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TCE vê risco de 'dano ao erário' e manda Uerj entregar folhas secretas

Entrada do campus da Uerj, no Maracanã - Bruna Prado/UOL
Entrada do campus da Uerj, no Maracanã Imagem: Bruna Prado/UOL

Do UOL, no Rio

20/09/2022 04h00

O TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro) determinou que a Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) envie, em 15 dias, as folhas de pagamento secretas do projeto Observatório Social da Operação Segurança Presente. Após o escândalo dos cargos secretos, o UOL revelou que o governo do RJ também usou a universidade para empregar aliados políticos com folhas secretas.

Na decisão, a Corte destacou uma série de irregularidades no programa e disse haver risco de dano aos cofres públicos. A investigação foi motivada pela série de reportagens que o UOL vem publicando desde agosto sobre a falta de transparência de folhas de pagamento na Uerj.

A decisão não atinge os outros 12 programas com folhas secretas realizados pela Uerj com recursos descentralizados de secretarias e órgãos do governo do estado. Esses projetos receberam R$ 593,6 milhões só neste ano. Não há nenhuma transparência sobre as pessoas contratadas neles.

O principal deles é o Observatório Social da Operação Segurança Presente, no qual dezenas de pessoas ligadas politicamente ao governador Cláudio Castro (PL) e a seus aliados foram contratadas com salários de até R$ 32 mil, sem passar por processo seletivo público.

Procurada, a Uerj disse que já enviou as folhas de pagamento e os relatórios relativos a 2021 e 2022 ao TCE-RJ. A universidade afirma que esses relatórios "constam dos processos referentes aos respectivos projetos no SEI [Sistema Eletrônico de Informações] e já estão, em sua grande parte, igualmente acessíveis no portal da transparência da Uerj".

A Uerj também disse que não houve decisão definitiva pelo TCE-RJ: "Cabe destacar que o procedimento instaurado pelo TCE está, ainda, em fase inicial de apuração, ou seja, o Tribunal não proferiu nenhuma decisão referente à inobservância de quaisquer princípios. A Universidade vem fornecendo todas as informações, documentos e pareceres solicitados e confia que, ao final, o TCE irá concluir pela legalidade e boa fé dos procedimentos adotados".

O que o TCE-RJ constatou: Segundo relatório do corpo técnico do tribunal, aceito pela conselheira Andrea Siqueira Martins —que assina a decisão—, há irregularidades na condução do programa, como falta de diversos documentos obrigatórios na prestação de contas e o sigilo sobre as folhas de pagamento.

De acordo com o relatório, "a permanência da situação relatada nestes autos gera profunda inobservância aos princípios da transparência, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da economicidade".

A situação pode "desaguar em dano ao erário, cuja recomposição é incerta", segundo afirma o documento elaborado pelo TCE-RJ.

O que o TCE determinou: Entre as determinações feitas pela Corte de contas, estão:

  • O envio de planilha com informações sobre todos os contratados no programa, informando a relação dos locais de atuação do pessoal admitido, as atividades desenvolvidas, bem como a carga horária trabalhada;
  • Que a Uerj justifique por que as contratações foram feitas por RPA (Regime de Pagamento Autônomo), segundo relata a universidade;
  • Que a Uerj explique o motivo do aumento de orçamento previsto para 2022 --que deve chegar a R$ 141 milhões;
  • Que a universidade mostre o total de pessoas contratadas em cada cargo na equipe técnica, com as respectivas remunerações de cada função;
  • O envio de diversos documentos obrigatórios não divulgados, como os relatórios de atividade de 2021 e do primeiro semestre deste ano relativo ao programa.

Formato de contratação é questionado. Outro ponto destacado pelo TCE-RJ é a forma de pagamento dos contratados no projeto. De acordo com o relatório, eles são feitos por meio de RPA —documento emitido a pessoas físicas por quem contratou o serviço e que permite a comprovação do pagamento— sem a devida justificativa por parte dos gestores.

