Eleitor moderado de Bolsonaro fica mais crítico sobre 8/1 após inquérito
As investigações que levaram ao indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) e outras 39 pessoas fizeram eleitores mais moderados do ex-presidente mudarem de opinião sobre os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
O que aconteceu
Eleitores moderados de Lula relativizam ataques e de Bolsonaro se tornam mais críticos. Segundo Felipe Nunes, diretor da Quaest, eleitores de Lula, que enxergam algum exagero nas acusações sobre Bolsonaro, tendem a relativizar suas posições. Ao mesmo tempo, o diretor da Quaest acredita que eleitores moderados de Bolsonaro, que enxergaram como graves as acusações contra o ex-presidente, tendem a ficar mais severos na avaliação sobre seus atos, para não se sentirem cúmplices de algo que acreditam ser errado.
Diretor da Quaest destaca o que chama de "efeito centrípeto de moderação dos eleitores de Bolsonaro e Lula". Pesquisa do instituto questionou tanto eleitores do presidente Lula (PT) quanto do ex-presidente sobre a influência de Bolsonaro sobre o 8/1. Entre os eleitores do petista, houve uma redução no percentual que acredita na influência de Bolsonaro: em dezembro de 2023, eram 76%. Já em dezembro de 2024, 60%. Entre eleitores do ex-presidente, eram 13% em dezembro de 2023 e 37% em dezembro do ano passado.
Investigações fragilizaram o bolsonarismo, diz cientista política do Cebrap. "Não há muito espaço para uma reivindicação de anistia, é muito difícil que os bolsonaristas voltem a pautar isso", afirma Camila Rocha. "Investigações tiveram um impacto importante no sentido de confirmar que Bolsonaro não só tinha conhecimento dos atos como participou com atos executórios e isso mudou a opinião dos eleitores", diz.
O eleitorado de Lula, em especial o moderado, tende a buscar uma postura conciliadora que privilegia a governabilidade, enquanto a base bolsonarista parece usar esse tema como uma bandeira de resistência.
Deysi Cioccari, cientista política da PUC-SP
As pessoas dissociam o 8 de janeiro das intenções golpistas de Jair Bolsonaro, dos altos escalões do governo, dos kids pretos, como se fossem duas coisas distintas. Mas as coisas tiveram conexões: a ideia era usar aquilo para causar um caos social e forçar uma intervenção militar. Esse entendimento ainda não atingiu as pessoas de forma geral.
Camila Rocha, pesquisadora do Cebrap
Pesquisa perguntou se Bolsonaro influenciou ataques
Metade dos brasileiros acredita que Bolsonaro teve algum tipo de participação na organização dos atos de janeiro de 2023. O levantamento divulgado na segunda-feira (6) mostra que 39% acreditam que o ex-presidente não teve participação nos ataques.
Os números demonstram um crescimento no percentual em relação aos dados de dezembro de 2023. Naquele momento, 47% dos entrevistados acreditava que Bolsonaro teria influenciado os atos. Já em fevereiro de 2023, eram 51% dos brasileiros que acreditavam que ele havia influenciado os ataques.
Levantamento revela mudança na percepção dos eleitores. "Vale destacar a mudança na tendência do ano passado para cá. Entre 23 e 24, parecia que haveria uma relativização da participação do ex-presidente na organização dos atos. Mas isso não se confirmou, sugerindo mudança significativa na percepção sobre o que aconteceu", afirma Felipe Nunes, diretor do Instituto Quaest.
Outro cenário da pesquisa, divulgado em dezembro, mostra que 48% dos brasileiros acreditam que Bolsonaro participou da tentativa de golpe de estado. Na contramão, 34% dos entrevistados defendem que ele não participou.
Eleitor moderado de Bolsonaro fica mais critico
Direita quer mostrar alinhamento com valores de ordem e autoridade, diz cientista política da PUC-SP. "A severidade crescente entre apoiadores de Bolsonaro em relação a esses atos reflete a manutenção de um discurso mais rígido dentro da direita, que utiliza esse posicionamento para consolidar identidades políticas mais alinhadas aos valores de ordem e autoridade", afirma Deyse.
A direita tem uma lição a aprender após resultados das eleições municipais do ano passado, afirma Nunes. "Eles se viram divididos. O eleitor da direita radical viu seus candidatos derrotados pelos candidatos da direita moderada. Esse tipo de pauta é determinante no comportamento do eleitor médio, e o comportamento da direita nesse caso pode significar derrotas ou vitórias para eles no futuro", diz o diretor da Quaest.
Direita usa pedido de anistia como pacificação nacional. Na avaliação da cientista política da PUC-SP, o que se observa entre os eleitores de direita são duas vertentes. "Por um lado, a condenação seletiva dos atos golpistas para buscar uma diferenciação em relação aos setores mais radicalizados", diz. "Por outro, a defesa da anistia como um argumento de pacificação nacional, tentando atrair o eleitor moderado que rejeita a punição ampla. Contudo, segundo ela, bolsonaristas falam em "uso político" das investigações como forma de deslegitimar a divulgação dos documentos.
Tema dos atos golpistas enfrenta desgaste
Dados da Quaest mostram "resiliência dos núcleos mais fiéis das bases eleitorais de Lula e Bolsonaro", aponta cientista política. Deyse acredita ainda que a relativização dos atos golpistas por parte de eleitores moderados de Lula pode estar associada ao "desgaste natural" do tema ou à "eficácia da narrativa de estabilização institucional promovida pelo governo atual".
"Resultados mostram que governo tem sido capaz de não politizar o tema", diz Nunes. "É assim que deve ser, se quiserem que a percepção pública não seja tomada por cores partidárias. Se o tema virar político, dificilmente o país sai dele unificado. É muito importante que as elites políticas continuem tratando este como um tema da democracia e não de governo."
Lideranças políticas ligadas ao governo poderiam explorar dados para reforçar a narrativa de defesa da democracia e da estabilidade institucional. "Isso poderia ser feito ao incluir o tema em campanhas educativas, discursos que associem eventuais avanços econômicos à pacificação política e estratégias de desmobilização das bases radicais opositoras". Contudo, o governo e o PT demonstraram preocupação com esvaziamento dos eventos programados para a quarta-feira.
Encerramento das investigações
Fim das investigações previsto para esse ano pode provocar efeitos distintos. "Para alguns, o encerramento dos trabalhos pode reforçar a legitimidade institucional e por fim a um capítulo polarizador; para outros, reacender tensões", afirma Deysi. "Uma tendência possível é que o tema perca centralidade, sendo substituído por novas disputas políticas ou econômicas."
Punição de culpados pode ser interpretada como parcialidade ou perseguição política por parcelas significativas do eleitorado, avalia cientista política. "Esse é o ponto maior. A redução efetiva da polarização dependerá mais de um esforço político de reconstrução do diálogo público do que das investigações em si."
Impacto do fim das investigações dependerá de como conclusões serão comunicadas, diz cientista política do Cebrap. "Certamente pode ter um impacto importante no eleitorado, no posicionamento dos políticos, da sociedade civil, dos movimentos sem anistia, vai depender de como tudo isso será comunicado. O tema é complexo e precisa ser comunicado de forma didática e simples."
Próximo passo será a manifestação da PGR em mais de uma denúncia contra indiciados. A provável denúncia deverá ser encaminhada ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito sobre a suposta tentativa de golpe de Estado. O caminho natural é que a denúncia seja apreciada pela Primeira Turma do tribunal composta por Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, atual presidente, Flávio Dino e Luiz Fux.
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