Uerj pagou R$ 5 milhões a parentes e amigos de procurador e esposa
A esposa, a sogra, o cunhado, ex-sócios e até um ex-personal trainer do procurador da Uerj Bruno Garcia Redondo aparecem em uma lista de 18 pessoas que receberam, em pouco mais de um ano, R$ 5 milhões em verbas públicas para bolsas de pesquisa sob suspeita.
Os pagamentos estão registrados nas chamadas folhas secretas da Uerj, reveladas pelo UOL em 2022. Elas listam valores pagos, sem transparência, em projetos de extensão financiados com recursos do governo entre janeiro de 2021 e agosto de 2022. Parte desses dados se tornou pública após o Tribunal de Contas do Estado do RJ ter solicitado as folhas de pagamento à Uerj.
Considerado um dos homens mais poderosos junto à reitoria da Uerj, o procurador Redondo foi coordenador em dois desses projetos. Por eles, recebeu R$ 375,5 mil brutos, entre junho de 2021 e agosto de 2022, sem contar seu salário mensal de mais de R$ 20 mil.
A esposa do procurador, a advogada Fernanda de Paula Fernandes de Oliveira, recebeu R$ 180 mil brutos em um desses projetos. Funcionária comissionada da Secretaria Estadual de Agricultura, ela foi nomeada para um projeto de inovação em escolas públicas.
Além de Fernanda e Redondo, a Uerj também pagou bolsas a parentes e amigos do casal.
- Mãe de Fernanda e sogra de Redondo, a funcionária pública Leila Maria de Paula Valim recebeu repasses de R$ 202 mil* em projeto com jovens infratores.
- Padrasto de Fernanda, o marceneiro Esrael Gomes Valim recebeu R$ 208 mil em projeto ligado à segurança pública. O irmão dele, Elias Gomes Valim, também aparece na lista, com R$ 158 mil pagos em um projeto com jovens infratores.
- Tios de Fernanda, os advogados Márcia Cristina Fernandes de Oliveira e Lorival Almeida de Oliveira receberam R$ 138 mil e R$ 394 mil, respectivamente.
- Irmão de Fernanda, Filipe de Paula ganhou R$ 394 mil. Ele trabalha na Procuradoria do Município de Belford Roxo, onde recebe salário de R$ 2.400.
- Ex-personal trainer de Redondo, Anderson Lima Tuller recebeu R$ 406 mil para, segundo ele, participar de banca de seleção de profissionais dos projetos, aplicando questionários e auxiliando em relatórios.
- Ex-sócios de Redondo, os advogados e irmãos Gustavo Junqueira Carneiro Leão e Tiago Junqueira Leão também foram pagos em projetos com folhas secretas. O primeiro recebeu R$ 509 mil. E Tiago, cerca de R$ 143 mil.
(* Todos pagamentos citados na reportagem se referem aos valores brutos, informados nas folhas de pagamento da Uerj. Outras pessoas do círculo do procurador e sua esposa também foram contempladas com bolsas; veja a lista completa e os valores no infográfico mais abaixo)
O procurador Bruno Garcia Redondo nega que tenha tido influência nas nomeações.
Embora tenha atuado como coordenador de Relações Institucionais nos dois projetos em que a maioria dos parentes e amigos do casal esteve alocada —de segurança pública e sócio-educativo—, o procurador diz em nota que as contratações só podem ser feitas pelo coordenador-geral, que não era o seu caso.
Redondo confirma, porém, que divulgou as vagas para toda a sua rede de contatos.
Como conhecido professor há mais de 15 anos de duas renomadas faculdades, de minha parte sempre ajudei e continuarei ajudando na divulgação de todas as oportunidades acadêmicas, profissionais e de estágio que eu tiver conhecimento. Tenho dois perfis no Instagram, o maior deles com mais de 135 mil seguidores e mais de 13 mil contatos gravados em minha agenda telefônica, razão pela qual enviei, envio e continuarei enviando avisos de seleções (por mim não conduzidas) por redes sociais, lista de transmissão e grupos de WhatsApp aos meus mais diversos círculos de contatos (colégio, faculdade, pós, trabalho, serviço público, concursos, cursinhos, advocacia, amigos, família, esporte, academia, igreja etc).
