Três amigos e cabos eleitorais do senador Romário (PL-RJ) receberam dinheiro do esquema que já beneficiou outros aliados do partido do ex-jogador: a participação em bolsas de pesquisa sob suspeita pagas com verbas da Uerj.

Os boleiros Fabio Braz, Ademar Braga Júnior e Daniel Bove embolsaram R$ 69,7 mil cada um para atuar em um programa ligado à inovação em escolas estaduais no primeiro semestre de 2022.

Em comum, além do valor pago, está o fato de que nenhum dos "parças" conseguiu esclarecer o trabalho realizado. Romário e a universidade também não.

Procurados pelo UOL, Bove e Braga Jr. disseram ter trabalhado em ações que nada têm a ver com o plano do projeto. Braz não soube dizer o que fazia e admitiu que recebeu a verba enquanto estava confinado em um reality show com subcelebridades na Record.

No mês seguinte, o trio foi convocado para ajudar a reeleger Romário senador.

Romário nega ter indicado amigos

Romário confirma que Braz, Bove e Braga Jr. trabalharam em sua campanha, mas nega que tenha indicado os amigos para o projeto na Uerj.

"Eu só indico pessoas do meu gabinete", disse em entrevista ao UOL.

A reportagem perguntou se ele saberia dizer qual trabalho foi desenvolvido pelos amigos na universidade. "Você tem que perguntar à Uerj", rebateu o senador.

Procurada, a universidade não comentou os serviços prestados pelos parças de Romário.

Uma comissão da Uerj recomendou que a procuradoria-geral da instituição investigue o projeto de pesquisa que contratou os três.

Um mês atrás, o UOL revelou que o esquema milionário de bolsas sob suspeita na Uerj atingia até a família de um procurador da universidade.

Fabio Braz, o parça influenciador e figurinha de reality

Ex-zagueiro do Corinthians e do Vasco, Fabio Braz é conhecido e retratado nas redes sociais como um dos melhores amigos de Romário.

Desde que deixou os gramados, em 2018, o ex-jogador investe na carreira de influenciador digital, com mais de 225 mil seguidores só no Instagram. Também se aventura no OnlyFans, com publicações de conteúdo adulto desde 2021.

Em janeiro de 2022, Braz foi contratado pela Uerj para atuar no projeto ECO (Escola Criativa de Oportunidades).

Entre junho e julho, porém, ele esteva confinado no reality show Ilha Record 2, uma espécie de caça a "tesouros" que reuniu subcelebridades em Paraty (RJ).

Nesse período, não deixou de receber o dinheiro da bolsa na universidade —um valor total de R$ 20,5 mil.

O UOL procurou Braz por telefone.

UOL - Você se lembra que tipo de serviço prestou para a Uerj?
Fabio Braz - Lembro, lembro, sim.

O que foi exatamente?
Não entendi. Como assim?

Qual era exatamente o serviço?
Ajudava, auxiliava no que eu podia. Na verdade, eu estava mais aprendendo. Eu estava sendo auxiliado lá, mais aprendendo o trabalho. Mas aí eu saí quando fui participar do reality.

Durante o reality, a Uerj continuou a fazer os pagamentos. Como foi isso?
Isso aí eu não sei porque eu saí.

Mas você tem ciência que recebeu nesse período?
Então, eu recebi, só que eu não estava mais trabalhando, eu pedi pra sair. Mas aí eu vi depois que tinha caído lá [o dinheiro na conta].

Mas aí você devolveu o dinheiro?
[silêncio] Aí, eu não sei, tenho que ver com a minha assessoria.

UOL - Sobre o serviço que você fez, você disse que era mais para aprender?

Braz desliga o telefone.

Assim que deixou o reality, Braz foi contratado pela campanha de Romário como voluntário.

Ele não recebeu pagamentos, mas seu trabalho foi avaliado em R$ 300, como uma doação de campanha.

Os serviços foram descritos como ações de rua realizadas em duas semanas de agosto, mês seguinte ao fim de seu vínculo com o projeto da Uerj.

Nas redes sociais, o ex-jogador manifestou apoio à candidatura do amigo. Em 27 de agosto, postou uma foto com uma camiseta da "equipe Romário" e escreveu:

Tô fechado com ele não por amizade, e sim pelo que já vi ele fazendo nesses longos anos à frente do parlamento (...) No que precisar de mim, darei a minha vida pra que essa vitória seja certa!

