Teich já criticou projeto de Bolsonaro da 'pílula do câncer': 'Populista'
Escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como substituto de Luiz Henrique Mandetta (DEM) no Ministério da Saúde, o oncologista Nelson Teich definiu como "populista" a liberação da fosfoetanolamina, composto conhecido como pílula do câncer, por projeto de lei de autoria de Bolsonaro, então deputado federal.
A substância foi regulamentada por projeto de lei de Bolsonaro e de um grupo de deputados em 2016. Este foi um dos dois únicos projetos aprovados pelo então deputado Bolsonaro em suas quase três décadas na Câmara dos Deputados.
O projeto foi sancionado e transformado em lei pela presidente Dilma Rousseff (PT) em abril daquele ano. Contudo, o uso da substância, que não tem sua efetividade comprovada pela comunidade científica, foi proibido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no mês seguinte.
Em entrevista ao portal Medscape, especializado em temas ligados à medicina, Teich afirmou que a liberação da fosfoetanolamina foi uma "decisão política e populista". O oncologista ainda criticou a possibilidade de o SUS (Sistema Único de Saúde) gastar recursos públicos com o suposto remédio.
"É uma decisão política e populista que quebra um processo estruturado de avaliação de medicamentos. Uma coisa, porém, precisa ficar clara: você, como médico, está lá para orientar o paciente. Se ele quer fazer uso da substância, é um direito dele. O que me preocupa é que somos um país pobre, no qual a saúde não é uma prioridade governamental. Usar algo que não tem comprovação científica é uma escolha individual. O que não acho justo é onerar o sistema público de saúde querendo que o governo distribua a substância. Se o paciente quiser, ele tem direito de usar, mas deve pagar por ela com recursos próprios", afirmou Teich ao site em reportagem publicada no dia 2 de maio de 2016.
A fosfoetanolamina foi desenvolvida e divulgada por Gilberto Orivaldo Chierice, professor aposentado do Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo) no final dos anos 1980. O uso da substância, porém, é questionado por médicos e cientistas.
Na ação no STF que resultou na proibição do composto, a AMB (Associação Médica Brasileira) afirmou que a pílula prometia curar todos os tipos de câncer, embora existam indicativos de eficácia apenas contra o câncer de pele em testes realizados exclusivamente em camundongos —insuficientes para a liberação de um medicamento segundo os protocolos da área.
Bolsonaro voltou a defender 'pílula do câncer' em janeiro
Durante a discussão do projeto, Bolsonaro defendeu a liberação da fosfoetanolamina para "dar uma esperança" aos pacientes com câncer terminal.
"Eu quero dizer a suas excelências que o câncer não tem partido. O partido do câncer é o cemitério. Tem gente desesperada nos vendo agora. Eu duvido que alguém aqui não tenha um parente, um amigo acometido desse mal. Nós podemos agora dar uma esperança a essas pessoas", disse Bolsonaro em plenário em 9 de março de 2016, segundo os anais da Câmara dos Deputados.
Mesmo com a proibição do STF, Bolsonaro voltou a defender a liberação da fosfoetanolamina em janeiro deste ano, já como presidente.
"Tem certas coisas que não dá para esperar", disse Bolsonaro. "A Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], por exemplo, não pode protelar por muito tempo a liberação das pautas que interessam à sociedade", concluiu, em referência à recomendação da agência pelo veto da pílula.
Assim como já fez com a fosfoetanolamina, Bolsonaro vem defendendo sem comprovação científica o uso da hidroxicloroquina —medicamento utilizado para tratar doenças como malária e lupus— como tratamento eficaz para o novo coronavírus.
A possibilidade foi aventada por um estudo francês, mas médicos e cientistas afirmam que a publicação apresenta graves fragilidades em termos acadêmicos. O uso da substância está sendo avaliado por pesquisadores de todo o mundo, em caráter experimental, em projeto articulado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Entretanto, o presidente vem anunciando medidas de produção e distribuição em massa da droga, como um acordo com a Índia, que fornecerá insumos para a produção em massa da hidroxicloroquina, e a ordem para que laboratório do Exército brasileiro produzisse milhões de unidades do medicamento.
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