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RJ usou também Uerj para empregar aliados políticos com folhas secretas

O governador Cláudio Castro em inauguração da nova sede do CAP-Uerj, em março - Rafael Campos/Governo do Rio de Janeiro
O governador Cláudio Castro em inauguração da nova sede do CAP-Uerj, em março Imagem: Rafael Campos/Governo do Rio de Janeiro

Do UOL, no Rio

13/08/2022 04h00

Mais de meio bilhão de reais injetados em programas com folhas de pagamento secretas —sem transparência—, indícios da prática de saques de remunerações em dinheiro vivo na boca do caixa e emprego de aliados políticos.

Investigação do UOL revela agora que suspeitas semelhantes às observadas no escândalo dos cargos secretos da Fundação Ceperj também atingem a Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), outra instituição ligada ao governo Cláudio Castro (PL).

Levantamento do UOL mostra que 11 secretarias ou órgãos do governo transferiram —só neste ano— para a Uerj ao menos R$ 593,6 milhões para 18 projetos com folhas de pagamento sem transparência.

Quais indícios aproximam a Uerj do escândalo da Ceperj? Assim como no caso da Ceperj (Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro), projetos da Uerj foram abastecidos com vultosas somas a partir de repasses de secretarias ou órgãos do governo.

Funcionários empregados em ao menos 20 mil cargos secretos na Ceperj sacaram —só neste ano— R$ 226 milhões na boca do caixa, segundo o Banco Bradesco. A mesma instituição agora alerta a direção da Uerj para a ocorrência da prática em pagamentos da universidade.

Conheça indícios de que a Uerj também abriga contratações com uso político:

  • Parte dos R$ 593,6 milhões --a Uerj alega que é um pequeno percentual-- vinha sendo usada para pagamentos na boca do caixa, com retirada do dinheiro em espécie. O movimento foi detectado pelo Bradesco que, no dia 2, mandou um ofício à universidade informando que os pagamentos seriam suspensos se os funcionários não abrissem conta-corrente, o que foi acatado pela Uerj;
  • O UOL apurou que ao menos um dos programas da Uerj empregou aliados políticos do braço direito de Cláudio Castro e líder do governo na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), o deputado estadual Rodrigo Bacellar (PL), com salários de até R$ 16 mil. Ele é apontado como um dos articuladores dos cargos secretos na Ceperj;
  • Esses 18 programas da Uerj não disponibilizam os pagamentos dos contratados no Portal da Transparência do governo do Rio ou em site que permita o acompanhamento atualizado das remunerações. O UOL localizou folhas de pagamentos de apenas quatro deles e, ainda assim, relativas a 2021;
  • Não foi possível estimar o total de funcionários envolvidos, o que também não foi informado pela Uerj. O UOL só conseguiu acesso a listagens de nomes do ano passado de quatro dos programas;
  • Pareceres da Procuradoria de Contratos, Licitações, Convênios e Orçamento da Uerj questionaram a falta de informações sobre a forma de remuneração e sobre as identidades dos contratados em programas da universidade;


O que dizem o governo do RJ e a Uerj? O governo do RJ contesta o valor de R$ 593,6 milhões e diz que as transferências para a Uerj neste ano são da ordem de R$ 448 milhões.

Segundo o Executivo, "os valores das mencionadas descentralizações [transferências] não se resumem a pagamento de pessoal" e envolvem licitações de serviços e compras de materiais e imóveis.

Questionado sobre a falta de transparência dos programas, o governo diz que o Portal da Transparência da Uerj "já está sendo totalmente revisto, sendo em breve abastecido com detalhamento atualizado de todos os projetos".

A Uerj defendeu os programas, afirmando que se enquadram "na condição de iniciativas de inovação, ensino, pesquisa e extensão universitária", seguindo legislações estadual e federal. "Todos os projetos são objeto de prestação de contas ao fim de cada ano, tendo, sempre, todas as suas contas aprovadas no Conselho de Curadores e Auditoria Interna da Uerj, além do Tribunal de Contas do Estado."

