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Falta de matéria-prima compromete tratamento de sífilis congênita no Brasil

A taxa de sífilis em gestantes passou de 2,7 para 9,7 casos a cada mil nascidos vivos - iStock
A taxa de sífilis em gestantes passou de 2,7 para 9,7 casos a cada mil nascidos vivos Imagem: iStock

Talita Martins

Da Agência Aids

30/06/2016 16h47

Estoques muito próximos do fim e esgotados em muitas cidades. Este é o atual status da penicilina cristalina no Brasil. O problema de abastecimento do antibiótico, usado para tratar sífilis congênita (transmitida da mãe infectada para o bebê) e outras doenças, foi registrado em outubro de 2015 e segue até hoje. A principal causa, segundo o Ministério da Saúde, é a falta de matéria-prima, produzida pela China e pela Índia, para fazer o medicamento. Em São Paulo, há ainda algumas unidades de cristalina, segundo a pediatra Carmen Domingues, do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo. Mas o medicamento tem sido usado só em último caso.

“A penicilina cristalina é comprada diretamente por hospitais e maternidades, tanto os particulares como os públicos. E, desde janeiro, ninguém consegue comprar mais nada. Temos de guardar as unidades que nos restam para as crianças que nascem com neurosífilis, baixo peso, ou seja, casos onde a cristalina não pode ser substituída por penicilina procaína, por exemplo”, explicou a médica Carmen, responsável pelas ações para eliminação da transmissão vertical do HIV e da sífilis no estado.

Além de ser a primeira linha de tratamento contra sífilis, o remédio é ainda usado para tratar outras doenças como erisipela, pneumonia, meningite, endocardite bacteriana, sepse e infecções da pele e de tecidos moles.

Substituição por outra droga

A coordenadora do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Adele Benzaken, confirmou que o medicamento já acabou em muitas cidades do Brasil. “Registramos algumas reclamações, mas nenhuma criança ficou sem tratamento até hoje. Nossa recomendação é para que o médico faça a substituição da cristalina pela ceftriaxona.”

Adele contou ainda que o Ministério da Saúde está tentando solucionar o problema e já está em contato com a Organização Pan-Americana de Saúde para compra emergencial. “No próximo dia 10 teremos uma resposta da Opas.”

Liberação na Anvisa

Além disso, a gestora quer solucionar o desabastecimento de outra forma. “Conseguimos que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) liberasse até dezembro a dispensa de registro da matéria-prima para a produção da penicilina cristalina. Agora, a Blau Farmacêutica, único laboratório que produz a droga no Brasil, poderá comprar a matéria-prima tranquilamente.”

Em nota enviada via assessoria de imprensa, a Blau Farmacêutica comemorou a decisão da Anvisa e disse que está aguardando só a publicação da decisão no “Diário Oficial” para iniciar a produção do medicamento. “Após 15 dias da publicação, o produto começará a ser distribuído e entregue, primeiramente, à rede pública que está carente do medicamento. Esperamos que em até 60 dias todo o mercado brasileiro esteja abastecido com os dois tipos de penicilinas indicados contra a sífilis -- em especial pediátrico."

Números

No Brasil, a taxa de incidência de sífilis em bebês com menos de um ano é de dois casos a cada mil nascidos vivos em 2008. Em 2014, dados preliminares do Ministério da Saúde apontam que ela passou para 5,6 - foram 16.266 casos naquele ano.

Nesse mesmo período, a taxa de sífilis em gestantes passou de 2,7 para 9,7 casos a cada mil nascidos vivos. Em números absolutos, de 7.920, em 2008, para 28.226 em 2014.

O estado de São Paulo registrou 6.190 gestantes com sífilis em 2014. Dessas, 22% (1363) só descobriram a doença no terceiro trimestre da gravidez. Ainda, segundo o boletim epidemiológico, 49% dos parceiros sexuais foram tratados.

Neste mesmo ano foram registrados em São Paulo 2.989 casos de sífilis congênita em São Paulo. 75% dessas mães não realizaram o pré-natal.

Causas do aumento

Tanto Adele quanto a pediatra Carmen acreditam que muitos fatores contribuíram para o crescimento da sífilis no Brasil. “A chegada do teste rápido impacta nesse resultado, porque as pessoas se testam mais. Há mulheres que fazem pré-natal tardiamente. Ainda tem a restrição para compra de antibióticos nas farmácias, há muitos itens que cooperam para isso”, disse Adele. “Em São Paulo a doença é de notificação compulsória desde 2007”, completou Carmen.

Como evitar

Segundo a pediatra Carmen Domingues, a sífilis na gravidez pode causar aborto do feto e má-formações ósseas. Mas é possível evitar com pré-natal adequado e o tratamento correto. “O tratamento da sífilis na gestação deve ser iniciado o mais rápido possível e normalmente é feito com penicilina benzatina. O parceiro também deve ser tratado para evitar uma nova infecção na gestante.”

Mas a pediatra alerta: “o tratamento com penicilina somente é considerado eficaz, tanto para a mulher quanto para o feto, se administrado com mais de 30 dias antes do parto.”

Para a especialista, o maior desafio do combate à sífilis hoje é tratar o parceiro. “Os homens geralmente não vão aos serviços de saúde. O ideal é que eles aderissem ao pré-natal também. O acompanhamento do parceiro pode contribuir para reduzir a transmissão vertical da sífilis e do HIV. A realização de testes rápidos para detecção destas doenças e a consequente adesão ao tratamento por parte do parceiro infectado pode diminuir consideravelmente o risco de contágio da mãe para a criança. Mesmo com a devida atenção ao longo da gravidez, se a mulher mantiver relações sexuais com o parceiro infectado pode ser reinfectada pela sífilis, por exemplo.”

Medicamento de um laboratório

Segundo a coordenadora Adele, diferente da penicilina benzatina, a cristalina é produzida no Brasil por apenas um laboratório. “Este medicamento é muito barato e a margem de lucro é pequena. A dose não custa mais do que 2 reais.”

Questionada se o Ministério da Saúde tem interesse em aumentar a produção da cristalina no Brasil também em laboratórios públicos, como a Fiocruz, a gestora disse que sim, mas que é preciso negociar.

Está agendado para os dias 5 e 7 de julho uma reunião do Departamento de Aids com os coordenadores de vigilância e os representantes das secretarias municipais de Saúde pactuar ações  contra a sífilis no Brasil.