Kid preto contactou Cid seis minutos após cancelamento de cerco a Moraes
Um dos seis militares envolvidos na ação para prender ou executar Alexandre de Moraes enviou mensagem para Mauro Cid, então ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, apenas seis minutos após a operação ser abortada. A informação consta no relatório final da Polícia Federal sobre o plano de golpe para impedir a posse de Lula.
É a primeira vez que a PF apresenta uma evidência de ligação entre um membro do Planalto e os kids pretos — como são conhecidos os militares que atuam em forças especiais — no momento em que estavam executando o cerco a Moraes.
O que aconteceu
Às 20h59 de 15 de dezembro, foi dada a ordem para abortar a ação contra Moraes; às 21h05, um dos militares envolvidos escreveu para Cid. Era o major Rafael de Oliveira, que usava o codinome "Japão" no grupo de WhatsApp "Copa 2022", onde foi coordenada a ação contra Moraes, segundo a investigação da PF. Às 20h47, antes de ação ser abortada, "Japão" havia escrito no grupo: "Estou na posição".
O contato com Cid foi feito por outro número de telefone. No grupo "Copa 2022", o major usava um número cadastrado em nome de um laranja, com DDD de Minas Gerais. Já no chat privado com Cid, também via WhatsApp, usou um número com DDD do estado do Rio de Janeiro — o contato estava salvo como "Joe".
Os elementos indicam que Mauro Cid estava recebendo informações sobre a ação clandestina.
Relatório final da PF sobre o plano de golpe para impedir a posse de Lula
"Opa", escreveu o kid preto para Cid; em seguida, tentou fazer uma chamada de vídeo. A ligação não deu certo. As mensagens trocadas a seguir indicam que Cid estava com conexão ruim. "Vou mudar de posição", disse Cid. "Tá foda", respondeu o major.
Dez minutos depois, o kid preto seguiu trocando mensagens com outro envolvido no cerco a Moraes, que estava posicionado perto da residência do ministro e havia recebido ordens de sair do local. Nesse diálogo, o major Oliveira usou a linha cadastrada no nome do laranja — a mesma usada no grupo "Copa 2022". "Sanhaço para achar táxi", escreveu "Gana" para "Japão" às 21h26. "Mas vou chegar". Às 21h33, "Japão" perguntou: "Quer que eu te pegue?"
Contato com Cid nove dias antes da ação
Nove dias antes da ação, na manhã de 6 de dezembro, o kid preto tentou ligar para Mauro Cid por WhatsApp. A ligação não foi completada. "Teu sinal aí é muito ruim", escreveu em seguida. Segundo a investigação, após a tentativa de contato com Cid, Oliveira deixou Goiânia no início da tarde rumo a Brasília.
Em seguida, no final da tarde, tanto o kid preto quanto Cid estavam na região do Palácio do Planalto. "Os dados objetivos permitem concluir que Mauro Cid e Rafael de Oliveira estiveram concomitantemente, conforme extratos de ERBs (antenas de celular), na região do Palácio do Planalto no dia 06 de dezembro de 2022 por volta das 17h45", diz o relatório.
A PF identificou que Bolsonaro chegou ao Planalto logo depois. Em um grupo de WhatsApp de assessores do então presidente, foi informado "PR (presidente da República) no Planalto" às 17h56. Em seguida, às 18h31, outra mensagem indicou que Bolsonaro já estava de volta ao Palácio da Alvorada.
Foi também nesse período que o general Mario Fernandes imprimiu, no Palácio do Planalto, documento com sugestões de assassinato de Moraes, Lula e Alckmin. É o chamado "Punhal verde e amarelo". A PF acredita que o conteúdo possa ter sido apresentado para Bolsonaro.
No dia seguinte, 7 de dezembro, o kid preto comprou o celular que seria usado por ele nas ações contra Moraes. A compra foi feita em dinheiro, pela esposa do major Oliveira, em uma loja de Goiânia.
Newsletter
PRA COMEÇAR O DIA
Comece o dia bem informado sobre os fatos mais importantes do momento. Edição diária de segunda a sexta.
Quero receberTambém em 7 de dezembro, segundo a PF, Bolsonaro se reuniu com os comandantes do Exército, da Marinha e o ministro da Defesa para apresentar a minuta de golpe de Estado. Nesse mesmo dia, Mauro Cid troca mensagens com outra pessoa que indica que a localização de Moraes já estava sendo acompanhada: "Ele vai ficar em Brasília hoje. Amanhã provavelmente pra São Paulo final da tarde"; "ele vai ao tse [Tribunal Superior Eleitoral, do qual Moraes era presidente]".
