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'Amor vale tanto quanto remédio', diz Lucinha Araújo, mãe de Cazuza

"Amor é o sentimento mais divisível que eu conheço", diz a mãe de Cazuza - Reprodução/"Geração Brasil"/GShow
'Amor é o sentimento mais divisível que eu conheço', diz a mãe de Cazuza Imagem: Reprodução/"Geração Brasil"/GShow

Daiane Bomfim

Da Agência de Notícias da Aids

10/05/2015 06h00

No ano de 1990, Lucinha Araújo perdeu seu único filho, Cazuza, morto em decorrência da aids. Naquela época, os tratamentos estavam longe de ter a eficácia de hoje. Era um período duro, sem esperanças, de pouca informação  e muito preconceito, o  que criava barreiras enormes ao acesso dos doentes aos atendimentos médicos.

Ao enterrar o filho, depois de três anos lutando contra a doença, Lucinha e seu marido --o produtor musical João Araújo, morto em 2013-- decidiram transformar a dor em amor e abriram uma casa para acolher crianças carentes com HIV. Assim, surgiu a associação que deu origem à 'Sociedade Viva Cazuza', junto ao Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, no Rio de Janeiro.

Em 1992, a entidade passou a trabalhar de forma independente do hospital, fornecendo medicamentos, exames e assistência médica às pessoas carentes vivendo com HIV.

A 'Viva Cazuza' tem como finalidade oferecer gratuitamente abrigo, educação, tratamento médico, reintegração familiar, lazer e cultura a crianças portadoras do HIV. Ali, Lucinha já acolheu e viu crescer pelo menos 120 crianças. É sobre isso que ela fala na entrevista a seguir, concedida via e-mail para a Agência de Notícias da Aids.

Depois da morte do Cazuza, você se tornou mãe de muitas crianças na casa que fundou e continua sendo. Como é dividir esse amor entre tantos?

Amor é o sentimento mais divisível que eu conheço. Então, por que não dividi-lo com estas crianças? Isso é algo que me beneficia mais do que a elas.

Qual foi o seu maior desafio desde que decidiu ampliar a maternidade?

Não sei dizer, apenas enfrentei todos. Enquanto eu tiver saúde, desafios não me vencem.

Você também perdeu filhos adotivos, que acolheu na 'Sociedade Viva Cazuza'. Como foi lidar com essa dor?

Infelizmente, nestes 25 anos perdemos três crianças em consequência da aids. Já passaram por aqui mais de 120. Mas a dor da perda de um é a mesma da perda de três.

Muitas de suas crianças cresceram ou foram embora. No entanto, elas devem ter constituído famílias e carreiras.  Você ainda os acompanha?

Dentro do possível, acompanhamos todos. Nos interessa saber como estão suas vidas e a saúde. Alguns já são pais e mães e, graças a Deus, estão muito bem. Outros buscam mensalmente na nossa instituição cestas básicas, conselhos e carinho.

Como é o seu dia a dia na 'Sociedade Viva Cazuza' hoje?

É a rotina de uma casa com mais de 20 crianças e jovens das mais variadas faixas etárias. Por exemplo, temos hoje bebês de uma semana de vida e um mais velho, de 19 anos. Eu procuro estar presente todos os dias na parte da tarde, geralmente do meio-dia às 19 horas. Quando eu não posso estar aqui por algum motivo, sinto muita falta.

Existe uma crítica em relação ao que chamam de superproteção a quem cresceu com HIV/aids dentro de casas de apoio. Você teve de lidar como essa crítica? E como a encara?

Sofremos muito com esta crítica, mas não poderíamos agir de forma diferente. Como não me dedicar inteiramente a quem já perdeu tudo na vida, inclusive a saúde?

A transmissão vertical (infecção passada de mãe para filho, durante parto ou amamentação) ainda não foi zerada como se pretendia, embora tenha diminuído bastante em alguns estados como São Paulo. Em sua opinião, por que isso ainda acontece e o que falta para que nenhum bebê mais nasça com HIV?

Infelizmente, a transmissão vertical intensificou-se nos últimos anos com o advento do crack. Passamos quase oito anos sem receber um bebê, mas, nos últimos dois anos, estamos recebendo toda semana. Além do HIV, a maioria deles chega com problemas pulmonares e cardíacos. Por isso, acho que prevenção é fundamental. Estamos nesta luta atualmente.

Como uma mãe que acolheu tantas crianças, o que tem a dizer para todas as demais mães?

Amor vale tanto quanto remédio. Procuro humildemente praticar isto desde sempre.

O que considera o maior avanço na luta contra aids?

Os antirretrovirais que a cada ano se atualizam e hoje já somam mais de 25 tipos diferentes. Para se  ter uma ideia, quando Cazuza esteve doente só existia o AZT.

Qual seu maior sonho na luta contra aids?

A cura.

Atualmente, a 'Viva Cazuza' atende cerca de 140 pacientes por mês, que estão em tratamento na rede pública do Rio de Janeiro, por meio do 'Projeto de Adesão ao Tratamento'. Oferece assistência a crianças e adolescentes carentes portadores do vírus da aids, assistência social a pacientes adultos em tratamento na rede pública da cidade do Rio de Janeiro e difunde informações cientificas a respeito de HIV/aids.