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Suprema Corte dos EUA julga caso inédito sobre patentes de genes do câncer

Em Washington

15/04/2013 18h00

A Suprema Corte americana discute nesta segunda-feira (15) o caso genético de mais alto perfil da história, um litígio em que os magistrados avaliam se empresas privadas deveriam ter o direito de patentear genes humanos ligados ao câncer.

A decisão da corte, que é aguardada para junho, pode ter amplas implicações para as pesquisas científicas, a saúde dos pacientes e a indústria farmacêutica, uma vez que quase 20% dos cerca de 24 mil genes estão atualmente sob patentes, alguns ligados ao câncer e ao mal de Alzheimer.

No cerne do caso está a iniciativa da empresa Myriad Genetics, uma companhia com sede em Utah, Estados Unidos, que detém as patentes de genes conhecidos como BRCA1 e BRCA2, associados, respectivamente, a cânceres hereditários de mama e ovário.

A empresa afirma que as patentes dos dois genes, obtidas em 1998, ajudou a angariar os recursos "necessários para decodificar os genes, projetar e realizar os testes, interpretar os resultados e ajudar os pacientes", beneficiando um milhão de pessoas.

No entanto, críticos acusam a Myriad de barrar a realização de pesquisas por outras instituições sobre os genes BRCA e de tornar os testes caros demais para muitos pacientes, pois custam entre U$ 3.000 e US$ 4.000.

Dentro da corte, a magistrada Elena Kagan perguntou se uma planta amazônica poderia ser patenteada por ser difícil de encontrar, enquanto a juíza Sonia Sotomayor vinculou a questão ao patenteamento de ingredientes de sua receita favorita.

"Eu produzo meus próprios cookies de chocolate, eu posso conseguir uma patente disto, mas não posso imaginar uma patente sobre sal, farinha e ovos", argumentou Sotomayor.

Dezenas de sobreviventes de câncer de mama e de ativistas de defesa da saúde da mulher se reuniram na escadaria da Suprema Corte enquanto no tribunal as partes apresentavam suas argumentações. Alguns exibiam cartazes e um deles dizia: "A ganância corporativa está matando meus amigos".

Outra demandante, Lisbeth Ceriani, contou que seus médicos recomendaram que ela fizesse o teste após ter sido diagnosticada com câncer de mama, mas ela não conseguiu fazê-lo porque a Myriad não tinha contrato com seu seguro de saúde para cobrir o custos.

Depois, graças a uma doação, ela conseguiu os recursos para pagá-lo.

"É importante para mim porque há muitas outras mulheres que não conseguiram ter acesso ao teste. Eu tenho uma filha que um dia precisará fazê-lo", afirmou do lado de fora da corte.

"A competição é o que leva à inovação e ao aperfeiçoamento", argumentou Harry Ostrer, médico geneticista e demandante no processo.

"Não queremos atravancar os usos dos nossos genes", disse aos jornalistas, acrescentando que se a Myriad não tivesse as patentes, "eu começaria a disponibilizar os testes aos meus pacientes pobres no Bronx", bairro de baixa renda de Nova York.

Os contrários ao patenteamento genético neste caso, liderados pela União Americana das Liberdades Civis (ACLU), incluem mais de 150.000 geneticistas, patologistas e profissionais de laboratório.

A ACLU argumentou que as patentes sobre genes humanos "violam a Primeira Emenda e a lei de patentes porque os genes são 'produtos da natureza' e, portanto, não podem ser patenteados".

Contradizendo esse argumento, o advogado da Myriad, Gregory Castanias, afirmou aos nove magistrados que "os genes são em si uma construção humana".

O diretor-executivo da empresa, Pete Meldrum, argumentou que as patentes da Myriad são de "moléculas sintéticas baseadas em genes que foram criadas em laboratório a fim de desenvolver testes salvadores de vidas para os pacientes".

"Nós acreditamos que é correto que uma empresa seja capaz de possuir suas descobertas, conseguir retorno de seu investimento e obter um lucro razoável", afirmou em um comunicado.

Para James Watson, ganhador do prêmio Nobel e descobridor, ao lado do falecido Francis Crick, da estrutura de dupla hélice do DNA, em 1953, emitiu um parecer argumentando que os genes humanos são produto da natureza e não podem ser monopolizados por nenhuma entidade.

"O conhecimento em si não pode ser patenteado. A Myriad não deveria possuir genes de câncer de mama", afirmou Watson do lado de fora da Suprema Corte.

Perguntado por um jornalista se ele nunca pensou em patentear sua descoberta em 1953, Watson afirmou: "Isto nunca me ocorreu".

Em fevereiro passado, um tribunal australiano tomou uma decisão contrária aos demandantes em um caso similar, rejeitando o argumento de que o BRCA1 não poderia ser patenteado porque seria uma substância de ocorrência natural, um parecer favorável à Myriad Genetics e à Genetic Technologies Ltda, sediada em Melbourne.

Scott Elmer, diretor do Escritório de Licenciamento Tecnológico do Hospital Pediátrico Saint Jude, manifestou seu desejo de que a corte estabeleça o que pode e o que não pode ser sujeito de uma patente.

"Esta clareza ajudará todo mundo a se concentrar no uso do sistema de patentes de uma forma apropriada para promover o avanço da ciência", afirmou.