diretor não desrespeite as limitações impostas pela Comissão de Ética da Presidência. O cargo a ser ocupado por Santos é de assessor técnico na área de armazenagem, operações no mercado de bolsas de cereais e mercadorias. A empresa, sediada em Mato Grosso, faz parte do grupo Valdocir Rovaris, que atua também com agronegócio, pecuária e logística.
Ex-diretor disse que agora tem "carta branca". Procurado pelo UOL, Santos disse ter recebido a decisão como uma "carta branca" para atuar até em contratos de leilão de arroz. Também afirmou que avalia outras propostas para atuar no setor público. Ele é servidor concursado da Prefeitura de Nortelândia (MT) e estava de férias desde a demissão.
Agora tenho carta branca para poder atuar no mercado privado, fazer intermediação, inclusive no mercado de intermediação de arroz. Eu vou poder agora fazer intermediações, independentemente da empresa, porque, se a Rovaris que tem contrato com a Conab, eu posso, então eu acho que estou com carta branca agora para poder atuar bem.
Thiago José dos Santos, ex-diretor da Conab
Empresa não comenta. A reportagem tentou falar com a Rovaris por telefone, mas, após confirmar que o número da empresa, a funcionária que atendeu desligou. Depois não atendeu mais os contatos.
Contrato mantido
Santos já estava liberado a trabalhar no setor privado. Em agosto, a comissão já havia autorizado que ele trabalhasse na Rovaris, mas o próprio ex-diretor questionou a decisão. Segundo ele apontou, foi avaliado apenas o CNPJ de uma filial da empresa no Pará, mas a Rovaris tem contrato com a Conab por meio do CNPJ de sua sede, localizada em Mato Grosso.
A Comissão de Ética fez nova consulta e manteve a autorização. A Rovaris possui um contrato de depósito com a Conab, assinado em 31 de julho de 2023 e que é válido até 2028. Santos não participou da assinatura do contrato e, segundo a Conab, a empresa está temporariamente proibida fazer contratos com a estatal por possuir pendências junto à Conab, incluindo o fato de terem sido encontrados insetos vivos em seu depósito. O espaço terá de ser esvaziado.
Pelas informações da área técnica, o interessado, em caso de aceite do cargo oferecido, estaria trabalhando em uma instituição à qual possui dívidas ajuizadas pela Conab contra o armazém, que temporariamente (conforme previsto no Título 8, Documento 4 do Manual de Operações da Conab) não poderá contratar com a Conab pelas razões informadas por email, quais sejam: a) SICAF desatualizado; b) presença de insetos vivos; c) e Pendência Financeira junto à Conab. E, findando o atual processo de remoção das mercadorias lá existentes (e a área técnica não pode afirmar o prazo exato que isso ocorrerá), o armazém ficará sem nenhuma mercadoria da Conab.
Manifestação da Conab à Comissão de Ética Pública sobre a relação com a Rovaris
Diante das informações prestadas pela Conab, apesar da existência de relação contratual, não identifico que as atribuições desempenhadas pelo recorrente possam vir a conferir à proponente vantagens estratégicas indevidas, pelas razões já expostas no voto inicial e, também, pelo fato de a empresa Rovaris Armazéns Gerais estar impedida, no momento, de contratar com a Conab e, findando o atual processo de remoção das mercadorias lá existentes, o armazém (empresa proponente) ficará sem nenhuma mercadoria da Conab. Dessa feita, as funções a serem desempenhadas pelo recorrente no âmbito da empresa Rovaris Armazéns Gerais Ltda. não se revelam incompatíveis com o cargo público ocupado, desde que observadas as condicionantes aplicadas no voto recorrido.
Voto da conselheira Marcelise de Miranda Azevedo, seguido por unanimidade
Demissões após irregularidades no leilão
Thiago José dos Santos era o diretor da área responsável por organizar o leilão de arroz anunciado pelo governo federal em meio às enchentes recordes do Rio Grande do Sul. O objetivo era manter a oferta e o preço dos grãos após a tragédia no estado, que é o principal produtor do insumo. Certame, porém, acabou cancelado em 11 de junho por suspeitas de irregularidades. Santos foi exonerado em 25 de junho.
Após a demissão, ele afirmou em entrevistas à imprensa que teria apenas seguido ordens do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, para adotar critérios diferentes dos defendidos pela área técnica da Conab no edital. Três das quatro empresas que venceram o leilão não são do ramo de arroz e de importação de grãos. Essas são a Icefruit, uma fábrica de polpas de frutas de São Paulo; a Wisley A de Souza Ltda, uma loja de queijos de Macapá (AP); e a ASR Locação de Veículos e Máquinas, de Brasília.
Loja de queijos alterou tamanho da empresa. Uma das principais polêmicas sobre os vencedores envolve a loja de queijos, que arrematou R$ 736 milhões no leilão, e que alterou, no site da Receita Federal, o seu capital social de R$ 80 mil para R$ 5 milhões dias antes do evento.
Outra questão do leilão envolveu o então secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, que foi exonerado após o episódio. Seu ex-assessor parlamentar, o advogado Robson Luiz de Almeida França, é dono da Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) e da Foco Corretora de Grãos, que intermediaram a venda de 44% de arroz no leilão.