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Isolamento, cloroquina, popularidade: as crises entre Bolsonaro e Mandetta

UESLEI MARCELINO
Imagem: UESLEI MARCELINO

Carolina Marins, Luís Adorno e Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

16/04/2020 16h20Atualizada em 16/04/2020 16h56

A saída de Luiz Henrique Mandetta (DEM) do cargo de ministro da Saúde, ocorrida na tarde de hoje, coloca fim em uma gestão marcada pelo embate com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre o combate à pandemia do novo coronavírus. Mandetta se reuniu com Bolsonaro às 15h45 e confirmou sua saída pelas redes sociais.

A retirada de Mandetta do governo, consumada hoje, já era esperada há semanas. Na manhã de hoje, ele afirmou que sua saída era iminente, e não passaria de sexta-feira. No lugar dele, o Planalto escolheu o oncologista Nelson Teich.

No Twitter, Mandetta anunciou a demissão às 16h17. "Acabo de ouvir do presidente Jair Bolsonaro o aviso da minha demissão do Ministério da Saúde. Quero agradecer a oportunidade que me foi dada, de ser gerente do nosso SUS, de pôr de pé o projeto de melhoria da saúde dos brasileiros", escreveu.

O protagonismo que Mandetta ganhou por liderar a atuação contra a covid-19 foi um dos pontos que incomodou Bolsonaro. A aprovação do Ministério da Saúde sob seu comando era maior que a do presidente, segundo pesquisa Datafolha.

O apoio do presidente para o uso da cloroquina contra o novo coronavírus, apesar de ainda não haver comprovação científica sobre a eficácia, foi outro fator de estranhamento público entre os dois.

Mas, mais do que isso, a defesa do agora ex-ministro para que o país siga as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) para brecar a proliferação da doença no país gerou atrito com Bolsonaro. Em uma entrevista coletiva, ele chegou a orientar que a população ouvisse os governadores e não o presidente sobre as restrições de circulação.

O presidente é crítico aberto do isolamento sob o argumento de que a economia não suportará a paralisação das atividades. Enquanto este defende o isolamento apenas de uma parcela da população, Mandetta segue a ideia de restrição de circulação de toda a população, o que, segundo a OMS e especialistas de todo o mundo, ajuda a diminuir a quantidade de contaminados, dando fôlego ao sistema de saúde para tratar os doentes por coronavírus.

Bolsonaro vinha há semanas atacando publicamente o ministro, e chegou a fazer reuniões sobre o coronavírus sem a presença do ministro. Além de acusá-lo de não ter "humildade", o presidente afirmava "não ter "medo de usar a caneta".

Na semana passada, após o crescimento da tensão entre os dois, eles se reuniram para apaziguar a relação e tentar "caminhar para a unidade". Ao final do encontro, Mandetta chegou a relatar "um bom clima" e chamou o superior de "parceiro".

Apesar dos crescentes boatos sobre sua saída iminente, Mandetta respondia que não sairia do ministério por conta própria. "Médico não abandona paciente", costumava a a dizer em suas entrevistas coletivas. No último final de semana, o presidente já acenou novamente para a demissão ao referir-se à frase em sua live semanal ao dizer que "paciente pode trocar de médico".

Respaldado pela ala militar do governo em meio às crises com Bolsonaro, Mandetta viu seu apoio cair dentro do governo depois de, no último domingo (12), dar declarações em que fez críticas ao presidente durante uma entrevista ao Fantástico, da TV Globo.

Foi a gota d'água em uma relação que levou a atenção da população para questões políticas em meio a uma pandemia que, apenas em seu início, já matou mais de 1.500 pessoas no país, com mais 25 mil casos registrados.

Relembre os principais embates entre Mandetta e Bolsonaro:

Isolamento ou economia

O isolamento social foi, desde o início da crise, um ponto central de desentendimento entre os dois. Seguindo recomendações da Organização Mundial da Saúde, Mandetta vinha defendendo a quarentena para conter o vírus. Na segunda-feira (6), no entanto, o ministério propôs afrouxar a medida na próxima semana em locais onde não haja comprometimento de mais da metade da capacidade de atendimento instalada antes da pandemia.