Segundo definiu o MP-RJ (Ministério Público) em ação civil pública no caso dos cargos secretos, "a jurisprudência das Cortes de Contas aponta as situações nas quais se admite o pagamento feito pelo poder público por RPA. São aquelas contratações de fornecedores para o desempenho de tarefas isoladas, sem qualquer relação com as atividades fins do órgão contratante".

Foram identificadas diversas irregularidades, em especial a ausência de divulgação de diversos documentos e informações, realização de contratações diretas por meio de recibo de pagamento de autônomo (RPA) sem a devida justificativa, falta de transparência na contratação e pagamento de pessoal, inconsistência na estimativa de gastos, entre outras."
Trecho da decisão do TCE-RJ

Por isso, a relatora determinou que a Uerj Informe também "a relação dos locais de atuação do pessoal admitido, as atividades desenvolvidas, bem como a carga horária trabalhada".

Em agosto, o UOL mostrou que o Bradesco, banco responsável pelos pagamentos de servidores do RJ, enviou um ofício à reitoria da Uerj alertando para "a utilização crescente de pagamento OBP ´[ordem bancária de pagamento] para pagamentos de fornecedores da Uerj, sem a observância das condições contratuais".

As ordens de pagamento possibilitam saques em dinheiro vivo na boca do caixa, como ocorreu no escândalo dos cargos secretos da Fundação Ceperj —funcionários contratados pelo órgão sacaram R$ 226,4 milhões em dinheiro no Banco Bradesco somente nos sete primeiros meses deste ano. O UOL mostrou que a Ceperj contratou sem transparência mais de 20 mil pessoas.

A Uerj tem negado que os pagamentos dos programas sejam feitos dessa forma. Segundo a instituição de ensino, a prática é "significativamente rara e excepcional".

Candidato à reeleição, o governador do Rio vem negando que os contratados da Ceperj fossem funcionários fantasmas.

Na semana passada, a Secretaria de Estado da Casa Civil divulgou um relatório interno sobre as contratações pela Ceperj, que constatou indícios de irregularidades, como 713 pessoas que receberam pagamentos fora do estado do Rio. Com base no relatório, Castro determinou a suspensão de seis projetos: Esporte Presente; Casa do Consumidor; Agentes de Trabalho e Renda; Cultura para Todos; Resolve RJ e Junta Perto de Você.

Gastos sem controle. O TCE ainda afirma que, do jeito que o projeto é tocado hoje, não existe nenhum controle sobre a forma como estão sendo gastos os recursos públicos.

"Não se ignora a relevância de política pública voltada à segurança pública e aos direitos de cidadania. Contudo, no panorama exposto, em que gastos públicos são realizados não só em patente ofensa à transparência pública, como também sem o efetivo controle, entende-se como necessária a atuação imediata do TCE-RJ", diz o relatório.

As folhas de pagamento secretas da Uerj guardam semelhança com o escândalo dos cargos secretos na Fundação Ceperj —o TCE-RJ também investiga esse caso e determinou uma série de medidas em relação ao programa Esporte Presente em razão de irregularidades e falta de transparência.

Assim como ocorreu na Fundação Ceperj, o UOL constatou que o observatório vem sendo usado para contratar aliados de Castro e outros políticos próximos a ele. Até mesmo o tesoureiro de campanha do governador recebeu pagamentos pelo projeto da Uerj.

Ao todo, 55 pessoas —um terço dos 157 contratados no chamado núcleo estruturante do projeto— têm vínculos com políticos ou ocuparam recentemente cargos comissionados no governo do estado e em outros órgãos públicos, como a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Em 2021, eles receberam R$ 3,2 milhões em remunerações.

Outras investigações. Além do TCE-RJ, o MP-RJ e a PRE-RJ (Procuradoria Regional Eleitoral do Rio de Janeiro) já abriram investigações por conta das folhas de pagamento secretas na Uerj.

O MP Eleitoral decidiu abrir investigação contra o governador Cláudio Castro e seu braço direito, o deputado estadual Rodrigo Bacellar (PL), por possível abuso de poder político e econômico nas contratações de aliados no Observatório Social da Operação Segurança Presente.