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A rotina de profissionais da saúde: Distância da família, estresse, medo

Imagem ilustrativa. Os profissionais da saúde entrevistados pediram para não serem identificados - Freepik
Imagem ilustrativa. Os profissionais da saúde entrevistados pediram para não serem identificados Imagem: Freepik

Thiago Camara

Colaboração para o UOL, no Rio

23/03/2020 20h42

Resumo da notícia

  • Profissionais da saúde relatam alto nível de estresse. Eles mudaram suas rotinas para enfrentar o novo coronavírus e se afastaram dos familiares
  • Alguns estão apreensivos por não receberem equipamentos de proteção individual (EPI) adequados e também por não terem sido treinados
  • A Secretaria de Saúde do Estado do informa que providenciou a compra de EPIs. A Secretaria Municipal diz que não há falta de EPIs
  • O Ministério da Saúde comunica que "tem trabalhado para garantir insumos, a partir de compra emergencial"

A quarentena dos profissionais da saúde é diferente. Eles também se isolam, porém não podem ficar em casa o tempo todo. Neste momento da pandemia do novo coronavírus, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e técnicos de enfermagem estão passando mais tempo dentro dos hospitais do que com suas famílias.

Eles têm mudado suas rotinas para enfrentar uma doença que, até o fechamento desta reportagem, já matou mais de 15 mil pessoas no mundo todo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Uma enfermeira intensivista que trabalha num hospital particular de uma área nobre do Rio de Janeiro contou ao UOL que nunca viveu níveis de estresse na profissão como esse.

"Também estamos de quarentena, pois estamos num setor do hospital isolado e fechado só para atender pacientes que apresentam sintomas da covid-19. É tanto tempo que a gente passa que, ao final dos plantões, o rosto arde e a boca fica ressecada", conto a enfermeira, que preferiu não se identificar.

Junto a ela, cerca de 50 profissionais se dividem e vivem rotina semelhante para atender seis pacientes com os sintomas do novo coronavírus. Além da rotina pesada, alguns estão apreensivos por não receberem equipamentos de proteção individual (EPI) adequados e também por não terem sido treinados previamente para os procedimentos a serem seguidos lidar com a nova doença.

É o caso de uma médica de rotina de um hospital particular na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ela explicou ao UOL que o clima no ambiente de trabalho está pesado. "As pessoas estão todas nervosas, a gente fica inseguro e trabalha com medo. Quando chegou ao hospital o primeiro paciente com sintomas do novo coronavírus, não tínhamos sido treinados para lidar com essa situação e estávamos usando máscara cirúrgica, que não é recomendada nesses casos", revela.

Equipamentos de proteção

Em informe divulgado no último sábado, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ) recomenda que "os profissionais de saúde, na rede pública e privada, só devem atender a população de risco com o uso de equipamentos de proteção individual (EPI), compostos, minimamente, de máscaras de proteção, luvas descartáveis e, quando for o caso, avental de proteção"; e ainda que as unidades de saúde são obrigadas a fornecer todo material para seus colaboradores.

Não é o que tem acontecido, segundo denúncias que chegam ao Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (SindMed). Alexandre Telles, presidente do SindMed-RJ, explica que os médicos têm trabalhado sob forte pressão dos superiores e também sem os equipamentos de segurança corretos.

"Vemos os profissionais muito apreensivos, nos chegam queixas de assédio moral. Temos recebido denúncias não só de falta de EPI, mas também de unidades de saúde que não têm sabão para os médicos lavarem as mãos. Por isso, entramos com três ações judiciais de antecipação de tutela para a imediata normalização da disponibilidade desses insumos", explica Telles.

Novas rotinas em família

Além de conviver com a tensão pelo risco de ser contaminado a qualquer momento, os médicos também lidam, todo dia, com a preocupação de contaminar membros de suas famílias. Para evitar isso, um neurologista que trabalha em hospitais da rede pública, e pediu para ter seu nome preservado pela reportagem, saiu do seu apartamento na Gávea para ocupar uma suíte na Zona Norte da cidade.

"Vai ser uma maratona, e já estamos cansados nos 100 primeiros metros. Resolvi sair de casa, pois, além de lidar com a preocupação comigo e esse cansaço excessivo, quis proteger a minha família de qualquer possibilidade de contaminação", conta ele, que está há uma semana longe da esposa e do filho de 11 meses.

Outro neurologista optou por permanecer em casa, mas age todos os dias como se estivesse contaminado pelo novo coronavírus. Ilhado num quarto do apartamento que divide com a esposa e o filho de quatro meses, ele passou a adotar algumas medidas de segurança: Usa máscara, higieniza as mãos a todo instante, conversa com a esposa a pelo menos um metro de distância, utiliza os mesmos talheres todos os dias e teve de abrir mão dos cuidados com o filho.

"Não existe protocolo de como lidar com essa situação fora do hospital. Resolvi adotar algumas medidas, pois me preocupo com essa possibilidade de contaminar a minha família. Não entro em casa com a roupa que vim do hospital, tiro no carro e subo com outra roupa. Meu celular também fica dentro de uma capa de mergulho para evitar qualquer disseminação do vírus".

Posicionamento das autoridades

Em nota enviada ao UOL, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) do Governo do Estado do Rio de Janeiro informa que "providenciou a compra de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para abastecer unidades que receberão vítimas do Novo Coronavírus (Covid-19). O objetivo é atender pacientes em estado grave e a força de trabalho da saúde".

A nota diz ainda que, "até o momento, foram adquiridos 1,5 milhão de máscaras cirúrgicas, 150 mil máscaras de proteção, 300 mil óculos de proteção e 600 mil aventais, além de gorros cirúrgicos e luvas de proteção. As entregas serão feitas pelos fornecedores seguindo solicitação da SES".

Já a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, também em nota, diz que não há falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) em suas unidades de saúde. E reforça que "as equipes já foram treinadas e orientadas sobre o uso de EPI, cujo protocolo de utilização foi publicado em nota técnica no Diário Oficial do Município. Todas as medidas de prevenção e protocolos de segurança em saúde estão sendo adotadas pelo município, de acordo com a orientação do Ministério da Saúde".

O Ministério da Saúde comunica, também em nota enviada ao UOL, que "tem trabalhado para garantir insumos com diferentes fornecedores nacionais ou internacionais, a partir de compra emergencial, para reforçar o apoio aos estados e municípios no enfrentamento do Covid-19. Assim, a pasta realizou a compra de 60 milhões de unidades de 21 itens de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), dentre eles: óculos de proteção, luvas, álcool em gel, sapatilhas, toucas, máscaras e aventais. Estados já começaram a receber os insumos e devem encaminhar aos municípios".

Além disso, o Ministério afirma que "iniciou novo processo para compra de mais 72,4 milhões de unidades de EPIs para reforçar estoques dos estados e municípios. No novo processo de aquisição estão 17 itens de insumos como álcool em gel, máscaras cirúrgicas, luvas, óculos de proteção, touca, sapatilhas e aventais hospitalares. Cabe reforçar que as aquisições do Ministério da Saúde são complementares aos estoques que as gestões locais realizam para o abastecimento das unidades de saúde da rede pública".