Já somos 500 mil

Brasil passa a casa de meio milhão de casos e torna-se epicentro da covid-19 no mundo

Aliny Gama, Anaís Motta, Carlos Madeiro e Igor Mello Do UOL, em São Paulo, Rio de Janeiro e Maceió Michael Dantas/AFP
NELSON ALMEIDA / AFP

Curva em ascensão

Passados 95 dias desde o primeiro caso oficial, o Brasil atinge a marca de meio milhão de infectados pelo novo coronavírus. O país agora soma 514.849 diagnósticos de covid-19, segundo os últimos números do Ministério da Saúde, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.

Enquanto países da Europa veem comércios e escolas reabrirem e ensaiam uma gradual volta à normalidade, o Brasil torna-se novo epicentro da pandemia no mundo.

O Brasil também soma 29.314 mortes. Com isso, só perde para EUA, Reino Unido e Itália no total de vidas perdidas para a doença. E somos um dos únicos países a ainda registrar mais de mil novas mortes pela doença diariamente —isso aconteceu quatro vezes na última semana.

Os números negativos dividem a atenção com o cenário político conturbado. Desde que a pandemia chegou, o país já assistiu a pedidos de demissão de dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, e do secretário nacional de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, além da saída do ministro da Justiça, Sergio Moro. No dia em que registrou tal marca, o Brasil viu manifestações em Brasília e também em São Paulo, que acabou em confusão.

Nesse meio-tempo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chamou a covid-19 de "gripezinha", incentivou e participou de aglomerações, entrou em atrito com prefeitos e governadores favoráveis ao isolamento social e fez piada com a hidroxicloroquina —medicamento que defende mesmo sem comprovação científica de sua eficácia.

E foi assim que chegamos aos 500 mil casos.

Reprodução/OMS

Brasil e EUA acima de 100 mil

Nos últimos sete dias, só dois países registraram mais de 100 mil contaminações, e lideram o ranking de casos no mundo.

No topo, os EUA, com quase 1,8 milhão de casos confirmados e 104 mil mortes pela covid-19. Em seguida, o Brasil, com números ainda bem menores, comparativamente. O primeiro demorou 81 dias para chegar a meio milhão de casos; o segundo, 95. Os norte-americanos têm cerca de 5.500 infectados por milhão de habitantes, segundo cálculos do Worldometers; os brasileiros, 2.400 por milhão.

Ainda que pareça estar longe de alcançar o patamar dos EUA, o Brasil não tem tantos motivos para relaxar.

Os dois países estão em momentos diferentes da pandemia. Tendo registrado seu primeiro caso oficial em 21 de janeiro, os EUA já não acumulam mais de 30 mil novos diagnósticos por dia desde 1º de maio, enquanto os brasileiros ultrapassaram essa marca em 30 de maio. Ambos ainda têm registrado mais de mil novas mortes por dia, mas o ritmo de aumento dos EUA é menor.

Além disso, há um abismo entre os dois países quando se trata de testagem. Em números absolutos, nenhum país do mundo testou tanto quanto os EUA: foram mais de 17 milhões de exames, ainda de acordo com o Worldometers —o equivalente a cerca de 52 mil por milhão de habitante. O Brasil sequer chegou à marca de 1 milhão, tendo feito apenas 930 mil testes —ou pouco mais de 4.300 por milhão de habitante. No ranking dos dez países com maior número de casos, em termos relativos, o país só testou mais que a Índia (2.600/milhão).

Hoje, Brasil e EUA só guardam semelhanças quanto à defesa da hidroxicloroquina —desafiando, inclusive, as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde)— e ao protagonismo que governadores e prefeitos têm exercido na ausência de um presidente que apoie medidas de isolamento social, consideradas fundamentais para conter o avanço do coronavírus.

E, segundo projeção feita pela Universidade de Washington, o Brasil pode se descobrir mais parecido com os EUA numa triste conquista, já que estudos calculam que o país deve registrar mais de 100 mil mortes por covid-19.

