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Estudos indicam que salmão de cativeiro contém, sim, ômega 3

O salmão em cultivo se alimenta de ração baseada em farinha de peixe - Leonardo Wen/Folhapress
O salmão em cultivo se alimenta de ração baseada em farinha de peixe Imagem: Leonardo Wen/Folhapress

Cármen Guaresemin

Do UOL, em São Paulo

19/07/2013 13h00

Na última segunda-feira (15), o UOL Saúde noticiou que o salmão criado em cativeiro não contém ômega 3, um ácido graxo associado a redução de doenças cardiovasculares.  Mas a verdade é que o peixe de criação possui, sim, o nutriente, em maior ou menor quantidade, como explicado em errata. Estudos científicos trazem informações diferentes, mas o fato é que tudo depende da ração que ele recebe. A informação noticiada foi fruto de erro de uma das fontes consultadas.

Assim como nós, o salmão não produz o ômega 3. Ele se alimenta de peixes menores, moluscos e crustáceos que consomem algas e plânctons, como se os reciclasse, e assim obtêm o ômega 3 e sua famosa cor rosada.

A médica veterinária Yara Aiko Tabata, pesquisadora científica da Agência Paulista de Tecnologia dos  Agronegócios, da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, conta que o salmão cultivado é alimentado com ração à base de farinha e óleo de peixe, que contém  ômega 3. “Se formos comparar, o selvagem teria maiores índices de ômega 3, pois a quantidade destes ingredientes na ração é controlada, mas depende de onde ele vive e do que come”.

A zootecnista Ligia Uribe Gonçalves, pesquisadora da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) da Universidade de São Paulo (USP), trabalha com nutrição de peixes e explica que a série ômega 3 é composta, principalmente, pelos ácidos graxos linolênico (ALA), eicosapentaenoico (EPA)  e docosaexaenoico (DHA).

“Os ácidos graxos EPA e DHA são essenciais para o salmão, essa espécie não consegue sintetizar esses nutrientes. Dessa forma, eles são exigidos em sua ração, sendo que a sua deficiência pode cessar o crescimento, além de provocar patologias como erosão das nadadeiras, palidez e aumento do volume do fígado, miocardite, lordose, redução do potencial reprodutivo, síndrome do choque e até a morte do animal”, explica a zootecnista.

Parasitas

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    A médica veterinária Yara Aiko Tabata, pesquisadora científica da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, conta que em 2004 foram feitas as primeiras confirmações laboratoriais de casos de tênia de peixe (Diphyllobothrium latum) em pessoas infectadas no Brasil. Indivíduos que haviam consumido peixe cru (sashimi) passaram a ter problemas intestinais e procuraram laboratórios para fazer exames. “O resultado foi que estavam com difilobotríase, uma infecção intestinal causada pelo parasita, adquirido provavelmente do salmão vindo do Chile, pois o estudo constatou que era a fonte alimentar comum entre eles”.

    Esta tênia é a maior de todas, pode chegar a 25 metros no organismo humano. Estes casos foram notificados ao Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo e deram início a um estudo que foi publicado no Boletim Epidemiológico Paulista, nº 15, em março de 2005.

    A recomendação preconizada para o controle do parasita é o congelamento do pescado por 20 graus negativos por sete dias ou por 35 graus negativos por 15 horas. Entretanto, os refrigeradores domésticos alcançam apenas 18 graus negativos, temperatura insuficiente para interromper o ciclo do parasita.

    Tabata conta que, na época, o caso teve grande repercussão nos jornais, tendo sido discutida a possibilidade de se importar do Chile somente salmão congelado diretamente na indústria de processamento, mas a ideia acabou sendo descartada pelas autoridades brasileiras, por considerarem que os casos registrados eram "insignificantes do ponto de vista estatístico".

    Para ela, continuamos correndo riscos, pois, ao contrário do que ocorre em outros animais parasitados com outras espécies de tênias, no peixe as larvas do "Diphyllobothrium latum", por serem muito pequenas (15 mm x 2 mm), são de difícil visualização. Em caso de dúvida, uma pedida, segundo Tabata, é servir como ceviche. Isso porque o peixe estará cortado em fatias e ficará marinando no limão, cuja acidez eliminaria o parasita. “Não devemos levar em conta apenas a aparência e o sabor para saber se estamos comendo algo saudável. Precisamos verificar se o peixe foi criado e processado em condições higiênico-sanitárias ideais, assim, não se corre risco”, finaliza.