Bruno Redondo, procurador da Uerj, em nota ao UOL
Também em nota, a Uerj afirma que as bolsas foram extintas em 2022 e que os contratados tinham experiência profissional compatível com as funções que exerceram nos respectivos projetos.
Os bolsistas alegam que prestaram serviços à universidade e que passaram por um processo simplificado de seleção —o qual não é público. Pelas regras da Uerj, eles não foram obrigados a cumprir carga horária. Leia aqui a íntegra das respostas.
Uerj muda regras sobre nepotismo
Um dia após o UOL procurar os parentes da esposa do procurador (veja mais abaixo), a Uerj mudou regras sobre combate ao nepotismo na universidade.
A nova norma estabelece que não configura nepotismo se não existir "subordinação funcional ou hierárquica direta entre as nomeadas ou entre as nomeadas e a autoridade nomeante".
Autoridades nomeantes, diz a Uerj, "são apenas o reitor, pró-reitores, superintendente geral de Projetos Especiais e/ou coordenador geral de cada projeto".
Redondo, portanto, não se enquadra.
O que diz o STF? No setor público, é proibida a contratação de parentes —inclusive sogra e cunhado— de pessoas com cargos de chefia ou assessores.
Mas o tema não é pacificado nos tribunais. Em decisão de 2018, o ministro Alexandre de Moraes disse que o nepotismo só é caracterizado quando o contratado é subordinado a quem contratou.
Por outro lado, há entendimentos recentes do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de que, se houver a "potencialidade de influência" do servidor na contratação, não há necessidade de subordinação para que o nepotismo seja caracterizado.
Apesar de nenhum dos casos indagados ser ilegal, em dezembro/2022 a Reitoria criou regras mais rígidas do que a própria legislação e trouxe proibições de parentesco em projetos.
Nota da Reitoria da Uerj ao UOL
Aconteceu antes do casamento
Como procurador da Uerj desde 2012, cabe a Redondo zelar pela legalidade dos atos da universidade.
Em setembro passado, após as primeiras denúncias do UOL sobre pagamentos de projetos nas chamadas folhas secretas, ele redigiu um parecer defendendo os mecanismos de contratação utilizados para pagar, inclusive, pessoas ligadas a ele.
O UOL teve acesso ao documento, mas durante a apuração desta reportagem o processo original em que o parecer foi publicado sumiu do sistema público do governo estadual.
Redondo foi também chefe de gabinete da reitoria durante parte do período em que amigos e parentes foram contratados, mas nega que o cargo lhe conferisse tal poder. Ele afirma inclusive que nem sequer era casado com Fernanda no papel quando as nomeações aconteceram.
Casei com minha esposa no cartório em dezembro de 2022, ou seja, os parentes dela não eram meus colaterais até aquela data. Ela ou seus parentes entraram em projetos 8 meses antes de eu exercer a função de chefe de gabinete e 18 meses antes de meu casamento civil.
Bruno Redondo
Mas o procurador e sua esposa gostavam de compartilhar seus melhores momentos nas redes sociais. Fotos do início de 2021 mostram que o casal já se relacionava.
No final daquele ano, Redondo e Fernanda fizeram a cerimônia religiosa e uma festa de casamento, com direito a vestido de noiva e lua de mel em hotel de luxo no Nordeste —que acabou rendendo até processo contra a companhia aérea pela qual viajariam.
O marceneiro, o personal e os antigos sócios
Em 23 de novembro, o UOL esteve em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, onde mora parte dos parentes de Fernanda.
Em uma casa simples, encontrou o marceneiro Elias, irmão do padrasto da advogada, que recebeu R$ 158 mil da universidade.
Constrangido com as perguntas sobre a participação no projeto da Uerj, ele se calou. Sem conseguir responder, fechou a porta e saiu de carro minutos depois.
No mesmo dia, o UOL procurou Filipe de Paula, irmão de Fernanda, na procuradoria do município. A recepcionista disse que o chamaria. Em seguida, informou que Filipe havia saído e não voltaria mais.
No fim daquela tarde, o UOL também entrou em contato com Rafael de Oliveira Felício, colega de trabalho de Filipe de Paula.