Diálogos entre Cid e kid preto desde novembro
Cid e o kid preto vinham mantendo contato pelo WhatsApp desde novembro, pelo menos. Os contatos eram sempre por meio do telefone com DDD do estado do Rio — e não com o telefone em nome de laranja usado na ação de 15 de dezembro.
Nos diálogos citados no relatório da PF, em 8 de novembro, há um pedido de Cid para o kid preto "rascunhar algo". Dois dias depois, novas mensagens sugerem que os dois estavam tentando marcar um encontro.
Em 11 de novembro, o kid preto escreve para Cid pedindo indicações a serem dadas para manifestantes que apoiavam Bolsonaro. "O pessoal tá querendo a orientação correta da manifestação. A pedida é ir para o CN [Congresso Nacional] e o STF [Supremo Tribunal Federal]?? As FFAA [Forças Armadas] vão garantir a permanência lá?? Perguntas recebias [recebidas]", perguntou o major Oliveira. "CN e STF" e "Vão", foram as respostas de Cid. "Show", escreveu o major Oliveira.
As trocas de menagens entre Mauro Cid e Rafael de Oliveira evidenciam que integrantes do Governo Federal e militares da ativa, com formação em forças especiais estavam atuando para direcionar os manifestantes, conforme seus interesses, descrevendo a forma de agir, os locais de atuação, além de respaldarem suas ações, por meio das Forças Armadas.
Percebe-se que no dia 11 de novembro de 2022, já havia a intenção de que as manifestações fossem direcionadas fisicamente contra o STF e o Congresso Nacional, fato que efetivamente ocorreu no dia 08 de janeiro de 2023.
Relatório final da PF sobre o plano de golpe para impedir a posse de Lula
Já no dia seguinte, 12 de novembro, Cid e o kid preto participaram de uma reunião na casa de Braga Netto, segundo a PF. O general foi candidato a vice na chapa derrotada de Bolsonaro em 2022. Outros militares estavam na reunião.
Dois dias depois, 14 de novembro, o kit preto pergunta para Cid se havia "alguma novidade" e diz que tem "recurso zero". Cid então pergunta: "Qual a estimativa de gastos? Falei pra deixar comigo". E emenda: "Só uma estimativa com hotel. Alimentação. Material. 100 mil?". O kid preto confirma: "Entorno [sic] disso. Vou te mandar".
Em 15 de novembro, o kid preto manda para Cid — sempre por WhatsApp — um documento chamado "Copa 2022" e faz referência a valor de R$ 100 mil. "Copa 2022" é o mesmo nome dado ao grupo de WhatsApp com seis militares para executar a ação contra Moraes exatamente um mês depois. Imediatamente antes de enviar o arquivo, o kid preto escreveu para Cid: "tô com as necessidades iniciais". Em seguida, pediu para Cid apagar. "Pelo teor do diálogo, seria uma estimativa de gastos para subsidiar, possivelmente, as ações clandestinas, que seriam executadas durante os meses de novembro e dezembro de 2022", diz o relatório da PF.
Já entre 21 e 23 de novembro, o kid preto e outro militar que esteve na reunião na casa de Braga Netto começaram a colocar "em prática os atos de monitoramento do ministro Alexandre de Moraes", diz a PF. Informações sobre a localização dos celulares dos envolvidos, alugueis de carro em Goiânia, movimentação das placas dos veículos no caminho para Brasília e buscas no Google foram usadas como elementos de prova.
Os elementos de prova demonstram que Mauro Cid se encontrou em diversas oportunidades com Rafael de Oliveira, um dos "Kids Pretos", integrante da equipe que monitorou o ministro e atuou na ação clandestina denominada "Copa 2022". Inclusive, durante o transcorrer da ação, Rafael de Oliveira entra em contato com Mauro Cid. Ainda, evidenciou-se encontros no dia 06/12/2022, na região do palácio do Planalto, no mesmo período em que o então presidente Jair Bolsonaro e Mario Fernandes estavam no local. Nesse dia, inclusive, o documento "Punhal verde amarelo", foi novamente impresso por Mario Fernandes no palácio do Planalto.
Relatório final da PF sobre o plano de golpe para impedir a posse de Lula
Deixe seu comentário