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Dorme, dorme, dorme. É assim que funciona a hipnose? Cientistas explicam

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Imagem: Getty Images

Bia Souza

Do UOL, em São Paulo

03/05/2017 04h00

Você está com sono, com muito sono...e quando eu estalar os dedos. Calma. Será que a hipnose funciona realmente assim?

Apesar do uso de hipnose ser comum em shows de TV e filmes místicos, ela é uma ferramenta de diagnóstico e tratamento médico reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina desde a década de 1990.

Hipnose é um estado mental em que a atenção da pessoa fica concentrada e a consciência reduzida, assim ela passa a ser mais suscetível a sugestões. Esse estado hipnótico chamado de indução acontece após uma série de instruções preliminares e sugestões. A hipnose funciona modulando a atividade em regiões do cérebro associadas à atenção focada. As técnicas usadas em shows e na área médica são semelhantes, mas em tratamentos ela é direcionada e envolve sugestões mais aprofundadas e diretas. O uso é comum na odontologia, psicologia, fisioterapia e terapia ocupacional, nestes campos ela chamada de hipnoterapia.

Hipnose de palco

Na TV e na internet, bastam alguns segundos para que o hipnotizador faça a pessoa imitar uma galinha ou sair por aí pulando. Antes disso, é comum ele fazer demonstrações com a plateia, como induzir as pessoas a ficarem com as mãos coladas, isso na verdade são testes para determinar quem é mais suscetível à hipnose e ajuda a escolher quem vai fazer a demonstração maior. Se você prestar atenção vai perceber que algumas vezes, quando alguém é escolhido aleatoriamente, essa pessoa é deixada para "depois", isso porque provavelmente trata-se de alguém que não entraria em transe profundo. 

Nos testes é usado uma linguagem hipnótica, com voz monótona, constante e observando se a pessoa está respondendo. A respiração é fundamental, no começo é mais agitada, quando a pessoa está entrando em transe é mais profunda e lenta. 

Márcia Mathias, presidente da Ahierj (Associação de Hipnose do Estado do Rio de Janeiro

De acordo com os especialistas, nesse ambiente entram em ação a pressão social e um sentimento de cooperação com o hipnotizador.“ Hipnose não é um poder mágico. Ela se vale do nosso funcionamento psicológico e social normal para funcionar. Em geral as pessoas ‘tentam ajudar inconscientemente’ para que o procedimento dê certo”, explica o psicólogo Guilherme Raggi, pesquisador do tema no Instituto de Psicologia da USP.

Na verdade, praticamos momentos de auto-hipnose diariamente quando nos concentramos ao ponto de não perceber o tempo passar ou o que está acontecendo a nossa volta, ou mesmo quando não escutamos alguém que está próximo nos chamar.

Hipnotizar pode até ser fácil, mas nem todo mundo pode ser facilmente hipnotizado. De acordo com um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, publicado em 2012, a hipnose não está ligada a um traço de personalidade, mas a diferenças nas reações do cérebro.

Usando ressonância magnética, os pesquisadores analisaram a atividade cerebral de pessoas mais e menos suscetíveis a hipnose e descobriram que em pessoas altamente hipnotizáveis as regiões cerebrais responsáveis por tomadas de decisões e que definem se uma coisa é mais importante do que outra eram ativadas ao mesmo tempo durante a sessão, enquanto nas menos suscetíveis havia pouca conectividade entre essas áreas do cérebro. 

“Muitas pessoas não são hipnotizáveis. A habilidade de entrar em transe hipnótico é muito variável. São necessárias três coisas básicas: a pessoa precisa ser neurologicamente normal, ser uma pessoa com boa capacidade de imaginação e precisa haver vínculo de confiança no hipnotizador. Se a pessoa não acredita até dá para hipnotizar, desde que ela se disponha a participar”, explica o obstetra Osmar Ribeiro Colás, presidente da Associação Brasileira de Hipnose.

Por exemplo: uma pessoa induzida a acreditar que não tem olfato e não apresentam reação quando um vidro de amônia é agitado próximo ao nariz, são consideradas muito sugestionáveis. Os cientistas acreditam que entre 15 a 20% da população sejam muito suscetíveis a hipnose, cerca de 10% não podem ser hipnotizadas e as demais tem níveis variáveis.