Fabio Braz, ex-jogador de futebol

Daniel Bove, o parça fisioterapeuta e tesoureiro de campanha

A relação de Daniel Bove e Romário vem de 2006, quando ele trabalhou como fisioterapeuta do Baixinho.

Como o amigo famoso e tetracampeão, Bove também acabou enveredando para a política.

Em 2015, foi nomeado assessor na Secretaria Municipal de Esportes do Rio, comandada por Marcos Braz, aliado político de Romário à época.

Em 2019, o fisioterapeuta trabalhou no gabinete de Romário em seu primeiro mandato no Senado. No segundo semestre de 2022, atuou como tesoureiro na campanha de reeleição do Baixinho, recebendo R$ 13 mil no total.

Atualmente, Bove tem um cargo no governo de Cláudio Castro (PL), no RJ. É superintendente de projetos para a educação especial da Secretaria Estadual de Educação, com salário de pouco mais de R$ 4.000.

Tal qual o primeiro "parça", Bove também aparece na lista de pagamentos do projeto de pesquisa da Uerj, com um valor de R$ 69,7 mil.

Bove ressaltou que foi selecionado por ter "experiência no cenário da pessoa com deficiência", uma das principais bandeiras de Romário no Senado. Ele nega, no entanto, ter sido indicado pelo amigo para trabalhar na Uerj.

O projeto ECO (Escola Criativa de Oportunidades), para o qual foi contratado, não tem relação direta com educação de pessoas com deficiência.

No papel, os quatro eixos do programa eram a conservação de escolas, gestão estratégica com foco em uso de tecnologia, oficinas de arte para alunos em situação de extrema pobreza e cursos de qualificação profissional de docentes.

Ademar Braga Júnior, o parça de Jurerê

Ademar Braga Júnior também recebeu verbas no projeto ECO, da Uerj.

Pelo WhatsApp, ele afirmou que foi contratado para desenvolver ações voltadas a alunos com deficiência.

Ex-jogador sem grande projeção no futebol, Braga Júnior é filho de Ademar Braga, que foi fisioterapeuta de Romário quando ele começou a carreira profissional no Vasco.

Braga Jr. recebeu R$ 4.500 da campanha do senador, no ano passado, para atuar como cabo eleitoral do amigo em ações de panfletagem.

Em 9 de outubro, após a confirmação da reeleição, Braga postou uma selfie com Romário e outros "parças".

A mesma imagem foi replicada nas redes de Fabio Braz, que entrega o destino da comemoração: "Open bar de lotação! Partiu Jurerê!", diz, referindo-se à praia badalada de Florianópolis.

Como funcionam as bolsas 'secretas' da Uerj

Os três amigos de Romário contratados no projeto da Uerj não passaram por processo público de seleção nem tinham que cumprir carga horária.

Na maior parte do período em que estiveram contratados (entre janeiro e julho do ano passado), suas remunerações mensais foram de R$ 8.200.

Em julho, um dos meses em que Braz esteve no reality, o valor foi de R$ 12.300.

Ao todo, os três receberam do projeto de pesquisa R$ 69,7 mil cada um.

Em uma relação de bolsistas do projeto ECO à qual o UOL teve acesso, os nomes dos amigos de Romário são acompanhados de uma justificativa padrão para a contratação:

Competência e capacidade prática e/ou teórica na execução da atividade a ser desenvolvida

O projeto pagou ao menos R$ 102 milhões em remunerações a bolsistas, segundo folhas de pagamento de agosto de 2021 a agosto de 2022.

O programa foi encerrado em dezembro.

As folhas secretas da Uerj

Revelado pelo UOL em agosto do ano passado, o esquema de bolsas de pesquisa suspeitas na Uerj mostra pagamentos de até R$ 359 milhões em projetos bancados com dinheiro de secretarias e órgãos do governo Cláudio Castro.

As verbas aparecem em folhas de pagamento mantidas em sigilo pela universidade, às quais o UOL teve acesso.

A lista de nomeados incluía aliados do governador e apoiadores de deputados bolsonaristas. Na ocasião, o governo do Rio negou irregularidades na ocupação de cargos nos programas da Uerj.

O UOL já revelou que ao menos três deputados do PL —Rodrigo Bacellar, Dr. Serginho (estaduais) e Soraya Santos (federal) usaram a Uerj para pagar cabos eleitorais. Eles negam ter influência política sobre os projetos.

A prática gerou investigações no TCE-RJ, na Procuradoria Regional Eleitoral e no Ministério Público do Rio.

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