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Coronavírus: regras se sobrepõem ao bom senso em Hong Kong

Membros da segurança usam máscaras faciais dentro da estação de trem de alta velocidade que conecta Hong Kong à China continental.  A China pediu aos cidadãos que adiassem as viagens ao exterior para conter o avanço do novo coronavírus - Anthony Wallace/AFP
Membros da segurança usam máscaras faciais dentro da estação de trem de alta velocidade que conecta Hong Kong à China continental. A China pediu aos cidadãos que adiassem as viagens ao exterior para conter o avanço do novo coronavírus Imagem: Anthony Wallace/AFP

Christianne González

Especial para o UOL, em Hong Kong

29/01/2020 10h49

Nesta quarta-feira (29), mais um amanhecer esquisito em Hong Kong. Meu marido e eu tivemos de sair antes das 8h para ir ao Consulado Geral dos Estados Unidos. O trajeto do nosso apartamento na Caine Road, Mid-Levels, até o número 26 da Garden Road, Central, era de 750 metros —coisa de 10 minutos a pé—, mas preferimos pegar um táxi para evitar trombadas com os trabalhadores apressados.

Ao chegar, após passar pelos devidos procedimentos de segurança, que inclui tirar do rosto as máscaras cirúrgicas, encontramos um jovem norte-americano que solicitava o envio de seu passaporte para Hong Kong, e não para a China continental, onde ele havia dado entrada no pedido de renovação.

A agente pública explicou-lhe que a norma é enviar o documento para o local de requerimento. O jovem, de modos finos e voz compassada, de repente, informou a razão de seu pedido em tom de desabafo: "I do not want to get stuck in China", que, em português, significa "eu não quero ficar preso na China". A atendente pediu para ele esperar enquanto verificaria a possibilidade com seus superiores.

Tentei conversar com o jovem nesse meio-tempo. Apresentei-me como jornalista brasileira e perguntei-lhe como havia entrado em Hong Kong sem passaporte. Ele explicou que tinha carteira de identidade local, que lhe dá acesso ao território sem esse documento.

A conversa prosseguiu sem estranhamento até eu perguntar seu nome. Ele não quis se identificar para evitar ser reconhecido como residente da China continental, mas contou que não imaginava que a situação chegaria ao estado atual quando pediu a renovação do passaporte em Xangai.

Como o serviço que eu precisava era simples, fui atendida rapidamente e deixei a embaixada sem saber o desfecho da história. Torço para que o bom senso se sobreponha às regras.

Sem contato com a China

O pedido do jovem norte-americano é justificável em tempos de epidemia de coronavírus, o 2019-nCoV, que causa febre, tosse e problemas respiratórios graves. Sua preocupação é também a de outros moradores de Hong Kong. A ordem é evitar contato com a China continental, onde surgiu o coronavírus. Tanto que, pressionado por residentes, o governo anunciou que fecharia na quinta-feira (30) as principais linhas de trem que ligam o território à parte comunista do país.

A demora na decisão da chefe executiva de Hong Kong, Carrie Lam, gerou protestos, segundo informações do jornal The New York Times. Lam é vista como pró-Pequim.

Apesar de ser integrante da China, as regiões administrativas de Hong Kong e Macau têm regimes políticos especiais e, a rigor, governos independentes, o que não se confirma 100% na prática.

A preferência de estrangeiros e dos chineses progressistas por permanecer em solo cantonês decorre, em muitos casos, da maior liberdade que Hong Kong oferece em relação ao governo totalitário chinês. Na teoria, são uma nação e dois regimes políticos. Na prática, não é bem assim. A China fiscaliza e influencia a administração de Hong Kong.

Mais recentemente, o aparecimento do coronavírus virou mais um motivo na divisão. As estatísticas do 2019-nCov apontam que, até a manhã desta quarta-feira no horário local, Hong Kong tinha 8 casos de infecção confirmados e nenhuma morte. As ocorrências foram atribuídas a visitantes de Wuhan e de outras partes da China continental, onde o número de mortos passa de 130, e o de infectados, de 5.900, segundo dados oficiais.

O cenário é agravado pelos últimos acontecimentos reportados pela mídia local. Há rumores de que chineses portadores do coronavírus viajaram a Hong Kong para receber tratamento. Pacientes estariam se recusando a informar suas origens e quadro clínico, colocando em risco o controle da transmissão do vírus. Enfermeiros contrários à forma como o governo chinês tem conduzido a situação veem no pedido de licença médica uma forma de protesto.