Por WhatsApp, Felício disse que não foi indicado por ninguém e que, nos programas, realizou análise de dados e pesquisas jurídicas e acadêmicas. Apesar de receber por dois programas, Felício se referiu a apenas um projeto. Questionado sobre a contradição, não respondeu mais.
A mãe e o padrasto de Fernanda não foram encontrados.
O UOL também procurou o dono de lotérica e professor de educação física Anderson Lima Tuller. Ele confirmou que chegou a atuar como personal trainer de Redondo, mas disse que parou há cerca de dois anos após uma contusão do amigo.
Alocado em projetos da Uerj nas áreas de segurança pública e sócio-educativa, o ex-personal negou ter sido indicado pelo procurador.
Você perguntou do Bruno [Garcia Redondo], também recebi mensagens encaminhadas por ele com os prints da Uerj, mas ele não coordena o projeto, o coordenador é um senhorzinho experiente, professor Oswaldo, muito respeitado na Uerj, que monopoliza tudo e coordena com unhas e dentes os projetos e as pessoas.
Anderson Lima Tuller, ex-personal trainer do procurador da Uerj
Entre suas atividades, Tuller disse que participou da banca de seleção de profissionais dos projetos, aplicou questionários e auxiliou em relatórios. O personal reclamou da falta de auxílio para gasolina, pois teria usado o próprio carro para trabalhar.
Entre as 20 pessoas que mais receberam pelos projetos da Uerj, sete têm relação direta ou indireta com Redondo ou Fernanda. Dois deles são ex-sócios do procurador da Uerj.
O advogado Gustavo Junqueira Carneiro Leão é colega de Redondo na PUC-Rio, onde os dois são professores da faculdade de Direito. A relação evoluiu para o campo dos negócios: eles foram sócios em uma câmara de arbitragem, já fechada. Tiago, irmão de Gustavo, também era sócio na empresa.
Gustavo e Tiago foram contratados em projetos realizados entre 2021 e 2022. O primeiro recebeu R$ 509 mil em dois projetos, nos quais atuou como coordenador e assessor. Tiago atuou com Gustavo em um desses projetos, pelo qual recebeu R$ 143 mil.
Outro irmão dos advogados também aparece na lista de pagamentos da Uerj. O desenvolvedor de software Otávio Junqueira Carneiro Leão ganhou R$ 142 mil.
Gustavo diz que não foi indicado para atuar na Uerj por Redondo, mas pelo coordenador geral dos projetos. Também afirma que não indicou os irmãos às bolsas.
Tanto o Tiago quanto o Otávio submeteram seus currículos para a Uerj e foram aprovados no processo seletivo do programa. Ambos gozam de formação e qualificações exemplares, tendo se destacado tanto na seleção junto à universidade, quanto posteriormente na dedicação e na execução das tarefas de pesquisa que lhes foram atribuídas.
Gustavo Leão, professor e ex-sócio de Redondo
As folhas secretas da Uerj
Reveladas pelo UOL em agosto de 2022, as folhas secretas da Uerj mostram pagamentos de até R$ 359 milhões em projetos milionários bancados com dinheiro de secretarias e órgãos do governo Cláudio Castro (PL). Para as funções com remunerações mais altas, não houve processo seletivo público e carga horária definida.
A lista de nomeados incluía aliados do governador e apoiadores de deputados bolsonaristas.
Na ocasião, o governo do Rio negou que tivesse havido irregularidades na ocupação de cargos nos programas da Uerj.
A prática gerou investigações no TCE-RJ, na Procuradoria Regional Eleitoral e no Ministério Público do Rio.
Durante a apuração desta reportagem, dados enviados pela Uerj ao TCE-RJ, que estavam públicos no sistema de processos do governo, foram colocados de novo em sigilo pela instituição. Ao UOL a Uerj alegou seguir a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
No início de fevereiro, Bruno Redondo solicitou o seu desligamento da chefia do gabinete, "por questões particulares", para assumir o cargo de chefe de Relações Jurídicas Institucionais da reitoria. Após o contato da reportagem, o procurador tirou do ar sua página no Instagram, que contava com mais de 100 mil seguidores.
Em resposta ao UOL, a reitoria da Uerj informou que os projetos mencionados já foram concluídos e os contratados não têm mais vínculo com a universidade pelo menos desde dezembro de 2022.
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