Farinha de peixe

Segundo o biólogo Ricardo Tsukamoto, formado pela USP e com doutorado em ciências aquáticas, a região do Peru e do Chile é a maior produtora de farinha de peixe do mundo, a partir de pequenas sardinhas. “A região apresenta ótimas condições de produtividade natural graças à Corrente de Humboldt. Trata-se de uma corrente oceânica em que a água rica em nutrientes do fundo do mar sobe à superfície do Oceano Pacífico, acompanhando as costas desses dois países, na América do Sul, e gerando uma grande quantidade de plâncton, que serve de alimento a muitos peixes”, conta.

“O salmão em cultivo se alimenta de ração baseada em farinha de peixe e as sobras da industrialização desse peixe são recicladas como ração para o cultivo do próprio animal. Elas se  transformam em farinha e o óleo retirado do peixe pode ser usado em cápsulas para consumo humano”, descreve Tsukamoto.

A nutróloga Marcella Garcez , diretora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) , explica que para que cada quilo de salmão produzido em cativeiro são precisos aproximadamente quatro quilos de outros peixes para a feitura da ração.

A zootecnista da Esalq conta, ainda, que a produção de farinha de peixe também pode ser feita a partir de peixes menores capturados em pescarias e que não são atraentes comercialmente. “Só que isso não é sustentável. Hoje, os nutricionistas substituem parte da farinha e óleo de peixe por ingredientes vegetais à ração”.  Ela acrescenta que há estudos demonstrando que salmões criados possuem até maior quantidade de ômega 3 (especialmente EPA e DHA) do que espécies selvagens.

“É bem provável que o peixe de cativeiro tenha mais gordura que o da natureza, porque ele não nada, não ‘pratica exercícios’ como o selvagem e, assim, fica mais gordinho. E quanto mais gordura originária do mar, mais ômega 3 ”, diz Tsukamoto.

Ômega 3 e 6

Porém, Garcez chama a atenção para outro fato: “A indústria de salmão procura baratear os custos adicionando óleo vegetal, que tem muito ômega 6, à ração, e modifica seu perfil lipídico. É uma gordura manipulada, o que faz o peixe engordar em um ambiente fechado”.

Segundo ela, a carne é própria para consumo: “Se não fosse, não seria produzida”, diz. Mas, para a especialista, não dá para dizer que o peixe de cativeiro é melhor que o selvagem. “Pois há a presença de pigmentos e até de grãos que não fazem parte da alimentação natural do salmão.”

Estudos sobre a composição nutricional do salmão de cativeiro confirmam essa presença maior de ômega 6 em comparação ao selvagem.

“O ômega 6 também é essencial para nosso organismo. Não é prejudicial, nem inflamatório, como se disseminou por aí, se consumido devidamente”, afirma Garcez. Ela ensina que o ideal seria o consumo de quatro partes de ômega 6 para uma parte de ômega 3. “Porém, na dieta ocidental, são de dez até 50 partes de ômega 6 para apenas uma de ômega 3. Ou seja, seu consumo em excesso, esse sim, propicia o surgimento de inflamações.”

Produção

Em termos de produção de salmão, no mundo, o Chile só perde para a Noruega, segundo Tsukamoto.

Garcez, porém, lembra que o salmão não existia no Chile e foi “importado”. “Ele existe no Pacífico e no Atlântico Norte, onde se alimenta de moluscos e crustáceos, ganhando seu tom cor de rosa, graças às astaxantinas [carotenoides naturais das algas ingeridas por esses organismos]. Porém, a região do Chile também é propícia para sua criação. Só não sabemos o que poderá acontecer com o passar dos anos, com questões ambientais, e se vai haver uma mudança genética, por exemplo.”

Como o peixe é produzido em grande escala, as chances de uma bactéria, por exemplo, se alastrar, são grandes: “Nos cultivos, a densidade é alta, de 40 a 50 kg de peixe/m³. Se surge uma doença, causada por vírus, bactérias ou parasitas, ela se propaga muito rapidamente. Na natureza, os peixes morrem em grandes quantidades geralmente quando há desastres como vazamento de petróleo, por exemplo”, comenta Tabata.
 
