Prefeito eleito renuncia e passa cargo à mãe no CE: isso é nepotismo?
Maurício Businari
Colaboração para o UOL
09/11/2024 05h30
A renúncia do prefeito eleito de Orós, no Ceará, para assumir vaga de deputado estadual e deixar a prefeitura para sua mãe, vice-prefeita eleita, chamou a atenção da opinião pública, que questiona nas redes sociais a legalidade da decisão.
O que aconteceu
O prefeito eleito de Orós (CE), Simão Pedro Alves Pequeno, anunciou que renunciará ao cargo em janeiro de 2025, logo após a posse. A decisão visa abrir espaço para que sua mãe, Tereza Cristina Pequeno, vice-prefeita eleita, assuma a prefeitura. Simão justificou a renúncia como "a melhor conjuntura política para o município".
A família Pequeno tem forte presença na política local. Tereza já foi prefeita de Orós entre 1993 e 1996, enquanto Simão governou a cidade de 2013 a 2020. A decisão agora reafirma o domínio político da família no município.
O caso levantou dúvidas sobre ética e nepotismo no cenário eleitoral. Nas redes sociais, internautas indignados com a postura do prefeito questionaram a legalidade da questão. A prática reacende o debate sobre os limites do poder familiar na política local e o UOL ouviu especialistas para entender se o que ocorreu se trata mesmo de nepotismo.
O que é nepotismo?
No direito brasileiro, o termo nepotismo se refere à nomeação de parentes para cargos de confiança. A expressão deriva do latim nepos, que significa neto ou sobrinho. Essa prática é vedada pela Constituição Federal e regulamentada pela Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela proíbe que autoridades nomeiem familiares para funções de comissão, exceto quando o cargo é conquistado por concurso público.
A interpretação de nepotismo se limita a contratações de parentes e não inclui cargos eletivos. O nepotismo está restrito a nomeações, não abrangendo mandatos obtidos por eleição, explicou o advogado especialista em direito eleitoral, Alberto Rollo. "A renúncia planejada pode ser imoral, mas não ilegal", observou, reforçando que o caso não configura essa prática sob a ótica da legalidade.
Especialistas concordam que cargos eletivos seguem uma lógica diferente. A escolha de Simão e Tereza foi feita pelos eleitores, não por nomeação, destaca Wallyson dos Anjos. Ele menciona o artigo 14, parágrafo 7º, da Constituição Federal, que trata da inelegibilidade para evitar a perpetuação de grupos familiares, mas que não abrange esse tipo de transferência de cargo.
"Imoral, mas não ilegal"
Para os especialistas, o caso pode ser visto como uma "imoralidade", mas não caracteriza fraude. A fraude ocorre quando o eleitor é intencionalmente enganado e acredita votar em uma pessoa que não planeja assumir o mandato, explicou Rollo. No caso de Simão, a população de Orós já conhecia a possibilidade de renúncia, o que minimizaria a interpretação de fraude.
A percepção pública, no entanto, pode ser de traição à confiança popular. Os especialistas concordam que, do ponto de vista ético, a manobra enfraquece a confiança dos eleitores no prefeito eleito. "Para a imagem do prefeito, passa a sensação de que ele nunca esteve comprometido com o município", comentou Rollo.
Advogado diz que a população pode ver a renúncia como uma violação ao princípio da soberania popular. A população votou em Simão esperando que ele cumprisse o mandato, enquanto a vice, Tereza, foi eleita para substituir o prefeito em ausências ocasionais, observou Anjos. "Nesse cenário, teremos uma prefeita que não é a legítima prefeita", afirmou.
Possibilidades legais
Do ponto de vista legal, não há impedimento para a renúncia planejada do prefeito eleito. A renúncia é um direito unilateral do eleito, desde que não ocorra fraude, explicou Rollo. Anjos acrescenta que seria difícil configurar uma tese de fraude eleitoral, pois o TSE adota uma interpretação restritiva dos mandatos.
Construir uma tese de fraude eleitoral poderia ser uma alternativa para a oposição, mas é pouco provável que tenha êxito. A ação de impugnação dependeria de provas de intenção de enganar os eleitores, o que, segundo os especialistas, seria dificilmente comprovado neste caso específico.
Do ponto de vista ético, a renúncia planejada compromete a confiança pública. Mesmo que tenha sido anunciada, a renúncia gera a sensação de que o prefeito eleito priorizou interesses familiares, destacou Wallyson. "Isso realmente passa para o eleitor a sensação de que ele foi enganado", finalizou Rollo.
Para se aprofundar:
O que é considerado nepotismo e o que não é considerado nepotismo, segundo informações do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça):
É nepotismo:
- Nomeação de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau para cargos em comissão, ou de confiança na administração pública. Essa prática viola os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa.
- Nepotismo cruzado: ocorre quando autoridades públicas nomeiam parentes umas das outras em seus respectivos órgãos, configurando troca de favores para burlar a proibição do nepotismo direto.
- Contratação de empresas cujos sócios ou administradores sejam parentes de agentes públicos, visando beneficiar familiares indiretamente. Essa prática também é vedada, por ferir os princípios da administração pública.
Não é nepotismo:
- Nomeação de parentes para cargos políticos eletivos: a vedação ao nepotismo não se aplica a cargos de natureza política, como ministros de Estado, secretários estaduais ou municipais, desde que não haja comprovação de falta de qualificação técnica ou inidoneidade moral do nomeado.
- Contratação de parentes aprovados em concurso público: quando o parente é aprovado em concurso público, sua nomeação não configura nepotismo, pois o ingresso se deu por mérito e consoante os princípios da administração pública.
- Nomeação de parentes para cargos em que não há relação hierárquica ou de subordinação direta: desde que não haja influência direta na nomeação ou na supervisão do trabalho, essa situação não caracteriza nepotismo.