O céu de SP está mais limpo

Quarentena também diminuiu o trânsito e a poluição atmosférica. Menos carros na rua, mais azul no horizonte

Breno Castro Alves Colaboração para o UOL, em São Paulo André Porto/UOL

Nas últimas noites, muitos paulistanos voltaram a ver estrelas. De dia, está mais fácil ver o sol.

"A cor azul do céu é a reação natural entre a atmosfera limpa e a luz solar", informa Maria de Fátima Andrade, professora do Instituto de Astronomia e Geofísica (IAG) da Universidade de São Paulo.

Fora da quarentena, o céu paulistano não é azul. O dióxido de nitrogênio embaça as manhãs e tardes com tons de laranja, enquanto a fuligem deita uma manta cinza e marrom quase permanente sobre a cidade. Ambos são resultado, em grande parte, da queima da gasolina.

Nos últimos dias, porém, pairando sobre uma metrópole que se viu obrigada a desacelerar na tentativa de barrar o avanço do coronavírus, que já matou 77 no país, o céu de São Paulo está mais limpo.

Às 9h da última sexta (27), horário de pico, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) reportava zero quilômetro de trânsito na cidade — uma raridade. O pesquisador Edmilson Dias de Freitas, colega de Maria de Fátima no mesmo IAG, relata queda expressiva de todos os poluentes.

A concentração de tolueno, composto tóxico presente na combustão da gasolina e nas antigas colas de sapateiro, caiu mais de 50 vezes, segundo Edmilson. O monóxido de carbono, responsável por doenças respiratórias, está abaixo do que o instrumento consegue captar.

Na São Paulo de quarentena, os dias voltaram ao azul celeste natural de seu outono seco.

E as noites podem se dar um luxo: haverá estrelas.

O mesmo fenômeno foi observado em diversas cidades que atravessam quarentena. Lisboa reporta queda de 51% no dióxido de nitrogênio, enquanto Roma observou uma redução de 35%, e Barcelona, de 55%. Nos EUA, São Francisco e Nova Iorque reportam melhora, enquanto a China relata que a queda decorrente da quarentena terá impacto significativo em suas emissões totais deste ano.

Fei Li, pesquisador de qualidade atmosférica na Nasa, declarou que essa foi a queda mais expressiva de poluição que ele presenciou em sua carreira.

Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL

Profissionais que trabalham com a luz, os fotógrafos sabem que o pôr e o nascer do sol são as horas mágicas, que normalmente rendem boas fotos. André Porto, autor das fotos diurnas desta reportagem, saiu de casa na hora do almoço, "um horário meio errado", confessa.

"Mas a luz estava incrível, tudo muito claro, um azul do céu fora do comum. Dá para sentir que mudou, a cidade está com outra luz".
André Porto, fotógrafo

André Porto/UOL André Porto/UOL

Mais de 80% da poluição paulistana vem dos veículos, afirma a professora Maria de Fátima, que prevê:

"Os meses de inverno seriam os mais poluídos do ano, mas veremos o contrário".

Ela sabe que toda esta situação, apesar do preço terrível, será um exemplo de nossa capacidade de corrigir problemas ambientais. Para ela e seus colegas, a queda brusca na poluição, que normalmente é um cenário teórico, se apresenta agora como desafio de pesquisa.

Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL

As fotos noturnas que acompanham este texto são de Simon Plestenjak, que saiu de casa sob céu estrelado levando seu tripé. Caminhou pela região do parque do Ibirapuera, que já estava fechado para a quarentena, de olhos no céu, buscando distância de luzes artificiais.

Fez imagens de longa exposição.

"Nunca vi o céu tão limpo em São Paulo. O silêncio também impactou, ninguém na rua, nem carro, nem pessoa. Foi uma experiência cósmica. Encarei como uma saída necessária no meio da quarentena, é missão do fotógrafo fazer imagens. Foi demais", avalia.

André Porto/UOL André Porto/UOL
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