Países com mais casos registrados

  • 1

    Estados Unidos

    1.780.897

    Imagem: Divulgação
  • 2

    Brasil

    514.849

    Imagem: Reprodução
  • 3

    Rússia

    405.843

    Imagem: Getty Images
  • 4

    Reino Unido

    276.156

    Imagem: Reprodução
  • 5

    Espanha

    239.479

    Imagem: Wikimedia Commons
  • 6

    Itália

    232.997

    Imagem: Getty Images
  • 7

    França

    190.603

    Imagem: Wikimedia Commons
  • 8

    Alemanha

    189.009

    Imagem: Getty Images
  • 9

    Índia

    183.410

    Imagem: Reprodução
  • 10

    Turquia

    163.942

    Imagem: Divulgação
YVES HERMAN/REUTERS

Mais de 200 mil recuperados

Apesar de os números assustarem, o Brasil tem um alto índice de pessoas que conseguiram superar a covid-19. No último sábado, mesmo dia em que batemos o recorde de casos registrados nas últimas 24 horas, o país ultrapassou a barreira dos 200 mil recuperados. A taxa de letalidade da doença é de 5,7% por aqui.

O governo ainda acompanha outras 268 mil pessoas que já foram diagnosticadas com a doença e estão em tratamento.

Eles venceram a doença

  • Bebê "Mulher Maravilha"

    Em Tocantins, a semana foi de vitória para a bebê Débora Cristhina, de apenas um mês, que deixou o hospital Dona Regina, em Palmas, após 22 dias internada --14 deles totalmente isolada dos familiares. Ela nasceu de parto prematuro e, depois de um período na UTI, foi diagnosticada com covid-19. Foi o primeiro bebê a ser diagnosticado com a doença no estado. Deixou o hospital vestida de Mulher Maravilha.

    Imagem: Divulgação/Governo do Tocantins
  • 29 dias de isolamento

    A jornalista Laryssa Sátiro teve de ficar isolada quase um mês para ter a certeza que não tinha mais o coronavírus. "Eu fiquei 15 [dias isolada] por segurança, quando fiz o exame jurava que já estava boa e com imunidade, mas ainda estava com o vírus ativo. Daí tive que voltar para mais 10 dias de isolamento." Ela chegou a fazer uma tomografia e o resultado mostrou 25% de comprometimento de seu pulmão. "Foi assustador demais."

    Imagem: Acervo Pessoal
  • Água com gosto ruim

    O professor Ricardo Mion teve diagnóstico da doença nesta semana depois de apresentar sintomas leves durante dez dias. Ele até comemorou o fato de não ter perdido o paladar e o olfato, mas acabou com uma novidade em sua vida ao tomar água. "Isso foi a única coisa que não tive problema, mas mudou o gosto da água. A água pra mim tem um gosto horrível agora. Por conta disso, troquei a água por limonada."

    Imagem: Acervo Pessoal
  • Médicos também pegam

    Na linha de frente do combate ao vírus, os médicos também têm se contaminado pelo país. O infectologista José Noronha Vieira Júnior, diretor-geral do Instituto de Doenças Tropicais Natan Portella, em Teresina, foi um deles. Ele pegou a doença de uma pessoa da família. Inicialmente, ficou isolado em casa, mas os sintomas pioraram e ele acabou na UTI, com falta de ar e elevação dos batimentos cardíacos. Na sexta (29), ele teve o diagnóstico de cura, após dias que "não foram fáceis".

    Imagem: Acervo Pessoal
Acervo Pessoal

Na tela da TV

A TV Clube, afiliada da Globo no Piauí, teve um pequeno surto de casos de covid-19. O caso mais famoso foi de Marcelo Magno, que chegou a apresentar o Jornal Nacional e foi parar na UTI antes de se recuperar. E foi justamente o contato com o jornalista que fez Clarissa Castelo Branco, sua companheira de emissora, pegar a doença.

