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Itália: Covid mata num mês metade do que doenças respiratórias matam ao ano

Andrea Torrente

Colaboração para o UOL, em Curitiba

26/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • De 22 de fevereiro a 24 de março, as vítimas da COVID-19 foram 7.503
  • Em 2017, país registrou 16.270 mortes por doenças respiratórias
  • Itália tem registrado mais de 600 mortes por dia. Apenas no último sábado (21), foram 793 vítimas.
  • Em 2017, o pior da série histórica desde 2009, média era de 44,5 mortes/dia

Contrariando médicos, especialistas e lideranças mundiais, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem classificado a covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, como uma "gripezinha". Dados da Itália, porém, desmentem a tese do político brasileiro. O país europeu é o mais afetado pela pandemia no mundo.

Desde o início da crise, o novo coronavírus matou 7.503 pessoas na Itália, segundo dados oficiais do governo. O número, alcançado num mês, representa a metade das pessoas que morrem anualmente no país por doenças respiratórias. Isso inclui as vítimas de influenza, pneumonia e tuberculose, sindromes que podem ser comparadas aos efeitos da covid-19.

Os dados de 2017 do Instituto Nacional de Estatística da Itália (Istat), os mais recentes disponíveis, mostram que, naquele ano, o país da bota registrou 16.270 mortes por doenças respiratórias, sendo 15.316 por pneumonia, 663 por influenza e 297 por tuberculose.

"Assim como o SARS-CoV-2 [novo coronavírus], outros agentes microbianos como vírus, bactérias e fungos, causam infecções no trato respiratório humano, e estão associados a fatalidades. Desta forma, esta comparação é relevante do ponto de vista do universo de agentes causadores de infecções respiratórias na população italiana", explica Jônatas Santos Abrahão, virologista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Como não há dados discriminados, a comparação leva em conta todos os tipos de pneumonias, embora nem todas sejam de origem viral.

Em 2017, o pior da série histórica desde 2009, morreram em média 44,5 pessoas por dia em decorrência dessas doenças. Nos últimos dias, a Itália tem registrado mais de 600 mortes por dia. Apenas no último sábado (21), que até agora é considerado o pico da crise, foram 793 vítimas.

Diferente das ações e declarações do presidente Bolsonaro, o governo italiano implementou medidas drásticas para tentar conter a disseminação do contágio.

Mesmo na comparação com o ano de 2009, marcado pela influenza H1N1, os números continuam muito distantes dos atuais. Naquele ano, a Itália registrou 8.270 vítimas por pneumonia, influenza e tuberculose somadas, número pouco superior ao acumulado neste ano em apenas quatro semanas — desde 22 de fevereiro, dia em que o governo italiano tomou as primeiras medidas de quarentena.

Quando comparada apenas à influenza do ano passado, a covid-19 demonstra toda sua virulência. Entre outubro de 2018 e abril de 2019, os meses mais frios na Itália, em que há pico de contágios, os casos graves registrados foram 809. Desses, 198 pessoas, um quarto do total, morreram por causa de Sari (Severe Acute Respiratory Infection — grave infecção respiratória aguda) e/ou Ards (Acute respiratory distress syndrome — síndrome de estresse respiratório agudo).

Oficialmente, as pessoas infectadas na Itália pelo novo coronavírus são 74.386. Porém, alguns especialistas, como o chefe da Defesa Civil italiana Angelo Borrelli, que coordena a gestão da crise sanitária, estimam que o número de casos pode ser até dez vezes maior. Isso aproximaria a taxa de mortalidade do coronavírus na Itália às taxas registradas na China.

Essa disparidade se daria pela subnotificação por parte dos governos regionais, pela escassez dos kits para exame e pela decisão do governo italiano de testar apenas as pessoas com sintomas mais graves. Outra razão é o aumento repentino dos contágios, o que obrigou o sistema sanitário italiano a enfrentar a emergência nos hospitais, deixando de lado as análises sobre o restante da população.

Epicentro da emergência

A região da Lombardia, no Norte da Itália, é o epicentro da pandemia, com 32.346 casos positivos e 4.474 óbitos. Uma das áreas mais afetadas é a província de Bergamo, território onde moram 1 milhão de pessoas e que tem 7.072 casos confirmados. As vítimas são mais de mil.

"Estamos evitando sair mesmo. Dia 3 [de março] foi minha última caminhada. Meus dois filhos têm aulas online das 8 às 13 horas", conta ao UOL a brasileira Adrianne Pradella, que mora no pequeno município de Torre Boldone, a poucos quilômetros da cidade de Bergamo.

"Tem dias que dá um certo desespero, quando temos que dar pêsames a várias pessoas. Escuto ambulâncias o dia inteiro", diz Adrianne, que vive na Itália há 18 anos.

A lista das vítimas é tão longa que, na quarta-feira passada (18), o Exército italiano teve que retirar 70 caixões acumulados no cemitério de Bergamo e levá-los a fornos crematórios de outras cidades. As páginas que o jornal local dedica aos obituários dão também a dimensão da tragédia: se antes da crise uma página era suficiente, hoje são em média dez.

O caso da cidade de Bergamo, que tem 122 mil habitantes, demonstra também que a covid-19 não ataca apenas os idosos. A Federação dos Médicos da Família da Itália informou que, só na cidade, há 1.800 pessoas com pneumonia na faixa etária dos 30 anos. Além disso, 13 sacerdotes da comunidade já morreram, e mais de cem médicos foram contaminados pelo vírus.