Já Bolsonaro mantinha posição radical contra as medidas de restrição e diz que o isolamento não deve se aplicar a todos, pois impactaria drasticamente a economia. Ele tem batido de frente com governadores e prefeitos que têm aplicado quarentenas em seus estados e cidades. O presidente chegou a usar dados incorretos sobre ocupação de leitos para justificar sua opinião. Mandetta, por sua vez, chegou a recomendar que a população ouvisse os governadores.

A cloroquina

O remédio, utilizado contra malária e lúpus, é propagandeado por Bolsonaro como uma das curas para a covid-19. O presidente chegou, inclusive, a exibir caixas do medicamento em seus encontros diários com apoiadores na frente do Palácio do Alvorada

Sob Mandetta, o Ministério da Saúde tem defendido uma posição comedida, aguardando por evidências científicas concretas de que o uso da substância é eficaz contra a covid-19.

A divergência entre o ex-ministro e o presidente ficou clara durante uma reunião interministerial em que Mandetta quase foi demitido por Bolsonaro.

O então ministro foi levado a uma sala para assinar um decreto sobre uso da substância, mas ele se negou a endossá-lo. Mandetta sempre reforçou que a decisão será embasada na ciência. Pouco depois, negou ter sido pressionado pelo presidente.

"Ele [Bolsonaro] defende, como todos nós defendemos, que, se há uma chance melhor para esse ou aquele paciente, que a gente possa garantir o medicamento. Mas ele também entende quando a gente coloca situações que podem ser mais complexas. Ele também entende que os Conselhos precisam analisar [o uso da cloroquina]", disse em entrevista.

A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) concluiu um estudo preliminar que aponta para uma taxa de mortalidade equivalente entre pacientes em estado grave que utilizaram a cloroquina e os que não foram medicados.

Gavetas vazias

No domingo 5 de abril, Bolsonaro disse não tinha "medo de usar a caneta" contra integrantes de seu governo que viraram "estrelas", mas não citou ninguém pelo nome. "Estão se achando demais. Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas, falam pelos cotovelos, têm provocações", falou na ocasião. "Vai chegar a hora deles, porque a minha caneta funciona", disse.

Antes, Bolsonaro já havia dito que faltava "humildade" ao seu agora ex-ministro. "Em alguns momentos, acho que o Mandetta teria que ouvir mais o presidente. O Mandetta quer fazer valer muito a vontade dele. Pode ser que ele esteja certo, mas está faltando humildade para ele conduzir o Brasil neste momento."

O ex-ministro respondia dizendo que "não era dono da verdade". "Não sou o dono da verdade, estou simplesmente vendo um paciente e dizendo que esse é o melhor caminho. Mas é normal também o médico falar que o caso é de cirurgia, e o paciente querer ouvir uma segunda opinião", afirmou.

Mas, na segunda 6 de abril, Bolsonaro chegou a se decidir pela demissão do ministro. A ala militar do governo, porém, convenceu o presidente a mantê-lo no cargo. Na noite daquele dia, em um pronunciamento extraordinário à imprensa, Mandetta chegou a dizer que suas gavetas foram até esvaziadas.

A certeza da permanência não existia. Dias depois, na quinta-feira 9, a CNN Brasil ouviu uma conversa entre o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni (DEM), e o deputado federal Osmar Terra (MDB), em que falam que Mandetta deveria ser demitido.

A gota d'água

O choque de posicionamentos fez Mandetta dizer à TV Globo, no domingo, que o brasileiro "não sabe se escuta o ministro da saúde ou se escuta o presidente da República".

A postura de enfrentamento teria sido recomendada por aliados do ministro. Antes, Mandetta sempre demonstrava uma tentativa de contemporizar, amenizando críticas a Bolsonaro. Depois, ele admitiu que a fala foi um erro.

A entrevista fez o então ministro perder o apoio de quem o sustentava no cargo em meio aos constantes choques com o presidente: o dos militares. "Mandetta não poderia ter desafiado o presidente em público", disse um militar que atua no Planalto.

Bolsonaro não chegou a comentar publicamente a fala de Mandetta. O vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), declarou que o ex-ministro cometeu uma "falta grave".

Ontem, em entrevista ao site da revista Veja, Mandetta se disse "cansado" da situação e admitiu sua saída. "60 dias tendo de medir palavras. Você conversa hoje, a pessoa entende, diz que concorda, depois muda de ideia e fala tudo diferente. Você vai, conversa, parece que está tudo acertado e, em seguida, o camarada muda o discurso de novo. Já chega, né? Já ajudamos bastante", afirmou.