A princípio, ela achava que tinha uma gripe forte, mas já tinha a sensação de que essa era diferente das demais que teve na vida. Foram longos 30 dias até o diagnóstico até a cura sem nenhum sintoma.

"Enquanto eu relatava o que sentia, a médica passou a encher a mesa de álcool, foi daí que me toquei que poderia estar realmente com covid-19. Era tudo muito inicial, que nem máscara eu tinha para usar".

"O esgotamento físico era intenso que quando eu ia tomar banho para lavar o cabelo sentia vontade de chorar porque estava muito debilitada".

Apesar de toda a dificuldade, a jornalista fez quase todo o tratamento em casa. Ela foi ao hospital apenas para fazer uma tomografia para avaliar seu pulmão e um teste para medir a sua saturação.

Países com mais mortos por covid-19

  • 1

    Estados Unidos

    104.115

    Imagem: Divulgação
  • 2

    Reino Unido

    38.571

    Imagem: Reprodução
  • 3

    Itália

    33.415

    Imagem: Getty Images
  • 4

    Brasil

    29.314

    Imagem: Reprodução
  • 5

    França

    28.805

    Imagem: Wikimedia Commons
  • 6

    Espanha

    27.127

    Imagem: Wikimedia Commons
  • 7

    México

    9.779

    Imagem: Reprodução
  • 8

    Bélgica

    9.467

    Imagem: Wikimedia Commons
  • 9

    Alemanha

    8.540

    Imagem: Getty Images
  • 10

    Irã

    7.797

    Imagem: Reprodução

As frases do presidente

  • 10 de março

    Temos, no momento, uma crise, uma pequena crise. No meu entender, muito mais fantasia

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  • 20 de março

    Depois da facada, não vai ser uma "gripezinha" que vai me derrubar

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  • 22 de março

    O número de pessoas que morreram de H1N1 foi mais de 800 pessoas. A previsão é não chegar aí

    Leia mais
  • 24 de março

    Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria

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  • 12 de abril

    Parece que está começando a ir embora essa questão do vírus

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  • 20 de abril

    Ô, ô, ô, cara. Quem fala de... eu não sou coveiro, tá?

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  • 28 de abril

    E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre

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  • 20 de maio

    Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda, Tubaína

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Ayrton Vignolla/Folhapress

Por que chegamos aqui

Ministro da Saúde entre 2007 e 2011, José Gomes Temporão vê uma série de erros que levaram o país ao patamar de hoje.

"Com uma doença nova, desconhecida e agressiva, a melhor conduta é ouvir a ciência e adotar as medidas propostas pelas autoridades sanitárias. Foi exatamente o que o Brasil não fez. Desde o início o presidente da República, que é o principal responsável pela situaçao atual, se engajou em uma militância anticiência que dura até hoje", critica.

Temporão avalia que houve uma série de problemas no planejamento para o enfrentamento da covid-19 —como a falta de testagem e busca por casos com ajuda da estrutura de saúde da família, além da ênfase em tratamentos sem comprovação científica, como a hidroxicloroquina. Ele também destaca que a falta de uma rede de proteção social adequada diminuiu a adesão ao isolamento social e fragilizou a contenção da pandemia.

"Para enfrentar uma situação como essa em um país com tanta desigualdade deveria haver uma mobilização da economia, do empresariado e da sociedade para proteger as pessoas mais vulneráveis. Isso explica um fenômeno muito importante, que é a adesão relativamente baixa ao isolamento social".

A visão é parecida com a de Fernando Rosado Spilki, presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia). "As mensagens dúbias e equivocadas que ocorreram por parte de governantes dos diferentes níveis, que em algum momento minimizou o impacto da doença e da epidemia. Outra coisa determinante também foi que nós não assumimos a responsabilidade de fazermos o isolamento logo de início e sério, que de fato restringisse a disseminação inicial do vírus. Nós fizemos algo misturado meio incompleto, e no fim chegamos essa marca lamentável seguramente hoje."

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