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Produtos têm teor de sódio diferente das embalagens

Em Brasília

15/07/2014 08h07

Pesquisa inédita feita pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) mostrou que 9,2% dos produtos enviados para análise apresentaram uma variação de sódio diferente do que é informado no rótulo. Todos os produtos integram o acordo voluntário firmado entre Ministério da Saúde e indústria alimentícia para redução dos teores do nutriente. Os resultados demonstram tanto variação para mais quanto para menos.

"O número é significativo e mostra a necessidade de se ampliar a fiscalização. Se ocorre com sódio, pode ocorrer também com outros componentes do produto", avalia a nutricionista do Idec, Ana Paula Bortoletto. Entre março e abril, foram enviados para análise 291 produtos, de 90 marcas.

Do total, 27 apresentaram valores diferentes do informado na embalagem - dez tiveram variação do nutriente superior aos 20% permitidos pela legislação brasileira; e em 17, a concentração identificada no teste foi menor do que a estampada na tabela.

"Valores menores que o informado podem até ser considerados como um fator positivo para saúde. Mas esse é um sinal de descontrole e, principalmente, fere o direito do consumidor de ter acesso à informação correta", assegura Ana Paula.

Em alguns produtos analisados, a diferença é muito significativa. Sete deles apresentaram uma variação da quantidade de sódio superior a 40% daquela informada no rótulo. A análise da salsicha viena Frigor Hans, por exemplo, identificou uma quantidade do nutriente 66,3% maior do que a que havia sido informada no rótulo.

"Diferenças como essas podem comprometer um plano alimentar. Nutricionistas baseiam-se nas tabelas para formar as dietas", afirmou o diretor da Sociedade de Cardiologia de São Paulo, Rui Povoa. O consumo excessivo do sal é considerado como fator de risco para hipertensão, doença que, por sua vez, pode levar a problemas cardíacos, distúrbios renais e circulatórios.

A Organização Mundial da Saúde recomenda ingestão de, no máximo, 6 gramas diárias do nutriente - o equivalente a 2,4 gramas de sódio. "O brasileiro consome o dobro", diz Povoa. "E boa parte dessa ingestão é proveniente de produtos industrializados", completa.

O ideal, assegura, é fazer uma dieta com frutas, verduras, carnes magras e poucos alimentos industrializados. "Como o sódio é conservante, ele muitas vezes é usado em produtos que nem imaginamos. Não adianta só fugir de comidas consideradas salgadas. Muitas vezes produtos com sabor adocicado têm teor significativo do nutriente", completou.

Variação

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina que embalagens de produtos alimentícios tragam a tabela nutricional. Ela permite, no entanto, uma variação de 20% a mais ou para menos nas informações da rotulagem. Essa flexibilidade é adotada para compensar eventuais diferenças nos métodos usados para fazer a análise do conteúdo nutricional, para reduzir o impacto provocado por questões climáticas, armazenamento e tempo de vida do produto.

"Não é necessária tamanha margem", critica a nutricionista do Idec. "Essa permissão feita pelo Brasil não ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos. Eles não permitem a tolerância nos valores." A gerente de produtos especiais da Anvisa, Antônia Aquino, afirma não haver nenhuma indicação de mudança na tolerância desse porcentual.

A agência tem um programa para monitorar a quantidade de sódio de diversas categorias de alimentos. Quando diferenças são encontradas, afirma Aquino, empresas são notificadas para corrigir as embalagens. De acordo com ela, a Anvisa não recebeu formalmente os resultados do trabalho feito pelo Idec. Mesmo assim, a agência poderá solicitar uma fiscalização para verificar tais incorreções e tomar ações necessárias.

Fabricantes rebaltem

O presidente da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA), Edmundo Klotz, criticou a pesquisa feita pelo Instituto de Defesa do Consumidor. Ele classificou como "muita pretensão" tentar verificar a qualidade a partir da análise de uma amostra de 291 produtos. "O setor tem 32 mil empresas", argumentou.

A Aurora teve reação diferente. Diante dos resultados obtidos pela mortadela produzida pela empresa na pesquisa do Idec, a Aurora decidiu coletar amostras do produto e fazer nova avaliação. "Confirmado o desvio, a empresa poderá proceder as correções necessárias na tabela de valor nutricional com maior brevidade possível", informou, por meio de nota.

Procurada pelo Estado, a Pandurata, fabricante dos produtos Bauducco, informou não ter detalhes sobre a metodologia usada na pesquisa do Idec e assegurou fazer análises regulares conforme a categoria do produto. A empresa Ceratti apresentou resposta semelhante: disse seguir rigorosos controles de qualidade e cumprir disposições legais.

A Unilever, fabricante da Becel, informou que os valores da tabela nutricional são obtidos por meio de cálculos teóricos contidos em base de dados. O JBS Foods observou, em nota, que o Idec analisou 11 produtos do grupo. Do total, três apresentaram variações entre rotulagem e resultado dos testes. Algo que para a empresa pode ter sido provocado pela de variação da leitura em diferentes tipos de metodologias.

O Arcor, fabricante da bolacha Triunfo, assegurou cumprir integralmente as normas. A Qualitá, por sua vez, avalia que os resultados do pão de forma produzido pela empresa estão no limite das regras da Anvisa (tolerância de 20%). Os resultados referentes à bisnaguinha foram superiores. A empresa disse ter enviado para o Idec uma análise com todos os controles realizados em laboratórios credenciados pelos órgãos reguladores, atentando a concordância dos valores nutricionais com a legislação.

A BRF, empresa responsável pela produção das marcas Batavo e Elegê, informou desconhecer detalhes sobre produtos analisados na pesquisa do Idec, como lote, data de fabricação, algo que impossibilita a rastreabilidade e análise dos produtos. A BFR informou ainda que testes periódicos são feitos em produtos da marca Sadia.

A Selmi, fabricante da mistura para bolo Renata, afirmou que os valores correspondem ao produto exposto à venda, seco. E o correto, afirma, seria avaliar os parâmetros do produto pronto para consumo: preparado e assado. As empresas Bimbo e Kim informaram cumprir as normas e desconhecem qualquer desvio de padrão na produção. O Estado não conseguiu contato com Frigor Hans. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.