"Não quero poderosos de volta ao Incor", afirma cardiologista da presidente
"A presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula são pessoas que têm o direito de se tratar onde podem. Pagam convênios, vão para onde querem. No caso do Lula, se ele tivesse se tratado no Incor [na época do câncer], diriam que estava ocupando o lugar de um carente. Hoje, não quero poderoso nenhum de volta ao Incor", declarou o cardiologista Roberto Kalil Filho, diretor da divisão de cardiologia clínica do InCor (Instituto do Coração) e diretor geral do centro de cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, convidado desta segunda-feira (27) do programa Roda Viva, apresentado ao vivo na TV Cultura e reproduzido pelo UOL.
Quando questionado sobre ser o médico que está mais perto do poder, pois também é médico da presidente Dilma Rousseff e do ex-governador José Serra, e se pessoas não o procuram para se aproximar do governo, Kalil Filho não concorda . "Tenho proximidade, mas não me envolvo em política que não seja a de saúde. Não fiz nenhum pedido a ninguém que não tivesse sido para ajudar pessoas carentes. Eu resmungo e critico 24 horas, mas não influencio".
Ele admite, porém, que tem a confiança de muitos e que a presidente liga para perguntar sua opinião sobre alguns assuntos: "Como falei, eu resmungo e falo o que tenho que falar, mas ela não vai tomar uma atitude porque um simples médico de confiança disse algo. Meus pedidos são para os hospitais carentes. Nestes anos todos, ajudei muitas instituições. Empresários não me procuram, ninguém tem a petulância de me pedir reunião com o planalto. Não sou agenda de governo para conseguir reunião", afirma.
Crise no Incor
Sobre a crise pela qual o Incor passou anos atrás, o cardiologista diz que houve culpados, mas que foram afastados e estão respondendo na Justiça. "Hoje temos um plano de ação e auditoria, não se faz nenhuma obra sem auditoria. Com isso, fiquei mais sossegado". Ele conta que o instituto está mais profissionalizado. "Agora, através da nova Fundação Zerbini e do Conselho do Incor, nos últimos seis anos colocamos as coisas no lugar. É um hospital público, com as contas sendo sanadas e contratando profissionais externos".
Kalil Filho diz que o atendimento misto, ou a chamada "porta dupla" (permite a venda de até 25% da capacidade dos hospitais públicos aos planos de saúde e particulares) é fundamental para a instituição, porém, confessa que o ideal seria ter verbas dos governos e não precisar dos convênios. Mas admite: "O Incor não viveria sem essa ajuda. Há críticas, mas cada marca-passo que coloco pago gera dez marca-passos pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Pagamos grande parte do tratamento dos carentes com o que vem do paciente particular. Há médicos que sobrevivem dos convênios do Incor. Eles ficam atendendo parte do tempo os pacientes do convênio e outra parte os carentes do SUS".
O médico também cita o aumento nos transplantes cardíacos: "Fizemos 31 em adultos, batendo um recorde no ano passado. A mortalidade que era de 35% caiu para 24%. Criamos uma central de gerenciamento de leitos que só não funciona melhor por causa do excesso de pessoas do pronto-socorro. Se tenho paciente pronto, em uma semana ele é operado, falando só do SUS".
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Um projeto para os médicos atenderem fora da instituição está nos planos de Kalil Filho, e sem ser via dinheiro público. "Teoricamente meu projeto é ter o Incor atendendo o público carente e acabar com os convênios. Agora é inviável, a instituição não se sustenta só com o SUS. Meu sonho é atender apenas pacientes carentes. O instituto atende pessoas de vários lugares do mundo. Gostaria de estar aqui de novo [no programa Roda Viva] daqui a uns anos e falar que só estaremos atendendo pacientes carentes".
Mais Médicos
Kalil Filho não foi exceção e também criticou o programa Mais Médicos no ano passado. Agora, ele diz que o programa já está estabelecido e que, como médico, critica a maneira e a rapidez com que ele foi instituído. "No primeiro momento eu fui bem contra. A entrevista que saiu na Folha de S. Paulo veio de uma conversa informal que eu estava tendo com a jornalista, mas se transformou em entrevista. Cada linha ali eu falei mesmo".
Agora, ele afirma que o programa precisa ser melhorado e que não se incomoda nem um pouco que venham médicos de Cuba ou de Marte, desde que a formação seja boa. "O que mais me preocupa é darmos ideias para o governo melhorar o programa. Uma cidade não pode ficar sem médicos. Todo cidadão deve ter esse direito".
O cardiologista lembra que o SUS foi criado décadas atrás e o que acontece com os governos é que a população mudou: "A saúde do país sempre fica nesta linha: gestão versus dinheiro. Minha sugestão é que os governantes olhem para a população que estão tratando. Eles se esquecem de olhar para ela".
Sobre a alta taxa de reprovados pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP), algo em torno de 60%, o médico conta que é favorável a que se crie um exame aos profissionais recém-formados nos mesmos moldes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para os médicos. "Destes reprovados, 70% vieram de escolas particulares. Isso aponta para a qualidade dos médicos, o ensino está ruim. O grande problema de saúde é que ela vem da política governamental quando deveria ser de cada Estado. É preciso governar junto com as universidades. Com isso, se minimizaria este tipo de situação".
Coração
Quando questionado se a população brasileira, a exemplo da de outros países, está tento mais problemas do coração por estar acima do peso, ele concorda: "A obesidade é uma das maiores causadoras das doenças do coração. Colesterol alto, falta de exercício, genética, tudo isso influencia. E por mais que se evolua, a projeção da OMS (Organização Mundial de Saúde) é que aumente ainda mais nos próximos 30, 40 anos. É preciso programas de conscientização e prevenção, vindos dos governos e das sociedades médicas. Estamos muito aquém do ideal neste quesito".
Sobre a polêmica das estatinas, medicamentos que baixam o colesterol, mas que poderiam causar diabetes e outros problemas, o cardiologista diz que elas ajudam, sim, quem tem doença cardíaca: "Há polêmicas, mas com todo o respeito, estatinas ajudam, não são vilãs. É um santo remédio com pouco efeito colateral. Ninguém enterrou a estatina, o artigo frisava sobre o abuso de sua ingestão".
Já sobre como anda o coração das mulheres, Kalil Filho afirma que elas mesmas se negligenciam: "A mulher acha que não infarta. Ela não se cuida. Só que a mortalidade delas é tão grande quanto a dos homens. Este tipo de mito está sendo quebrado pela prevenção", encerrou.
O programa Roda Viva foi apresentado pelo jornalista Augusto Nunes e teve a participação das repórteres Cláudia Collucci (Folha de S. Paulo) e Adriana Ferraz (O Estado de S. Paulo); Paulo Saldiva, professor titular da Faculdade de Medicina da USP e das jornalistas Laura Capriglione e Monica Tarantino (IstoÉ) na bancada. O programa ainda contou com a participação do cartunista Paulo Caruso.
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