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União terá de pagar tratamento nos EUA a bebê que não consegue ganhar peso

Dinéia Silva Gama, 41, e seu filho, Davi Miguel, que nasceu com um problema raro no intestino que o impede de ganhar peso: transplante nos EUA - Arquivo pessoal
Dinéia Silva Gama, 41, e seu filho, Davi Miguel, que nasceu com um problema raro no intestino que o impede de ganhar peso: transplante nos EUA Imagem: Arquivo pessoal

Eduardo Schiavoni

Do UOL, em Americana (SP)

01/11/2014 06h00

A Justiça Federal de São Paulo em Franca, no interior de São Paulo, concedeu uma liminar que obriga a União a pagar pelo tratamento do bebê Davi Miguel Gama, de sete meses, nos Estados Unidos. O menino possui um problema raro no intestino que impede que ele ganhe peso. O transplante é avaliado em R$ 2,5 milhões e o governo tem até o dia 9 de novembro para recorrer. A liminar determina ainda que o SUS (Sistema Único de Saúde) também pague os gastos de remoção e eventuais despesas médicas extras. A multa por descumprimento da decisão é de R$ 100 mil.

Davi Miguel é portador da doença de inclusão microvilositária, condição rara que impede que qualquer alimento ingerido seja processado pelo organismo. Ele só se alimenta pela veia e não consegue ganhar peso nem absorver os nutrientes que necessita para viver. Hoje, prestes a fazer oito meses, o menino tem 4,6 quilos, menos da metade do que seria normal para a idade.  Não há tratamento para a doença, exceto o transplante.

Para chegar à decisão, o juiz Marcelo Duarte da Silva considerou que houve “prova inequívoca” de que o menino precisa da cirurgia nos Estados Unidos para sobreviver.  Ele se baseou em documentos entregues pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e pelo hospital Albert Einstein que garantem que o Brasil ainda não possui o conhecimento necessário para realizar o procedimento.

“Ainda que reste alguma dúvida se o Brasil já possui experiência suficiente em transplantes multiviscerais e de intestino, não há dúvida de que a experiência norte-americana é muito bem sucedida”,  informa o magistrado, na sentença. O procedimento será realizado no Jackson Memorial, em Miami, mesmo hospital onde a bebê Sofia Gonçalves de Lacerda, que também conseguiu que o SUS custeasse seu tratamento, espera seis transplantes.

A assessoria de imprensa do Ministério da Saúde informou que foi notificada na quinta-feira (30) sobre a decisão do Tribunal Federal da 3ª Região. "Diante da liminar, o Ministério da Saúde já está tomando as providências para o cumprimento da decisão da Justiça Federal", disse, em nota, a instituição. Ainda segundo a Justiça Federal, depois do prazo para recurso, o Ministério Público tem outros 15 dias para providenciar a remoção do menor.

O caso

Davi Miguel nasceu em 12 de março na maternidade do Hospital Regional, em Franca, e foi para casa no mesmo dia. Ele nasceu com 3,2 quilos, peso considerado normal. O menino permaneceu cinco dias com a família, mas como começou a perder peso, foi levado de volta ao hospital, onde chegou com 2,8 quilos.

Lá, ficou internado e foi levado ao Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, vinculado à USP (Universidade de São Paulo), onde passou por uma bateria de exames que durou um mês e meio. De volta as Franca, David Miguel permaneceu internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e teve o diagnóstico após três meses de internação.

Por causa do problema, Davi Miguel é alimentado de forma intravenosa, embora receba pequenas quantidades de um leite especial com substâncias que ajudam a cultivar micro-organismos benéficos ao intestino. “A alimentação dele é 95% parenteral, mas ainda mantemos o intestino funcionando”, conta a médica Gisela Paludeto Cruz, chefe do setor de UTI da maternidade do Hospital Regional de Franca.

Família

Filho dos sapateiros Jesimar Aparecido Gama, 45, e Dinéia Silva Gama, 41, Davi é o segundo filho do casal -- o primeiro tem 15 anos. O menino nasceu depois de uma espera de 13 anos, segundo a mãe. “Eu tentava engravidar e não conseguia. Consegui com 40 anos, quando achava que era impossível. Foi um sinal de que nada é impossível, e por isso tenho esperança”, conta Dinéia.

Para se dedicar ao menino, a mãe deixou o trabalho e passa as tardes com Davi no hospital. O pai continua trabalhando, mas vai à UTI todos os dias, nos finais de tarde. “Tenho uma saudade louca desse moleque”, conta Jesimar, que faz questão de ressaltar que seu filho é normal. “Ele já fez exames, neurológicos inclusive, e só tem esse problema. Ele é perfeito”, conta.

Segundo o sapateiro, no entanto, a situação configura-se como uma corrida contra o tempo. “A alimentação é o que mantém ele vivo, mas o fígado não aguenta muito tempo. Quanto mais demorar, mais arriscado fica. A gente sofre, se desespera, mas agora não tem outra alternativa. Temos que ver se o governo vai recorrer”, diz.
Segundo a médica Gisela, Davi Miguel tem hoje uma situação estável, embora esteja em fase final de tratamento de uma infecção. “Se precisasse ser removido hoje, seria possível”, afirma. Ela informa ainda que, de acordo com os casos relatados na literatura médica, a maior parte dos bebês com esse problema não sobrevive  por mais de seis meses sem receber transplante. “Ou pelos problemas de nutrição ou por falhas no sistema imunológico, crianças que ultrapassam os seis meses são minoria”, afirma. Já a Unicamp informou que a taxa de sobrevivência após o transplante chega a 73%

Exemplo

Assim como no caso da bebê Sofia de Gonçalves Lacerda, que sofre de uma síndrome rara e já está nos Estados Unidos para a realização dos transplantes, o procedimento será feito no Jackson Memorial, em Miami. O médico brasileiro Rodrigo Vianna, responsável pelo setor de transplante, deve supervisionar o procedimento.

“O hospital indicado, o Jackson Memorial Medical, situado em Miami, um dos centros de excelência reconhecidos na literatura médica internacional”, afirma o juiz Marcelo Silva. Procurado, Rodrigo Vianna disse que tem conhecimento do caso e informou que o hospital tem toda a estrutura necessária para realizar o procedimento.

A família teve também a ajuda do advogado de Sofia, Miguel Navarro, que colaborou na elaboração do pedido no caso de Davi Miguel. “Os casos são parecidos e o transplante será realizado no mesmo hospital”, informou a advogada Angélica Martori, que representa a família.  Navarro, por sua vez, acredita que as chances de vitória são boas. “É uma decisão liminar, mas as chances são boas. A União ainda pode recorrer. Mas é preciso aguardar”, conta.