O governo do RJ diz que os coordenadores de todos os projetos são professores da Uerj concursados, mas não informou a identidade deles. Os temas desses projetos são diversos —de prevenção à violência contra a mulher à qualificação profissional, passando por alfabetização e combate à LGBTQIA+Fobia.

Procurados, o deputado Rodrigo Bacellar, o governo do Rio e a Uerj negaram que tenha havido irregularidades na ocupação de cargos em programa da Uerj. Apesar de Bacellar não ser mais secretário, a nota enviada primeiramente pela assessoria de imprensa dele é idêntica à da pasta.

Cláudio Castro disse ter proposto um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) ao MP-RJ para "corrigir rumos" dos programas da Ceperj. Ele também determinou a criação de uma comissão de auditoria para apurar as denúncias contra o órgão.


Quem são e quanto ganharam aliados de Bacellar na Uerj? O programa usado para empregar pessoas ligadas ao deputado foi o Observatório Social da Operação Segurança Presente.

Com previsão de durar até dezembro, o projeto é orçado em R$ 124,5 milhões e prevê gastar 99,7% dessas verbas com pessoal. Não há transparência sobre as contratações e, até agora, só foram disponibilizadas informações de 2021.

Com base em listas de contratados relativas ao ano passado, o UOL encontrou auxiliares de Bacellar na Segov, assessores de vereadores aliados do deputado em Campos dos Goytacazes —cidade do Norte Fluminense reduto do deputado—, além de pessoas ligadas a outros políticos que apoiam o governo.

Ao menos quatro assessores de Bacellar receberam ao todo R$ 205 mil em 2021.

Aislan de Souza Coelho

O advogado foi assessor do deputado desde o início de 2019 na Alerj —em junho daquele ano, assumiu o posto de chefe de gabinete. Em junho de 2021, acompanhou Bacellar e foi para a Segov, onde atuou como chefe de gabinete.

Ao mesmo tempo em que assumiu seu posto na Segov, Coelho passou a figurar na lista de pagamentos do Observatório Social da Operação Segurança Presente. Ele recebeu pagamentos de R$ 10 mil entre junho e dezembro no projeto, totalizando R$ 70 mil. O valor se somou ao seu salário regular no governo, que era de R$ 18,3 mil.

Procurado, ele não retornou contato da reportagem.

Fernanda Alves Falquer

Assessora de Bacellar na Alerj entre junho e dezembro de 2020, ela também ocupou posteriormente posto de chefe de gabinete na Câmara dos Vereadores de Campos dos Goytacazes. Ao mesmo tempo, ela recebeu R$ 70 mil entre junho e dezembro do observatório do Segurança Presente —seu salário era de R$ 10 mil.

Não é possível saber, com base nos dados divulgados pela Casa, em que gabinete ela trabalhava, mas fontes afirmaram ao UOL que ela é ligada a Marquinho Bacellar, vereador e irmão de Rodrigo Bacellar.

A reportagem não a localizou.

Wesley Matthaus dos Santos Oliveira

Ele foi nomeado no gabinete de Bacellar na Alerj em junho, com salário de R$ 10,7 mil. Oliveira esteve na folha de pagamento do projeto da Uerj em novembro e dezembro, tendo amealhado R$ 30 mil em apenas dois meses.

A esposa dele está na lista dos cargos secretos da Ceperj, tendo recebido sete pagamentos que somam R$ 13,3 mil.

Procurado, ele não retornou contato da reportagem.


Beatrice Goldman Pompeia da Silveira Laeber

Nomeada por Bacellar na Segov em junho de 2021, ela recebeu R$ 35 mil na Uerj entre junho e dezembro de 2021. Simultaneamente, Beatrice recebia salário de cerca de R$ 1.200 na Segov.

Procurada, ela não retornou contato da reportagem.

O espaço está aberto para eventual manifestação dos citados.

