O drama das mães britânicas que são viciadas em cocaína
Suzie (nome fictício) costumava aproveitar as visitas que fazia às casas das amigas, que também eram mães como ela, para deixar o bebê no carrinho, na sala, e entrar rapidamente no banheiro. Ali, ela fazia uma carreira de cocaína. Ou as mães consumiam a droga juntas, na cozinha.
Suzie passou a consumir cocaína quando frequentava a universidade, mas o problema cresceu quando ela se tornou mãe e começou a se sentir isolada e deprimida.
"Me sentia aterrorizada, sentia que não sabia o que estava fazendo (como mãe)", conta. "Ter filhos é a coisa mais difícil que já fiz."
Ela achou que uma segunda gravidez a ajudaria a parar de consumir a droga. Não deu certo.
"Uma vez, me encontrei com uma amiga na noite anterior ao meu ultrassom de 20 semanas (de gestação), e ela estava com um cara que era traficante. Ele pegou a minha mão e colocou uma pedra de cocaína dentro. Me senti incapaz de não consumir. Lembro que no dia seguinte, durante o ultrassom, o bebê estava enlouquecido na minha barriga, enquanto eu pensava, 'eu fiz isso com ele'."
Suzie é uma de três mães inglesas viciadas em cocaína que aceitaram conversar com a BBC a respeito de sua dependência, em um momento em que a Inglaterra e o País de Gales veem o consumo da droga atingir seu pico em dez anos - puxado justamente por pessoas de classe média. A ponto de um dos maiores provedores de tratamento particular para dependências notar um crescimento de 128% no número de pacientes tratados, em comparação com 2015.
'Uma linda casa'
Ao contrário de Suzie, Jane (também nome fictício) só ficou viciada em cocaína depois de se tornar mãe de dois filhos. Ela conta que sua família era, aparentemente, perfeita.
"Tínhamos uma linda casa, carro, hipoteca e três crianças muito bem criadas", conta.
Mas ela e outras amigas mães tinham um segredo: duas vezes por semana, organizavam encontros para os filhos brincarem juntos, enquanto elas compartilhavam cocaína.
Ela conta que, enquanto estava sob o efeito da droga, "finalmente se sentia confortável dentro de sua própria pele". "Até que me vi atolada em dívidas", conta.
Jane acabou se separando do marido, e o dinheiro que ela ganhou após a separação acabou tornando o vício ainda mais grave.
"Quando me dei conta, estava levando homens para casa, usando (cocaína) no quarto, com o meu filho dormindo no quarto ao lado", conta.
"Daí, às 6h da manhã, o alarme soava e eu pensava, 'ai meu Deus, fiz isso de novo'."
Suzie chegou ao fundo do poço quando, certo dia, consumiu uma grande quantidade de cocaína junto com "umas duas garrafas de vinho".
"Foi uma noite em que cheguei em casa, me tranquei no quarto e usei durante a noite inteira", relembra. No dia seguinte, ela teve um colapso nervoso.
"Os paramédicos entraram no meu quarto e lembro de chorar copiosamente, dizendo, 'quero morrer, por favor só me deixem morrer'."
Ela já havia tentado interromper o vício antes, mas dessa vez resolveu se internar em uma clínica particular.
"Mergulhei na minha recuperação", conta. "Devagar, bem devagar, comecei a melhorar. Durante tantos anos me senti como um fardo para a minha família. E então sentia que finalmente conseguiria compensar um pouco aquilo tudo."
'Eu teria morrido'
Jane, por sua vez, conseguiu se livrar do vício com a ajuda de um grupo de apoio, depois de ver como a recuperação havia feito bem a outras mães ao seu redor.
"Elas todas tinham grandes sorrisos no rosto e contavam como estavam conseguindo estar presentes para seus filhos, e eu pensava: 'também quero isso'."
Foi na mesma época que ela percebeu que não estava dando conta de cuidar de seus filhos.
"Eu não saía para comprar comida, não cuidava da casa, não estava sendo uma mãe. Acho que, se eu não tivesse parado de usar, acabaria perdendo a guarda dos meus filhos. Ou então eu teria morrido. Eu simplesmente cansei de sentir tanta vergonha, culpa, remorso."
'Hipócritas de classe média'
Assim como Suzie e Jane, Claire também começou a usar cocaína ocasionalmente, por influência de amigos ou do parceiro. Ela tinha 20 e poucos anos, mas o vício se agravou quando seus filhos eram crianças.
Só conseguiu parar depois de muitos anos, quando uma intervenção de amigos a fez pensar: "Tenho que parar".
"Foi o começo da minha recuperação. Até chegar o ponto de eu conseguir erguer minha cabeça e dizer, sim, tive um problema com a cocaína, sou uma viciada em recuperação e vou fazer o meu melhor para educar as pessoas e adverti-las a respeito dos perigos."
Ao mesmo tempo, o governo britânico prometeu combater o aumento no consumo de cocaína na classe média, alegando que ele estimula o aumento de violência nas ruas do país.
No ano passado, a comissária Cressida Dick, chefe da Polícia Metropolitana de Londres, criticou usuários de classe média britânicos que usavam cocaína como "hipócritas", dizendo que eles se importam com comida orgânica e comércio justo mas, ao mesmo tempo, estimulam o tráfico de drogas.
"Eles conversam sobre aquecimento global e proteção ambiental e tudo mais, mas não veem problema em usar um pouco de cocaína. Bem, saibam que a cadeia de suprimento (da droga) causa muito sofrimento."
O secretário (equivalente a ministro) de Assuntos Internos, Sajid Javid, concordou, afirmando que essas pessoas "muitas vezes nunca pisaram em uma área pobre nem nunca viram um ato de violência sério ser cometido, mas estão jogando combustível na fogueira" da criminalidade.
Suzie, por sua vez, diz que, em seus picos de vício, os apelos do governo teriam tido pouco efeito, mas acha que talvez sirvam para educar os "usuários recreativos".
"Eu tinha noção dos cartéis de drogas e de que eles promoviam exploração de crianças e tudo mais o que ocorria para a droga ser produzida. (Mas) talvez para os usuários recreativos, saber de onde a droga vem pode fazê-los pensar duas vezes antes de consumir", opina.
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