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Mortes por chikungunya preocupam Nordeste; 39 mil tiveram doença em 2016

Aliny Gama e Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

29/04/2016 06h00

Praticamente esquecida da população após o surto de microcefalia associado ao vírus da zika, a febre chikungunya volta a ser preocupação das autoridades de saúde, que investigam um crescimento do número de mortes no Nordeste que pode estar associado com a doença transmitida pelo Aedes aegypti, mosquito que transmite ainda dengue e zika.

Somente em Pernambuco são 191 mortes em investigação, oito vezes mais do que o número de óbitos por arbovirose no ano passado. Oficialmente, de acordo com o último boletim do Ministério da Saúde, até o dia 2 de abril foram registrados 39.017 casos prováveis de chikungunya (cinco vezes o número de infecções pela doença no mesmo período de 2015). O Ministério informa 15 óbitos pela doença --12 delas em Pernambuco, sendo sete no Recife.

Por conta do aumento da mortalidade, também já percebida na Paraíba, o Ministério da Saúde começou a debater um protocolo para se investigar as mortes suspeitas. 

Segundo o professor de medicina Carlos Brito, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), o número de óbitos cresceu significativamente e deve ser ainda maior que o número que está sendo investigado. "O que impressiona é o número de óbitos investigados e ainda aqueles que estão relatados no interior ainda sem notificação”, explica.

Um indício do problema ser ainda maior estaria em alguns municípios de Pernambuco, que tiveram maior emissão de atestados de óbito em comparação a anos anteriores. Esse aumento, acredita o especialista, pode estar relacionado à chikungunya por conta de uma confusão ao atestar a causa da morte.

“Muitas vezes, o atestado de óbito tem colocado como causa uma doença cardíaca, uma doença respiratória, uma doença renal, mas nada mais é que o efeito da chikungunya. Algumas pessoas, dias ou semanas depois, morreram, mas quem atestou o óbito colocou a causa a doença que levou a descompensação, mas não a que desencadeou”, explica.

Mortes

Benom - Ascom/Instituto Zumbi dos Palmares - Ascom/Instituto Zumbi dos Palmares
O músico Benom Pinto da Silva, 79, morreu após contrair chikungunya
Imagem: Ascom/Instituto Zumbi dos Palmares
As mortes, porém, têm assustado todo o Nordeste. Outros Estados também relataram mortes por conta do problema. Nessa quinta-feira (28), o músico Benon Pinto da Silva, 79, morreu no Hospital Geral do Estado, em Maceió. Ele era considerado Patrimônio Vivo de Alagoas por seu trabalho no guerreiro (folguedo tradicional no Estado).

A família contou que ele foi diagnosticado com chikungunya e rapidamente parou de andar devido às fortes dores nas articulações e no corpo. A saúde dele piorou depois que ele começou com hemorragia no reto.

Há 15 dias, meu pai começou com fortes dores no corpo, não conseguia levantar da cama e andar. Levamos para o hospital, deram injeção e ele veio para casa. Ele voltou ainda umas cinco vezes [ao hospital]. Ontem ele começou com sangramento e o levamos novamente para o hospital aqui em Murici [a 50 km de Maceió], mas transferiram-no para a capital e logo depois ele morreu."

Maria Dores da Silva, filha do músico Benon Pinto da Silva

Daniele - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Daniele Santana, 17, desenvolveu miosite após ter chikungunya
Imagem: Acervo pessoal
Outra morte em decorrência da doença foi da índia Daniele Marques de Santana, 17. Da etnia Xukurú, ela morava em Pesqueira (PE) e faleceu no dia 7 de janeiro com uma doença neurológica chamada miosite --desenvolvida após contrair a chikungunya.

No Brasil, até então, não havia registro das duas doenças associadas. Foi o 5º caso no mundo, sendo 3º óbito registrado na literatura médica, segundo a neurologista Maria Lúcia Brito, do Hospital da Restauração --referência em Pernambuco.

O cacique Marcos Luidson de Araújo conta que a morte da índia assustou os Xukurús, pois ela adoeceu com sintomas de uma virose e logo o estado de saúde piorou. “Para a população indígena, essas doenças transmitidas pelo mosquito são devastadoras. Estamos fazendo trabalho interno de combate aos focos nas aldeias”, explicou.

Preocupação

A situação é nova para as autoridades. Assim como no caso dos casos de microcefalia associados ao vírus da zika, Pernambuco pode estar registrando mais casos por conta de um sistema mais eficiente na região de vigilância epidemiológica.

Segundo o diretor de Controle de Doenças e Agravos da Secretaria de Saúde de Pernambuco, George Dimech, a pasta monitora uma alteração no padrão da chikungunya desde o final do ano passado por meio de um trabalho de vigilância.

“Em paralelo, uma equipe do Ministério da Saúde está em Pernambuco dando apoio à investigação desses óbitos. Eles estão avaliando a descrição dessas mortes”, disse.

Segundo o Ministério da Saúde, as mortes ainda precisam de mais análises. “Elas precisam ser investigadas mais detalhadamente para que seja possível determinar se há outros fatores associados, como doenças prévias, comorbidades, uso de medicamentos, entre outros. Até a conclusão das investigações, não é possível determinar se os óbitos foram causados exclusivamente pela febre chikungunya ou se tiveram a interferência de outros fatores”, informou a pasta.