Bacellar e a Segov negaram a existência de influência na contratação de aliados. "Não há qualquer uso político de qualquer projeto com a Uerj. A contratação de todos os extensionistas foi realizada com transparência absoluta no Portal da Uerj e por meio de processos seletivos simplificados juntos aos Coordenadores, todos Professores efetivos concursados da Uerj", alegam.


O que o Bradesco alertou à Uerj? No dia 2 deste mês, o Bradesco enviou ofício com um alerta à universidade a respeito de remunerações por meio de OBPs (Ordens Bancárias de Pagamentos) relacionadas aos projetos realizados com recursos de outros órgãos (veja o documento abaixo).

Essas OBPs são a forma de pagamento que permite o saque na boca do caixa, em dinheiro, apenas com a apresentação de um documento.

Segundo o ofício do Bradesco, a modalidade está prevista no contrato do banco com o governo do Rio, mas deve ser usada em "caráter excepcional, a pagamentos eventuais, e não recorrentes de pequena monta a não-correntistas".

Documento mostra cobrança do Banco Bradesco para que a Uerj não utilize mais ordens de pagamento que permitem saques em dinheiro vivo, sem abertura de conta corrente - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Ao exigir que a universidade implemente o pagamento apenas a pessoas que tenham conta-corrente, o banco cita a "utilização crescente da modalidade OBP para pagamentos de fornecedores da Uerj, sem a observância das condições contratuais".

Na resposta ao Bradesco, o reitor da Uerj, Mário Sérgio Alves Carneiro, diz que a exigência foi "atendida de imediato em razão da máxima transparência, impessoalidade, boa-fé, cooperação e probidade que pautam a conduta desta gestão, jamais porque o pagamento por Ordem de Pagamento seria supostamente ilegal ou irregular, o que definitivamente não é, uma vez que está expressamente amparado por normas do Banco Central e do contrato em vigor".

No mesmo documento, o reitor afirma que a prática é "significativamente rara e excepcional". A assessoria de imprensa da Uerj disse, sem especificar um número absoluto, que "apenas 2 a 3% dos pagamentos de pessoal" na universidade ocorrem desta forma.


Por que consideramos secretas as folhas de pagamento? Por lei, órgãos públicos são obrigados a dar ampla divulgação a informações sobre gastos e contratações. A transparência é fundamental para a fiscalização por órgãos públicos e pela população. Para isso, as informações devem ser disponibilizadas em sites com fácil acesso.

Isso não é observado na Ceperj e nos 18 programas da Uerj analisados pelo UOL. No oitavo mês do ano, nenhuma lista de nomes e folhas de pagamentos relativas a 2022 foi localizada pela reportagem. Isto é, não existe nenhuma forma de saber quem são os contratados neste momento e quanto eles ganham.

De difícil acesso, as listas localizadas pelo UOL de contratados e de salários de apenas quatro dos 18 projetos estão em processos de prestação de contas de 2021.

Os documentos foram incluídos como reproduções de imagens no SEI (Sistema Eletrônico de Informações) —site público que reúne processos administrativos do governo estadual—, o que não permite a localização dos nomes por meio de buscas.


Os R$ 594 milhões transferidos à Uerj já foram gastos? Não há como saber o quanto desse dinheiro já foi gasto e de que maneira em razão da falta de transparência.

Levantamento do UOL em diários oficiais chegou a 18 projetos tocados pela Uerj com dinheiro repassado este ano por outros setores do governo. Os R$ 593,6 milhões se referem a descentralizações de créditos orçamentários —isto é, os recursos deixaram o órgão de origem para serem usados pela universidade ao longo deste ano.

O governo do RJ afirma que descentralizações de crédito para a Uerj ocorrem desde 2010 —sendo a média do orçamento da universidade de R$ 1,6 bilhão, somando orçamento próprio e descentralizações. Nenhuma ferramenta do governo compila contudo quanto de dinheiro foi transferido para a Uerj nos anos anteriores.