Para o psicólogo Maurício da Silva Neubern, da UnB (Universidade de Brasília), o processo hipnótico é a junção de dois elementos. Um processo comunicativo específico e o estado de transe. “Nesse estado há uma alteração das referências entre o “eu” e o mundo, que envolvem tempo, espaço, matéria, causa, outro e corpo.

"A pessoa em transe pode estar de fora da cena e se ver nessa mesma cena (dois lugares ao mesmo tempo); pode estar aqui na poltrona e se ver na infância (em dois tempos e dois lugares); pode estar no consultório em transe e se sentir voando (alteração do lugar e da materialidade). Quando essas alterações acontecem, emergem processos filogenéticos (anestesias, dissociações, distorções de tempo, analgesias) e culturais (símbolos, sonhos, seres) que, geralmente, ficam inibidos durante a vigília. Essas experiências comumente possuem um grande potencial terapêutico”, explica o especialista.

Engana-se quem pensa que a pessoa hipnotizada está inconsciente. Ela está com a consciência alterada, o que diminui o senso crítico. Não é possível estalar os dedos e transformar o hipnotizado em um assassino. “Toda pessoa possui senso moral, mesmo no transe. Se ela aceita realizar qualquer ação, é com seu consentimento interno. Mesmo que tenha amnésia, a pessoa não fica inconsciente. Portanto, nenhuma técnica possui esse poder de controle e corrupção de valores”, explica Neubern.

Isso significa que a pessoa não muda de personalidade. Se ela é sugestionada a sentir calor não quer dizer que possa ser direcionada a ficar nua. Isso depende se em seu estado normal de consciência ela ficaria também. “Não é que a pessoa obedece ao hipnotizador, ela na verdade realiza o que o cérebro está entendendo. Ela se comporta de acordo com a informação com o senso crítico reduzido, porque ele nunca fica abolido por completo”, explica Colás.

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Imagem: Getty Images

Hipnose como terapia

Durante a sessão a região responsável por processar e memorizar emoções e reações sociais perde a conexão com a área responsável pela consciência. O que facilita o organismo a acatar as sugestões do hipnotizador. 

Em um caso de hipnose usada para tratamento de um trauma psicológico a pessoa que passou pela experiência tende a relembrar como se estivesse revivendo aquele momento e os estímulos externos daquela lembrança podem desencadear fobias, depressão e ataques de pânico.

Neste caso, o professor Colás descreve como funcionaria uma sessão de hipnoterapia:

"Posso colocar a pessoa em transe hipnótico. Fazê-la se imaginar no cinema vendo a um filme e segurando um controle remoto e torno a minha voz uma ligação de segurança. Para que ela saiba que está segura. Quando isso acontece peço que ela ligue a tela e assista ao momento mais traumático da situação. Ela está dissociada, não está vivendo a situação só assistindo. Ela não revive a experiência como se estivesse acontecendo, ela rebobina, passa em branco e preto, passa acelerado, passa de trás para frente. Quando isso é feito várias vezes, ela está inconscientemente aprendendo que aquilo foi ruim mas ficou no passado. Quando ela retorna, eu consigo colocar aquela experiência em outro tempo e se torna algo do passado. A imagem perde a força emocional que tinha, isso é chamado de dessensibilização sistemática".

Perigos da Hipnose

Apesar de parecer um procedimento simples e divertido em shows, a hipnose pode ser perigosa.

Tudo que você vê no palco é verdade, mas não é terapêutico e é perigoso

Osmar Ribeiro Colás, obstetra, professor da Unifesp e presidente da Associação Brasileira de Hipnose

Para os especialistas, a hipnose indevidamente utilizada pode mobilizar emoções e memórias que se encontram protegidas pelo inconsciente como questões ligadas a segredos familiares, problemas de identidade. “Há o risco de desencadear experiências emocionais desorganizadoras, trazendo sérios problemas a pessoas que, por exemplo, possuam alguma situação de sofrimento, como depressão, problemas dissociativos, fobias, traumas mal resolvidos e, principalmente, psicoses."