Já a pesquisadora da Esalq ressalta que os estoques pesqueiros estão estagnados devido à intensificação da pesca e que a aquicultura é uma alternativa para suprir o mercado consumidor. “Nós, nutricionistas de peixes, estamos trabalhando para produzir peixes confinados com boa composição nutricional, assim como os selvagens. Não devemos incentivar a preferência por consumo de peixes capturados em detrimento dos peixes cultivados”, comenta.

O mito dos corantes

Segundo Garcez, havia um boato correndo pela internet de que o corante dado ao salmão de cativeiro derivava do petróleo. “Estudos demonstram que há mais concentração de toxinas, em ambientes artificiais, sim. Claro que na vida selvagem também há contato com várias toxinas da vida moderna (também chamadas disruptores endócrinos que são responsáveis por várias alterações orgânicas), porém a natureza se renova com mais facilidade”, diz. Já nos criadouros não há correntes, nem renovação de água como num espaço aberto.

Tsukamoto discorda: “O pigmento do salmão vem de um carotenoide natural dos crustáceos, que, inclusive, tem propriedades antioxidantes e anticancerígenas. Os peixes que estão no cativeiro, sem acesso aos crustáceos, recebem este pigmento, que é fabricado, mas sua molécula é similar à natural. O pigmento fabricado é a cópia da molécula existente na natureza, da mesma forma que a aspirina é a cópia industrial da substância analgésica de uma árvore”.

Tabata completa: “O que dá a coloração salmonada é o pigmento astaxantina produzido principalmente pelas algas. Se o salmão está na natureza, vai se alimentando de outros animais que comeram estas algas e, assim, esse carotenoide é depositado em sua musculatura. Em cativeiro, sem acesso ao alimento natural, o salmão teria a carne branca. A obtenção da astaxantina ‘natural’ é um processo caro e o pigmento usado nos cultivos dos salmonídeos é o sintetizado, obtido artificialmente, mas similar ao original”.

Guerra comercial

Algo que já é mais conhecido fora do país, mas que vem se tornando popular no Brasil, especialmente graças às redes sociais, é que há também interesses econômicos por trás do que se propaga sobre a diferença entre o salmão selvagem e o do cativeiro.

“Há uma guerra entre o salmão vindo do Chile e do salmão vindo do Alasca”, admite Tsukamoto. “O que vem do Alasca, selvagem, é mais caro, pois seu volume é pequeno. Não acho que seja tão sustentável como o de cativeiro, afinal, mesmo controlada, a pesca extrai um animal escasso da natureza. Há esta tentativa de denegrir o pescado produzido em cultivo, para justificar um preço maior para o capturado. E quem sai perdendo é o consumidor."

Atualmente, praticamente todo salmão comercializado no Brasil é de origem chilena, segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Pesca e Aquicultura. Em setembro, no entanto, o salmão do Alasca passará a ser vendido no país, de acordo com a agência de marketing do governo do Estado americano.

Nada em excesso

Para a nutróloga, a grande pergunta que o consumidor deve fazer não é se o salmão tem ou não ômega 3, mas qual sua procedência. Isso porque o de cativeiro, por ser criado em um ambiente diferente ao da natureza, está mais suscetível a doenças e intoxicações. “Portanto, ao consumir peixes, ficamos dependentes de um rigoroso controle de qualidade destes produtos, e seu consumo excessivo pode aumentar o risco de intoxicações.”

Ela explica que no cativeiro há uma dependência total de um bom aporte de ácidos graxos para que o salmão os converta e concentre. Isso porque, pela sua estrutura química, com várias duplas ligações, os ácidos oxidam facilmente. “Também por este motivo as rações devem ter estrito controle, ou seja, a qualidade da carne, como dos ácidos graxos, depende exclusivamente da empresa produtora dos mesmos”.

A nutróloga, no entanto, não é contra o consumo do peixe: “Não é que não se pode comer salmão de cativeiro. Só não é para se comer todos os dias. As pessoas acham que o salmão é mais gostoso e saudável e ignoram os demais peixes. Existem opções mais baratas, como sardinhas e atum, que também são ricas em ômega 3. Até mesmo enlatados e com óleo possuem qualidades”. O importante, ela frisa, é fugir da monotonia alimentar.